sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Raul Seixas 3 - Krig-ha, Bandolo! (1973)

Oi, eu sou o Salinas! Krig-ha, Bandolo! é o início da carreira solo de Raul. Depois das efêmeras Raulzito e os Panteras e Sociedade da Grã-Ordem Kavernista, ele resolve assumir o próprio nome e colocar pra fora o espírito anárquico, que já estava presente desde o disco anterior, misturado com os grandes conhecimentos musicais.

O disco foi gravado pela Philips e o título é uma referência ao Tarzan (sim, o do grito), e significa "Cuidado, aí vem o inimigo". Foi o primeiro feito em parceria com Paulo Coelho (conhecido por seus livros, alguns adaptados para a televisão). Raul faria outras parcerias ao longo da carreira, mas esta foi a mais duradoura e a mais conhecida.

"Introdução: Good Rockin' Tonight" (Roy Brown)

Esta primeira faixa é um sampler gravado, da criança Raul que, contrariando a época e o lugar, já curtia o rock. Aqui ela canta uma paulada do Roy Brown, e no final anuncia para a "plateia" da sua rádio imaginária.

"Mosca na Sopa" (Raul)

Em seguida o Raul adulto já começa com o pé na porta! A "mosca na sopa" na verdade é o próprio Raul sabendo que vai incomodar e sem medo nenhum disso, e aprontando a maior macumba pra deixar isso bem claro. A inquietação, a dúvida que não quer calar, a incerteza: são as muitas moscas que insistem em pousar na nossa sopa, entrar na nossa orelha... E no meio da macumba, o refrão cai no rock! Olha aí o salseiro q esse cara vai armar...

"Metamorfose Ambulante" (Raul)

O grande clássico, talvez o mais conhecido entre todos do Raul. O termo "Metamorfose Ambulante" é praticamente sinônimo de Raul. Aqui, já mais calmo numa balada mais lenta, ele explica melhor o que disse na música anterior: ele tem as opiniões próprias dele, e não quer se conformar com um establishment. Hoje em dia isso pode parecer bobo, manjado, over, desgastado, ou o nome que você quiser dar. Mas, em plena ebulição do movimento hippie (no Brasil), e ainda durante uma ditadura, isso tinha um peso muito grande.

"Dentadura Postiça" (Raul)

Cavalgada simples com violões, que vai crescendo a cada estrofe com um baixo cada vez mais alucinado. Não sei como essa música não foi censurada... os milicos não perceberam a sutileza, mas o tema não são técnicas dentárias e sim a "ditadura"!! (em negrito, itálico, sublinhado e entre aspas, pra deixar bem claro!) Cada verso é uma metáfora representando que a ditadura "vai cair", desde a ~estrela~, o ~verde~, até o ~gás~ (ou seja, Geisel, que nessa época não era presidente mas, no papel, já era o próximo da fila: lembre-se q na ditadura não tinha eleição!). A maior esperança dele era que com a queda da ditadura, finalmente subisse o "nível mental", seja em termos de espiritualidade ou de educação mesmo.

"As Minas do Rei Salomão" (Raul/Paulo)

Aqui Raul faz um paralelo com as histórias fantásticas de exploradores e tesouros arqueológicos, cruzando com Don Quixote. Seria talvez como um "pedido de desculpas" pelas cacetadas anteriores, pois quem leu o livro, sabe que Don Quixote não luta de verdade contra rei nenhum. É apenas um cavaleiro errante, buscando (re)conhecimento e lutando conta um inimigo muito mais difuso e perigoso: a vilania.

"A Hora do Trem Passar" (Raul/Paulo)

Nesta balada Raul fala sobre a zona do conforto que muitos preferem nem perceber que existe. Uma hora o trem vai passar, e você terá que escolher: "Apagar as luzes, ficar perto de você / Ou aproveitar a solidão do amanhecer / Prá ver tudo aquilo que eu tenho que saber"

"Al Capone" (Raul/Paulo)

Numa faixa bem-humorada, Raulzito tenta voltar no tempo pra mudar a história. O plano é simples: avisar os personagens importantes sobre as esquinas da vida de cada um. Al Capone, o grande mafioso de Chicago, foi preso por tentar escapar dos impostos. Já Júlio César foi assassinado por um grupo de senadores da oposição. Para Lampião (que foi decapitado), o conselho era ir embora daquele lugar, em vez de lutar com as tropas de Getúlio Vargas. Jimi Hendrix devia abandonar o palco "agora", subentendendo-se antes do fim do show, mas na verdade ele morreu em uma festa (na real ninguém sabe direito o que aconteceu). Por fim, Jesus podia ter simplesmente ido embora, ainda mais com 11 discípulos pra ajudar (Judas não conta :) ), mas preferiu ficar, pra desespero do "astrólogo".

"How Could I Know" (Raul)

Outra faixa mais calma, cantada em inglês. Conta-se que existem duas versões dessa música, e a primeira ele teria feito para seu ídolo Elvis Presley. Raul tenta explicar que somos "onipotentes", no sentido de não haver o que não possamos fazer, mas não somos oniscientes. Não podemos saber tudo, mas isso não é problema. Temos que pegar nossos lápis, guitarras e amplificadores e seguir os nossos corações. Buscar os nossos sonhos, sem nos importar se vai dar certo ou não! Como poderemos saber?

"Rockixe" (Raul/Paulo)

Uma mistura de rock com maxixe? Aqui Raulzito enfrenta um inimigo que até então achava ser muito mais forte, mas de repente: "Você é forte, faz o que deseja e quer / Mas se assusta com o que eu faço, isso eu já posso ver / E foi com isso, justamente, que eu vi / Maravilhoso, aprendi que eu sou mais forte que você". Sim, é mais uma paulada na ditadura, que nessa época estava no auge. E os caras não percebiam!

"Cachorro Urubu" (Raul/Paulo)

Aqui, em mais uma letra política, Raul faz uma homenagem a Leonard Peltier, também conhecido como Crow Dog (Cachorro-Corvo - ok, licença poética), um líder indígena norte-americano e ativista da causa indígena por lá. Uma espécie de Chico Mendes ianque. Raul "não tinha como saber", mas poucos anos depois disso, Leonard foi acusado de assassinar dois oficiais do FBI, e foi preso. Já na época falava-se em prisão política, mas o fato de arrepiar os cabelos é que Leonard. Continua. Preso. Até. Hoje. Coisas que aconteceram há muito mas pouco tempo, em um lugar longe mas perto, e por motivos diferentes mas iguais. Um grande paradoxo que faz pensar sobre a repressão, que em quatro décadas não mudou nada. A homenagem fica muito clara nos últimos versos, principalmente o último que ninguém entende: "Eu sou índio Sioux / Eu sou cachorro urubu / Em guerra com os E. U.!" Claro que esses tais E.U. não são ninguém menos que os Estados Unidos...

"Ouro de Tolo" (Raul)

Aqui, em outro dos clássicos imbatíveis, Raul usa a imagem da pirita para falar lindamente sobre algo bem fácil de entender, mas difícil de conseguir: o desapego às coisas materiais. O que torna a música tão linda é que é o próprio Raul falando de si mesmo, depois de começar a fazer sucesso e ganhar dinheiro, percebe que não adiantou nada. Você estuda, trabalha, conquista tudo o que quer, mas no final... e daí? Tudo o que você queria era uma casa, uma namorada e um carro? "Ah, que sujeito chato você é, que acha tudo isso um saco", mas um belo dia você se olha no espelho e vê o quão "grandessíssimo idiota, humano, ridículo, limitado" você é. Ah, mas se o dinheiro não traz felicidade, fique sem ele, pra ver como é! Sim, o dinheiro é importante. Mas não é tudo na vida.

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar o disco nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube:


E é isso! No próximo post vamos continuar a sägä raulzística com o álbum Os 24 Maiores Sucessos da Era do Rock. Até lá!


12 comentários:

  1. Se "Sociedade da Grã Ordem.." foi a semente, esse disco é a flor, o verdadeiro Raul desabrocha nessa pérola do rock e da MPB. E realmente, como os militares NUNCA se deram conta das metáforas??? Simples, estavam preocupados demais batendo em comunistas... hahaha

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  2. "Eu é que não me sento no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar..." *-*

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  3. Irretocável, como disse o Rodrigo aí em cima.
    Clássico atrás de clássico. Um tapa da ditadura. Tão, mas, tão genial, que poucos entenderam (nem mesmo os próprios censores).
    Obrigada Salinas, pela excelente explicação sobre a letra de "Cachorro Urubu" que ainda guardava alguns significados incógnitos para mim.
    Observação curiosa: Percebam que na info sobre o disco, no wikipedia, consta:
    - Gênero(s): Rock and roll, folk rock, country rock, baião, gospel.

    O que? GOSPEL???

    kkkkkkkkkkkkkkk

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    1. Acho que o lance do Gospel tem a ver com o estilo de algumas músicas, principalmente com os backing vocals... por ex: na música "Dentadura Postiça"...

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    2. Se pá o ~gospel~ se refere à Palavra do Profeta Raul XP

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    3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Vdd! eu nunca tinha reparado que é "em guerra com os E. U."... sempre cantei "em guerra com Zeú" como quem canta "trocando de biquini sem parar"... XP

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    1. É então... eu tb cantava "Zé U", achava q era uma indiretinha pra algum conhecido do Raul cujo nome começaria em U... mas o lance era bem mais embaixo

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  5. Se não me engano, no encarte original, a lera está está escrita "em guerra com Zé Ú"
    Deve ter sido um artifício de Raul para deixar a coisa mais enigmática.

    Assim como no trecho: "Baby o que houve na trança, vai mudar nossa dança"
    Quando na verdade (tem uma gravação ao vivo que mostra bem isso), ele queria dizer "Baby, o que houve na França, vai mudar nossa dança", possivelmente referindo-se à a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

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    1. Também tenho a vaga lembrança de ter lido no encarte do LP, Zé U. Concordo quanto as técnicas que o Raul usava pra não registrar literalmente algum nome, vc citou o caso da "trança" no lugar de França; também tem o caso de "quelé" no lugar de Pelé na faixa Super Herois. Quanto à referência à Revolução Francesa, eu sempre liguei a um fato histórico mais recente, Maio de 1968 as greves universitárias e etc, mas a Revolução Francesa, certamente é uma possibilidade.

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  6. sempre acho que no final do a hora do trêm ele vai cantar hey jude

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