quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Raul Seixas 6 - Novo Aeon (1975)

Oi, eu sou o Salinas! Novo Aeon não conseguiu repetir o sucesso do disco anterior, Gita, mas a esta altura
Raul já era bem conhecido. Todo mundo tem seus altos e baixos! O fato de ele ter sido exilado pode ter contribuído...

De qualquer forma, este disco é bem menos engajado politicamente. As canções giram muito mais na esfera existencial/filosófica do que na crítica social. Também cita bem pouco a Sociedade Alternativa, que lhe causou problemas no passado. O próprio título do disco sugere essa mudança de rumos do "Metamorfose Ambulante".

O disco contém outras parcerias além de Paulo Coelho. O escritor e estudioso da Lei de Thelema Marcelo Motta, além de Cláudio Roberto e da própria mulher de Raul, Glória Vaquer (sob o pseudônimo de Spacey Glow), e também Eladio Gilbraz, que participou d'Os Panteras.

"Tente Outra Vez" (Raul / Paulo / Marcelo Motta)

Grande clássico do Raul, que muita gente associa a momentos de dor e superação no esporte. Mas um pequeno detalhe faz muita diferença: este disco foi gravado após Raul ter sido preso, torturado e exilado. Ele fala com muita propriedade: não importa o que aconteceu e o quanto doeu, o importante é que ele vai "levantar sua mão sedenta e recomeçar a andar".

"Rock do Diabo" (Raul / Paulo)

Autêntico "rock pauleira 70s"! Raul fala com todas as letras que esse cara de vermelho, chifres e tridente é uma grande bobagem... não existe diabo! Ele traz o conceito grego: "Existem dois diabos / Só que um parou na pista / Um deles é do toque / O outro é aquele do exorcista..." Esse diabo "do toque" é o tal daemon grego que originou a palavra "demônio", e que nada mais é que o espírito e a inteligência humanas, que podem ser usadas pro bem ou pro mal. O outro, o "do exorcista", é a papagaiada que a igreja inventou... (sim, o filme já existia, mas Raul se refere também como ao pomposo ~cargo~)

"A Maçã" (Raul / Paulo / Marcelo Motta)

Raul profético. Quando a revolução sexual estava só no começo, o grande público só começando a entender as pílulas anticoncepcionais e a diversidade sexual, ele faz uma homenagem ao amor livre. As amarras do casamento já naquele tempo apodreciam. Ninguém tem obrigação de satisfazer todas as fantasias e vontades de alguém, nem esperar que uma única pessoa possa satisfazer todas as suas fantasias e vontades. É esperar demais de uma pessoa só!! Não é pecado buscar o prazer com mais de uma pessoa, e mesmo de sexos diferentes. E até hoje isso é difícil de aceitar pra muita gente: "Se eu te amo e tu me amas / E outro vem quando tu chamas / Como poderei te condenar" (...) "Amor só dura em liberdade / O ciúme é só vaidade" (...) "O que é que eu quero / Se eu te privo / Do que eu mais venero / Que é a beleza de deitar..."

"Eu Sou Egoísta" (Raul / Marcelo Motta)

O título desta música pode à primeira vista ser contraditório com a música anterior. Mas aqui é outro contexto: a busca da própria felicidade deve ser a regra que norteia o ser humano. Sem se prender a regras criadas pelos outros, sem depender dos outros e sem deixar que outros dependam de você! Nesse sentido ela tem tudo a ver com A Maçã: a sua felicidade não pode depender de uma pessoa, e nem mesmo de várias pessoas! "Pois o homem é o exercício que faz".

"Caminhos" (Raul / Paulo)

Começa lentinha no violão, poética, desaguando num repente. Talvez endereçada a seus críticos da geração anterior que lhe perguntavam "onde é que você quer chegar com tudo isso?" E Raul responde através de uma série de metáforas, que os caminhos são muitos mas ao mesmo tempo são naturais. Ele apenas segue a sua própria natureza sendo aquilo que é. Mas na última estrofe os caminhos não são nada metafóricos: "O caminho do risco é o sucesso / O do acaso é a sorte / O da dor é o amigo / O caminho da vida é a morte!"

"Tu És o MDC da Minha Vida" (Raul / Paulo)

A melhor declaração de amor de todos os tempos! Impossível não se derreter com esta balada rock (com o sax comendo solto no fundão...) Gravada ao vivo, Raul começa a levantar vários detalhes da vida do casal, desde o Flávio Cavalcanti até Casas da Banha (uma rede de hipermercados da época), Sansui Garrard Gradiente (marcas de aparelhos de som). A metáfora do MDC (máximo denominador comum) é o seguinte: a "primeira garota da fila", no caso, é a mais linda capaz de ~dividi-lo~, de deixá-lo louco, etc, mas ao mesmo é ~divisor comum~, ou seja, divide outros ~números~ também. Como por exemplo, "o colega Nestor"... mas eu ainda acho que depois desta música ela largou todos os outros!

"A Verdade Sobre a Nostalgia" (Raul / Paulo)

Rock 50's do bom!! Aqui Raul começa falando sobre o conflito de gerações e sobre o fim do rock, pois como ele mesmo dizia o rock morreu em 1959 quando Elvis entrou pro exército. Isso pode parecer estranho pra nossa geração onde "tudo é rock", mas pra ele o psicodélico, progressivo, hard rock, eram vertentes recentes... "o negócio é rockão antigo"!! Mas depois fica claro o recado: não fique se lamentando pelo fato do rock não ser mais o que era, pegue ele e leve-o além, inove! "Porém, atrás da curva / Perigosa eu sei que existe / Alguma coisa nova / Mais vibrante e menos triste"

"Para Nóia" (Raul)

O tema meio staccato passa o tom da música, sorrateiro, Raul trancado em casa com medo. Da perseguição dos militares, talvez? Ou dos próprios demônios e da culpa desnecessária, alimentada por séculos de martelação de igreja?  Ele mescla os dois temas pra na verdade falar de ambos, a grande paranoia da humanidade, cuja única mudança até hoje é ter perdido um acento agudo.

"Peixuxa (O Amiguinho dos Peixes)" (Raul / Marcelo Motta)

Versãozinha dos Beatles, o tema bem infantil nos faz pensar naqueles desenhos animados no fundo do mar. A criançada conhece o Peixuxa, um guardião que espeta com seu tridente aqueles que poluem o mar. Mas os adultos percebem que Raul faz uma crítica aos políticos, que "não são peixes mas não morrem afogados". Políticos que na frente de todo mundo dão bom dia e boa noite, mas longe das câmeras não oferecem nada de bom: "se não é dia, e se não é noite / Peixuxa amavelmente dá maresia" (Maresia é a borrifação altamente corrosiva causada pelo quebrar das ondas na praia)

"É Fim de Mês" (Raul)

Misturada de ritmos, começa com uma macumba, vai pro baião, ritmos latinos, e termina num rock. Raul debocha da manipulação que sofremos do sistema capitalista, desde o "agendamento" imposto pela data do salário, até comportamentos, marcas, até o próprio trabalho do psiquiatra que, na visão dele, não faz senão te convencer que aquilo tudo é o melhor pra você.

"Sunseed" (Raul / Spacey Glow (Glória Vaquer))

Alguns dizem que esta balada lenta é dedicada à filha dele, Scarlet, que nasceu em 1976, uma época turbulenta e complicada. Mas não tem problema, não é o fim de tudo. Pois com essa "semente de girassol" (sunflower - não é semente do Sol, como todo mundo pensa), Raul pode até mesmo rir em frente à tempestade.

"Caminhos II" (Raul / Paulo / Eládio Gilbraz)

Releitura da faixa anterior, com partes da mesma letra. Porém num clima muito mais tenso. Mas a mensagem é mantida: os caminhos e as opiniões são múltiplas e desencontradas, mas no final tudo acaba se resolvendo pois tudo segue seu curso natural. Determinismo pouco é bobagem!

"Novo Aeon" (Raul / Cláudio Roberto / Marcelo Motta)

A faixa anterior aparentemente era o fim do disco, mas Raul incluiu uma última faixa, voltando a falar da Sociedade Alternativa. Uma esperança em perceber que os tempos, finalmente, estão começando a mudar, e mais uma explicação pra quem ainda não entendeu (no caso, os militares, que pelo jeito ainda estavam de olho no Raulzito): "querer o meu não é roubar o seu / pois o que eu quero é só em função de eu"

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube:



E é isso!


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Nei Lisboa 5: "Amém", 1993

Depois de um "jejum" de cinco anos sem lançar disco novo, Nei Lisboa lança em 1993 o disco "Amém". A gravação é toda ao vivo no Theatro São Pedro, famosa sala de espetáculos do centro de Porto Alegre. Antes disso, em 1991 ele lança seu primeiro livro, "Um morto pula a janela". Nessa altura, depois de passar algumas temporadas no Uruguai, Nei parece ter superado os anos difíceis do final dos 80's e recuperado a alegria no seu trabalho. Esse contato com o Uruguai, aliás, está extremamente impresso nesse disco.



Sonoridade muito mais positiva que o "Hein?!", tempero latino em praticamente todas as faixas (ênfase para o candombe uruguaio). É também bem mais diversificado em timbres e elementos harmônicos, como a volta dos teclados, o acréscimo de sopro metálico e belos backing vocals femininos. A roupagem pop ainda existe, assim como as baladas românticas, e a genialidade das letras continua a mesma. Ainda sobra algum espaço para o jazz, pra canções antigas e interpretações de outros artistas. Sem dúvida um disco mais "feliz" e heterogêneo que o anterior.

1. Amarycá
Som bem animado, com um swing bem típico de ritmos caribenhos, começa com um batuque que faz referência ao candombe. Nei conta com as participações de Cintia Rosa e Jaqueline Barreto nos backing vocals, muito bem harmonizados. Conta ainda com o "El Lobo" nas percussões, o violão de Carlos Badia, o baixão estalado de Zé Natálio (do Papas da Língua), Jorginho do Trumpete (advinha o que ele toca...), teclados de Mauricio Trobo e a bateria de Bebeto Mohr, sendo essa a formação base do disco todo. El Lobo e Jorginho são gênios consagrados, diga-se de passagem. A letra é um bem humorado mosaico tropicalista, onde o povo e a cultura latina "dominam e salvam" o mundo, além da sacadinha com o título/refrão da música: "Vai ser assim: a Mary cá, E a gente ali, invadindo o Tennessee, A Mary aqui, a gente lá, Salvando o Canadá". Aqui ele cita também o percussionista afro-uruguaio Rubén Rada, que mistura sonoridades do pop e rock ao candombe (sempre com muito romantismo).

2. Piratas do Capitão
A letra dessa música segue quase a mesma linha que a anterior, diversos referências world-pop, Andy Warhol, Beverlly Hills, São Paulo, Rio, Yellow Submarine,  We are the World, enfim, é a cultura latina invadindo o primeiro mundo e se misturando loucamente com ela. Muito genial. Essa começa partindo do alto, com pegada mais forte no refrão e mais suave nos versos. Apesar do climão mais pop, suave, a batida e as melodias não escondem um tempero de mambo cubano. Os backing vocals aqui também são maravilhosos. O trompete também é vital nessa faixa e o violonista Carlos Badia também canta. Aliás, o solo de trompete encaixa como uma luva.

3. Cha-Cha-Cha Moderno
Essa é uma das melhores faixas do disco, a letra é muito massa, uma óbvia homenagem ao ritmo cubano. "Andava assobiando ao sol, Pros lados de Tacuarembó, Quando esse cha cha cha moderno me volvió". Além do que ele cita o argentino Fito Paez, parceiro musical do Charly Garcia (muito bem discografado aqui no Blog pelo Rodrigo) e também faz uma auto-citação, de "Telhados de Paris", do disco anterior, lembram?, O som é de fato um cha cha cha morderno,  um tanto diferente do "original", com uma estrutura harmônica mais jazzy. O piano é bem dinâmico, claro, e o baixão come solto. O trompete marca mais uma vez presença fortíssima. E o backing vocal da Jaqueline Barreto é maravilhoso.

4. Romance
Nei toca o violão, dedilhados e acordes extremamente harmoniosos. Bela canção de amor, o nome diz tudo. Balada pop romântica com um acompanhamento simplório de teclados. A letra não foge a regra, apesar de sutilmente ser bem humorada e debochada: "Todas as bobagens que eu já disse, Dariam pra encher um caminhão, Mesmo assim encontro no caminho, Milhares mais otários do que eu".

5. Noites como essa
Essa tem uma letra bem luxuriosa, fala sobre sexo, paixão, dinheiro, nudez, noitadas. "Em noites como essa, E essa lua vagabunda e nua, Me chamam pra brigar, Me arrastam pro teu jeito de menina, Molhando lábios no sabor de uma maçã". Mas ao mesmo tempo consegue ser um tanto "romântica" também. Começa com um violão nervoso, tocado pelo próprio Nei, que dita a dinâmica da música toda. Apesar disso sem percussão (o violão já é bem percussivo). O baixão freatless é genial, tocado pelo Nico Bueno e o tecladinho do Mauricio Trobo aqui é maroto. Carlos Badia também canta nessa. Engraçado que o arranjo cria um clima bem "noturno", ao mesmo tempo que soa como algo mais campestre, e me lembra alguma coisa do Milton Nascimento.

6. Amém
Começa novamente numa pegada de violão, bem swingada. Pop com pegada latina,  alguma coisa que me lembra o mambo, com as percussões bem mais marcadas que nas anteriores, bem evidente. O trompete aqui também está maravilhoso, criando as tensões entre verso e refrão, contrapondo os backings, solando, enfim (aliás, nos backing vocals também está a Kity Santos). A faixa título tem a letra bem crítica, mas também de certa forma bem humorada, contra os costumes e dogmas religiosos. Parece que prega uma espécie de "fé livre". "Nossa Senhora é poderosa, Mas nossa raça é manga e rosa, A nossa igreja deita e goza, E onde há fumaça, deixa o pavio queimar, Amém".

7. O futuro do exterminador
Crítica ácida e quase direta aos detentores do poder, aos demagogos, ditadores. Começa com uma "fala" no background, algum discurso político, me parece. "Quê? Não pode ser, Olha aquele cara ali falando na televisão, Quem? Não pode ser, não, Olha esse retrato, é o diabo, Candidato a bom cidadão". Acredito que seja alguma referência ao Collor. O som é bem rock'n'roll, em moldes bem parecidos com "Hein?!", baixão bem marcado, cheio de slaps, guitarra nervosa (do Paulinho Supekóvia) aqui bem mais metal, com distorção e solos virtuosos. Uma boa combinação com a letra, sensacional.


8. Dirá, Dirás
Nei revisita sua própria canção, gravada no "Carecas da Jamaica", lembra? Aqui ela ganha uma roupagem também latina (se bem que a primeira gravação tem um pouco disso também). Essa mostra mais uma vez a habilidade do Nei como intérprete, mesmo que de si mesmo, hahaha. A sonoridade é meio pop meio rumba, principalmente pelas melodias do trombone.

9. Petit subversão
Uma sonoridade muito tranquila, suave, apesar das percussões bem marcadas. O baixão tem uma melodia linda, as notas dançam, e o contraponto do teclado e do trombone (o som mais feroz da faixa) encaixam perfeitamente nesse clima de "calmaria". A guitarra só entra pra completar tudo. A letra, perfeita pra essa sonoridade, é bem contemplativa, basicamente uma descrição poética de Montevidéu (e por quê não, de todas grandes capitais latinas). De quebra, surge no final a faixa incidental "Sei lá mangueira", do Paulinho da Viola e do Hermínio Bello de Carvalho.

10. Dio
A letra mais espiritualizada no disco. O mais interessante é a inversão dos valores de tempo, a velhice se torna o passado, e a juventude o futuro. "E eu só queria ser a humanidade, Alguma idade existe pra nascer, Vistes? Deixaste em mim, Saudades da velhice". Sensacional. Começa com uma melodia bem dedilhada no violão. A voz suave do Nei ganha o contraponto do maravilhoso solo da Jaqueline Barreto. Lindo demais.

11. Society assassinato
Jazz maroto, essa aqui. Nei quebra com toda a estética latina que ele vinha mantendo no show todo, até aqui. Jazz sem tirar nem por, pianinho bem sacado, baixo marcando, bateria muito característica, e aquele trompetinho, só pra selar. Ainda, de bônus, tem o maravilhoso backing da Cintia Rosa, num solo digno das divas do gênero. Tem a letra mais genial do disco, aliás, uma crítica bem humorada (e sarcástica, talvez) a xenofobia e o poder do dinheiro. Um detetive da Scotland Yard investiga um assassinato na alta classe londrina. "Em caso em que o mordomo é um lorde inglês, O jardineiro é um brasileiro, E vai pro xadrez - You're under arrest, Severino".

12. Hein?!
Mais uma vez Nei revisita a si mesmo, dessa vez a faixa título (e a melhor) do seu disco anterior. Novamente o tempero latino toma conta do disco, e o rockão da original se transforma num swingado onde o trompete, por sua vez, toma o lugar da guitarra nos riffs principais e onde as percussões reproduzem a bateria nervosa da primeira versão. O cara é gênio nisso mesmo.

13. Espiritu burlón
Devo confessar que essa é um enigma pra mim. Ele fala de um tal "espírito burlão" (enganador, trapaceiro) que vem, lhe assusta e vai embora. No fim, o espírito deixa "saudades", já que não mais o teme. Doidera. Imagino que seja uma metáfora, mas não sei sobre o quê, rs. Cantada meio em português, pelo Nei, meio em castellano, pelo tecladista Mauricio Trobo. Essa tem uma sonoridade mais "caribenha", lembra até um pouquinho os ritmos nortistas (como o carimbó) e nordestinos (como o baião). Um compasso bem doido, acompanhado pela banda toda, num swing malemolente (hahahaha!).

14. Candombe para Gardel
E Nei termina o show com mais uma interpretação, dessa vez uma canção do Ruben Rada (isso mesmo, aquele citado na primeira faixa), feita em homenagem (óbvio) a Carlos Gardel. Começa com um batuque bacana e o trompete bem animado. Parece até coisa de marchinha de carnaval, ou frevo, que mantém semelhanças com o ritmo uruguaio. Tem um ritmo gostoso, que se quebra na ponte pro refrão e novamente no refrão. O solo do trompete aqui consegue ser melhor que todos os outros. Contagiante. Fecha o disco com o mesmo espírito latino. E ainda rola uma palhinha de "Durazno y Convención", de Jaime Roos.


Bom, é isso, galera. O quinto disco do Nei, o primeiro gravado ao vivo. Incrível como é bem gravado, aliás. Nei quebrou bastante com a estética dos disco anteriores, se "latinizou". O Uruguai mexeu mesmo com ele. Pra mim foi ao mesmo tempo maravilhoso e difícil falar desse disco, porque tenho poucas referências em música latina, tive que pesquisar muito pra entender "um pouco melhor". Mas valeu a pena. Lembrando que os títulos das músicas também são links para os letras (exceto em "Petit Subversão", que não tem link...). No próximo post, vou falar do "Hi-Fi", de 1998, sexto disco do Lisboa. Valeu!

Disco na íntegra via YouTube:



terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

EngHaw - 5° O Papa é Pop

Olá, pessoas! (:


Em 1990 é lançado o 5° álbum dos EngHaw, 4° em estúdio, lançado em LP e CD, pela BMG. Neste disco a banda, pela primeira vez, assumiu integralmente a produção do conjunto, adotando teclados e bateria eletrônica, como já davam sinal nas inéditas do disco anterior (“Nau à deriva” e “Alívio Imediato”), por sentirem que já era a hora de deixa de ser uma “banda de garagem”, adquirindo assim uma roupagem mais progressiva. 


O Papa é Pop vem como um auto-questionamento da banda sobre seu próprio trabalho, preocupados em manterem-se com sua postura Anti-Sistema, afirmar sua rebeldia, mas nem por isso pregadora. 


Na época da criação da faixa-título, o Papa João Paulo II estava de passagem pelo Brasil, e tirou em PoA uma foto tomando chimarrão... 
“O Pop não poupa ninguém...”

A mídia tem suas armas para fazer a cabeça das pessoas, especialmente da juventude, e como Gessinger disse na época do lançamento: “O disco não é um panfleto!”. A banda tem uma mensagem, tem seus ideais, e sua “propaganda” principal é: “Ouça o que eu digo, não ouça ninguém!”.





Com mais de  400 mil cópias vendidas ainda no ano de lançamento, é considerado o disco que mais vendeu em toda a história da banda, e rendeu o título de maior banda de rock do país neste ano, segundo votação promovida pela revista Bizz e Veja.



Com o mesmo título da obre de Moacyr Scliar, é dividida em duas partes, e esta primeira é dedicada à Mathias Rust, aviador alemão que atravessou a defesa aérea soviética em 1987.
Com um som de cara já bem mais eletrônico, sem a euforia do rock mais underground. A bateria, como numa marcha, o arranjinho da guitarra dando um clima de história de herói... "O exército de um homem só" soa realmente como um canto de guerra, um preparativo solitário para uma luta pelo “difícil exercício de viver em paz, sem bandeiras, sem fronteiras pra defender...”.

Regravada da versão dos Incríveis, que por sua vez é uma versão portuguesa da italiana: C’era umragazzo che come me amava i Beatles e i Rolling Stones, de Gianni Morandi e Franco Migliacci, em 1966. Essa bela obra fala sobre um garoto promissor, como qualquer outro, que foi mandado à guerra, vive o horror deste cenário, e perde a vida pela razão tola da Guerra, que como consolo da vida sacrificada, traz o peito condecorado com medalhas de honra ao mérito, num caixão coberto pela bandeira de seu país.
Muito além de um triste relato, ela representa a voz de tantos que são obrigados a servir os ideias tortos da Guerra, tema tão presente nas músicas da banda.


A Segunda parte ainda fala do mesmo Mathias Rust, agora anos mais tarde, quando, de volta ao seu país (Alemanha), adota uma postura “em defesa da paz”, trocando o serviço militar por trabalho voluntário em um hospital. La apaixona-se por uma enfermeira e, não sendo correspondido, a esfaqueou (rs – humor negro é pouco...).
“Todos sabem que tanto faz, ser culpado ou ser capaz... Tanto faz”.

Mesmo “Atrás de brilho e de barulho/ Escondido dentro de sí mesmo”,
“todo mundo é moderno/ Todo mundo é eterno!”, então...
“Porque esse medo de ficar pra trás? De não ser sempre mais... De nunca mais poder?”

Toda ao piano, uma bela canção sobre amor à la EngHaw.
Um dos singles do disco, e dos maiores sucessos da banda.
Como é possível que duas pessoas que se conhecem tão bem, acabem como estranhas?
No final das contas, entre o pesar de uma história mal governada, e a esperança de que um dia, em um encontro casual, as coisas se encaixem e passem a fazer sentido... O mínimo que se espera é educação.

Quase parte da música anterior, como uma “variação sobre o mesmo tema”, num questionamento mais filosófico: “O que faz as pessoas parecerem tão iguais?/ 
Porque razão essa igualdade se desfaz? / Qual é a razão desse disfarce no olhar?”.

Na época do lançamento do disco, reza a lenda que, o cantor carioca Lulu Santos chamou publicamente o Gessinger de “Entertainer” e “alemão nazista” por causa dessa letra, rs.
Depois dessa eu nem vou comentar mais nada sobre... Hahahaha.
Deixo que tirem suas próprias conclusões! rs.


Trottoir = palavra de origem francesa, que se refere “calçada”, ou, lugar onde as pessoas passeiam e se conhecem. A Violência travestida, camuflada na nossa cultura “ganha espaço”, “se faz natural”, nos envolve como num passeio à toa.
“Armas de brinquedo/ Medo de brincar”, “Todo suicida acredita na vida depois da morte”.
Toda a trama tem sido armada e por comodismo ou inércia, absorvemos suas “regras, mandamentos/ Julgamentos, tribunais/ na vitória do mais forte, na derrota dos iguais...”.
A música Tem começo o num rock bem animado, belo solo de guitarra, riffs cativantes, baixo poderoso como sempre, bateria forte... E alterna com uma forma como num sussuro, contando o triste fim de um personagem, vítima de uma história que ele não escreveu... Que a violência travestida regeu. 
"Não se renda às evidencias, não se prenda à primeira impressão...".
     
Um retrato abstrato, polêmico e solitário da visão noturna de PoA, sob a "(ilusão de) ótica" de alguém que a conhece como a si mesmo. 
"Eu trago comigo os estragos da noite [...] 
Uma certeza, só uma certeza: Da próxima vez, só wisky escocês!
[...] Eu trago comigo os estragos da noite,
Meu reino por um rosto pelo resto da noite..."
      
     10. Ilusão De Ótica
Muita informação! Muitas frases familiares de outras músicas, muita filosofia...
“Cada um tem seu ponto de vista/ Encare a ilusão da sua ótica!”
Um fato interessante sobre essa faixa é que, há uma parte incompreensível, em que quando se virava o vinil, ouvia-se:
“Porque é que cê ta ouvindo isso ao contrário? O que é que cê ta procurando, hein?”,
e depois:
”Mal entendido/ Bem intencionado
Mal informado/ bem aventurado
Jesus salva/ Salve as baleias/ Leia livros
Safe sex/ Relax
O papa é pop/ O país é pobre/ O PIB é pouco,
O meu pipi no seu popô,
O Seu popô no meu pipi,
Poesia é um porre,
O futebol brasileiro são varias camisetas com a mesma propaganda de refrigerantes,
A juventude brasileira... Sem bandeiras, sem fronteiras pra defender”.

*Não posso deixar de me lembrar e comentar que, certa vez, lá pela 5°, 6° série, eu estava em casa com uns amigos de classe pra fazer um trabalho da escola, e coloquei meu CD deles pra ouvir (meu favorito! Quando chegar o post dele eu revelo qual é...). E então um amigo me pediu pra tirar... Disse que ouvira boatos que a banda tinha "pacto com o diabo" (Assim como a Xuxa - HAHAAHHA) e que, se eu colocasse o disco pra rodar ao contrário, ouviria a voz do ~demônio~ cantando... É, EngHaw, vocês divertiram muito a minha infância!! rsrsrs.
   
     11. Perfeita Simetria
Musica “irmã” de “O papa é pop”, que fala de um amor mal sucedido, e mal superado.
Um notório desespero que oscila entre a mágoa e a vontade de recuperar o que foi perdido... A perfeita simetria entre duas pessoas, que deixou de existir, como em “Olhos iguais aos seus”.

O álbum na íntegra... Enjoy! *-*


Até a próxima, com Várias Variáveis!
o/


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Nirvana II – Nevermind (1991)

Confesso que demorei demais para escrever esse post.
Toda vez que tentava escreve-lo, achava a tarefa complexa demais e desistia. Ou então começava a ouvir as faixas do álbum e acabava me envolvendo tanto em ouvir e curtir, que esquecia completamente de escrever sobre.
 
Enfim, falar do Nevermind é muito difícil. Mas também é fácil.
Fácil porque eu o conheço bem, porque as músicas já foram amplamente comentadas e criticadas, de modo que há muito material por aí, pra pesquisar e complementar minhas ideias. Difícil porque é muita responsabilidade. É um disco antológico, histórico. Mudou os paradigmas da música até então. Acredito que ainda não tenha surgido nenhum álbum capaz de tal façanha, até agora.
É o segundo álbum do Nirvana e um sucesso de venda e de crítica. Está entre os 10 primeiros colocados na lista dos 200 álbuns definitivos do Rock and Roll Hall os Fame.
E quem não conhece a famosa capa do bebê nadando atrás da nota de dólar? Além de conhecida, a tal capa foi eleita como a melhor capa de todos os tempos pela revista Rolling Stone. E também existem inúmeras releituras e paródias da imagem, o que apenas reforça seu sucesso.

Enfim, nesse álbum é que DaveGrohl entra definitivamente para a banda com a saída de Channing em 1990, como comentei no post anterior. Com o relativo sucesso do primeiro álbum, e com o chamado “som de Seattle” estourando na mídia, muitas gravadoras sondaram o grupo, mas no final, foi a Geffen records que conseguiu contratá-los, por intermédio de Kim Gordon, baixista do Sonic Youth.
Então, sem a produção de Jack Endino e da estética da Sub Pop, o Nirvana esteve mais livre para produzir um álbum mais elaborado melodicamente, um pouco mais pop, sem perder o peso. Não tinha como não dar certo.
Novamente, todas são composições de Cobain, música e letra. Apenas smells like teen spirit é creditada também como sendo da banda toda (Cobain/Grohl/Novoselic).

O produtor do Nevermind é Butch Vig, que também é baterista do Garbage (que também teve um disco comentado aqui), que também produziu Gish, do Smashing Pumpkins e é responsável por ter dobrado os vocais e guitarras de Kurt, nesse álbum, o que deu mais “corpo” ao som do nirvana, que no álbum anterior.


Faixa 1 - Smells Like Teen Spirit (5:01)
Há tanto para dizer sobre essa música que valeria um post só pra ela. Inicialmente rejeitada pelas rádios, chegou a ser eleita a melhor canção de todos os tempos.
Muitas vezes parodiada.
Inúmeras covers foram feitas, algumas muito boas, outras inusitadas.
A própria banda já não aguentava mais tocar a canção, realizando diversas piadas e auto-paródias.
Composição complexa? (segundo a Wikipédia: “escrita na tonalidade de F menor, com o riff da guitarra principal construído a partir de quatro power chords (F5-Bb5-Ab5-Db5) tocadas num ritmo de semicolcheia em síncope por Cobain”, etc. Entendeu?)
Hino de uma geração? Milimetricamente pensada para ser um sucesso midiático, ou expressão espontânea e instantânea de uma mentalidade genialmente criativa?
Ah, quer saber? Aumenta o som e quebra tudo!

Faixa 2 – In Bloom (4:14)
In Bloom tem um clipe sensacional, em que se vê a banda no melhor estilo “bons moços”, como num programa antigo de televisão, estilo Ed Sullivan, como foi sucesso com os Beatles. Ao mesmo tempo que se sobrepõem imagens da banda quebrando tudo
Melodia fácil, baixo bem marcado com as viradas do bateria de Dave Grohl muito bem colocadas, mostrando a que veio. Guitarra suja, inclusive no solo, mas sem ser muito pesada, agradando a ouvidos de todas as idades.
E a simples, mas incrível fórmula de começar já com o riff, diminuir a intensidade na entrada do vocal mais suave, um pré refrão que vai crescendo gerado uma tensão que explode no refrão onde todos os instrumentos crescem e o vocal é quase gritado, voltando a ficar suave logo em seguida, repetindo-se a sequencia.
Há quem diga que a letra é uma crítica às pessoas que apenas gostam de cantar suas cançõs favoritas, mas se importar com o significado delas.: “He's the one who likes / All the pretty songs, and he / Likes to sing along, and he / Likes to shoot his gun, but he / Don't know what it means”

Faixa 3 – Come As You Are (3:39)
Mesma fórmula, mas, com uma cara bem mais pop, um pouco mais limpa. Aquele comecinho bem suave que cativa qualquer ouvinte de cara.
Qualquer pessoa que toque guitarra sabe qual é o melhor exercício para checar a afinação do instrumento. Sim, o riff inicial de Come as you are é unanimidade!
Curiosidade: Kurt não era muito de fazer grandes solos de guitarra, mas este está entre seus solos mais longos.
E quanto a letra? Bem essa pra mim é difícil decifrar. às vezes acho que é uma provocação, à crítica, á mídia em geral. Como se estivesse chamando alguém para uma briga, de um modo bem irônico:
“Venha... Não perca tempo, rápido / A escolha é sua, não se atrase / Descanse um pouco, como um amigo, como uma velha memória...” - “Come ... Take your time, hurry up / The choice is yours, don't be late / Take a rest as a friend as an old memory...”E aí, no final aquela frasesinha marota, como quem diz, prometo que não vai doer:“And I swear that I don't have a gun” - “E eu juro que não tenho uma arma”

Faixa 4 – Breed (3:03)
Acho que por muito tempo foi minha preferida do álbum. “I don't care, I don't care, I don't care, I don't care, I don't care...” é um tapa na cara das tradições, das coisas que todo mundo diz que você tem que fazer, que esperam que você faça.
A ironia contida em trechos como “We could plant a house / We could build a tree”  (podemos plantas uma casa / podemos construir uma árvore) é sensacional.
Não, não precisamos de nada disso, mas talvez podemos ter, não me importo.
E o começo da música é demais. Um ruído, a guitarra distorcida, a sensacional virada de bateria que vai crescendo como num galope, o baixo marcando, até atingirem a harmonia principal e darem espaço para o vocal, que começa com a frase-chave. “I don’t care!”

Faixa 5 - Lithium – (4:17)
E essa letra? Bipolaridade total. Contradição pura. Há quem diga que Kurt sofria desse transtorno.
O estilo Nirvana de alternar momentos suaves, com momentos mais agressivos na mesma música, alternado inclusive o andamento, e explodindo no refrão se faz muito presente aqui, o que faz coro ao tema – bipolaridade.

Faixa 6 - Polly – (2:57)
Tema pesadíssimo, melodia melancólica, com um violãozinho, o baixo acompanhando, e só um prato bem colocado, suavemente e cada fim de verso e entrada de refrão. Há uma breve pausa lá pelo meio retomando imediatamente só com a linha do baixo, e Kurt cantando “Polly Said” meio que atravessando o tempo, propositalmente ou não, mas que dá uma dinâmica sensacional para a música. Não sei quem faz o backing vocal, se é o próprio Kurt, Novoselic ou Grohl, mas eu acho muito bom.
Está bem alinhada com a forma irônica de composição de Kurt e de sua ideia de que as pessoas não se importam com as letras ou as mensagens das canções. Certeza que muita gente achava (e ainda ache) que era uma música romântica estilo dor-de-cotovelo.

Faixa 7 - Territorial Pissings – (2:22)
Uma porrada! Pesada, rápida, guitarra bem suja, bateria sensacional. Letra minimalista e refrão gritado, berrado no final. O melhor estilo Pixies de fazer música, um pouco mais sujo. A letra é sensacional, fala de manipulação da mídia, guerra por territórios, teorias da conspiração, fala da não aceitação do “diferente” e, porque não, de machismo.
A linda ironia está na introdução, cantada por Novoselic, totalmente fora do tom: "Come on people now / Smile on your brother / Everybody get together / Try to love one another / Right now", referência à canção Get Together, que ficou conhecida com a banda The Youngbloods, e foi um hino hippie da época do woodstock (sabe, aquela coisa toda de paz e amor?). Pois é.

Faixa 8 – Drain You – (3:43)
Uma música deliciosa. A canção tem um refrão menos gritado, com backing vocals bem harmoniosos. Não tem grandes explosões, mas uma bateria muito marcada, que apresentando pausas bem colocadas, viradas incríveis e uma retomada sensacional após o 2º. refrão em que música “morre”. A bateria mantém uma marcação quase tribal, com grande destaque no bumbo, enquanto os outros instrumentos piram no melhor estilo “psicodélico” e um vocal com muito efeito repetindo a mesma palavra, a última do refrão (YOU), parecendo vir do além. E então todos seguem num crescendo, até uma retomada para reiniciar o verso.
A letra fala de paixão e de entrega total ao parceiro(a). Hetero ou homossexual, não faz diferença.

Faixa 9 – Lounge Act – (2:36)
O baixo inicia a canção de forma deliciosa. O título “Lounge act” (Sala de Estar) refere-se ao fato de que esta música pode ser tocada numa sala de estar. Tá mais pra aquele tipo de música barulhenta, mas que você pode ouvir numa festa de família sem chocar demais sua avó, e sem os tios reclamarem demais. O final dela é bem bacana.

Faixa 10 – Stay Away – (3:32)
Porrada do começo ao fim, é mais uma canção com letra crítica à sociedade e às imposições sociais a que nos submetemos, sem questionar: Macaco vê, macaco faz. (Monkey see, monkey do / I don't know why). Crítica à mídia, à indústria da moda.
Originalmente, o título era pra ser Pay To Play (Pague para tocar), um tapinha na cara da indústria músical.
Mas o que impressiona mesmo, é a frase “I'd rather be dead than cool / I don't know why”, ou seja, “Eu prefiro estar morto que ser legal (ou popular) / Eu não sei porque”. Profético.

Faixa 11 – On a Plain – (3:16)
Música bacaníssima. Nem tão pesada, mas guarda uma certa raiva. Love myself Better than you!
Os vocais do refrão são muito harmoniosos. O finalzinho com um fade para o vocal principal e ficando só o Ah-Ah de fundo é sensacional...

Faixa 12 – Something in the way – (3:55)
Trilha sonora para cortar os pulsos, a cara de toda uma geração, a dos anos 90, melancólica e desesperançosa. Fala da dura realidade de quem vive na rua, e não tem o que comer. Melodia linda, arranjo incrível. Uma linha de violoncelo surge no refrão, dando uma beleza triste e poética.

Faixa oculta: Endless, Nameless
Surge após cerca de 10 minutos do fim da última canção creditada, Something in the Way. Não fazia parte do álbum originalmente, somente algumas cópias do CD continham a canção como faixa oculta.
Pesadona, lembra o Nirvana de Bleach. Há boatos de que surgiu no estúdio mesmo, num esquema jam/piração.
E viva a distorção!

#FULL ALBUM 

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Sleigh Bells - Bitter Rivals


Eis que descubro que o Sleigh Bells já tem um terceiro disco quando começo a resenhar o primeiro Treats (2010). Peguei o disco na locadora do Paulo Coelho e ainda não escutei. Farei uma resenha experimental, resenhar na primeira escutada. Espero que tenha um bom resultado. Lançado em outubro de 2013.

Com vocês: Bitter Rivals

Bitter Rivals: Começa numa pegada agressiva, uma ótima letra sobre os piores e melhores dos tempos e matar o xerife da cidade. repete o refrão "Be not afraid" com energia e guitarras distorcidas, para ir para um segundo refrão "You are my bitter rival/But I need you for survival" em um ritmo mais dance.

Sugarcane: Distorções, mas já eu ritmo mais dançante e bem menos abstrato, não tem a energia da música de abertura, mas soa bem. o vocal de Alexis está ótimo e combina bem na música. A letra conta sobre o queima de cana de açúcar, a grama verde e o furacão e ver as coisas como um rei e mesmo que ela tente, não consegue o resgate. É claro que é uma metáfora. o refrão é ótimo só dizendo: beware, beware...

Minnie: Esta música tem inspiração na Les Fleurs de Minnie Riperton, eu descobri isso enquanto procurava a letra de Minnie no google. Eu não conhecia Minnie Riperton, nem Les Fleurs, é uma linda música que deixo aqui. recomendo muito.




De volta a faixa Minnie: começa com a marcação de tempo, guitarra e entra o vocal de Alexis de forma bem agressiva. O ritmo é bem para o rock, mas cheio de variações.

Sing Like a Wire: Depois de uma faixa pesada, vem algo bem pop, vocal sussurrado no melhor estilo Prince ou Michael Jackson, uma batida acompanhando bem dançante, então explode em um refrão cheio de som, com gritos e instrumentos, em uma batida bem dance. e assim continua alternado.

Young Legends: Mais uma faixa pop dançante, com autotune e tudo mais, bastante dançante, dá pra enfiar em um cd da Shakira e ninguém notaria. mas é claro, é Sleigh Bells, então a letra dançante é sobre lendas morrerem jovens o tempo todo, mas não se preocupe com isso, só feche seus olhos. Bem diferente de todas as outras faixas. E segundo uma nota que li, esta é a música preferida de Derek Miller deste álbum.

Tiger Kit: E voltamos para a guitarra distorcida, vocal e barulhos de animais de fazenda (WTF??!) Não é tão distorcida ou pesada como as músicas dos outros discos ou a de abertura desse, mas já volta ao Sleigh Bells que eu me acostumei a escutar. Um tigre não pode ser domado, então faça como uma banana e divida-se!

You Don´t Get Me Twice:  Começa com uma boa mistura de guitarra e batida pop, vai para um voz violão e volta para pop do começo, e nem saímos da primeira estrofe ainda. É um c música irregular, o que segura as partes é a batida. são muitos recortes colados, as vezes sobre postos, outras vezes justapostos. A música é sobre não ter uma segunda chance, olhos sedutores e um coração no gelo.

To Hell With You: Parece R&B, começou assim pelo menos, mas descambou para uma balada pop, com alguma distorção nos instrumentos. Uma canção de amor, ela quase morre em julho, mas vai para o inferno com ele, ali está a prova.

24: Mais uma faixa bem dance, mesmo efeitos e instrumentos, bem ritmados e de maneira leve. a música é sobre ver, aprender, mentiras e algo do tipo. Acaba com o refrão "And I Could make him see".

Love Sick: Se tirar as guitarras distorcidas poderia ser um dance clássico, bem pop e dançante. Tem um back vocal, mas não parece gravado pela Alexis. Tem pausas com solo de guitarra, que lembram, vez ou outra que esse não é um dance qualquer. E então do nada vai pra uma voz sussurrada e uma percussão leve com uma guitarra baixa ao fundo. e acaba.

É um bom álbum, algum tipo de evolução, está mais pop, bem mais variado, menos distorcido e alternativo. Os dois primeiros me agradaram mais que este, mas ele merece ser escutado mais vezes.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Raul Seixas 5 - Gita (1974)

Oi, eu sou o Salinas! Gita é o maior sucesso da carreira de Raul: com seu primeiro disco de ouro, a partir daqui ele fica conhecido em todo o país. Mas a fama traz seu preço: a divulgação da Sociedade Alternativa, que já rolava desde o ano anterior, faz com que Raul fosse preso, torturado e exilado nos Estados Unidos. Mas o disco já estava gravado. Raul, putaço com a situação, usa roupa de guerrilheiro e guitarra vermelha na capa, só de pirraça. ("vai me prender de novo agora, vai?!?") O disco faz tanto sucesso que eles resolvem liberar o Raulzito, já que seu sumiço daria na vista.

A Sociedade Alternativa era uma organização de verdade, com sede alugada, papel timbrado, relatórios contábeis. Ela se baseava no Livro da Lei e na lei de Thelema, ambos de Aleister Crowley (sim, o mesmo que foi homenageado por Ozzy Osbourne, mais ou menos nessa época). A Lei se resume basicamente na famosa frase: "Faça o que tu queres, pois é tudo da lei". Eles estavam tentando conseguir dinheiro pra fundar a Cidade das Estrelas em algum lugar no interior, e pra isso tinham que ter sócios, fontes de financiamento etc. Seria uma espécie de clube, onde vc pagaria pra participar e viver (ou não) na tal Cidade, da forma como quisesse, o que significa poder plantar e colher, seja comida, arte ou ideias, sem importar se você era artista ou careta, intelectual ou dona de casa.

Mas claro, os militares não gostaram nada disso. Chamaram Raul e Paulo Coelho pra depor no DOPS e eles, inocentes na época, pensavam estar apenas espalhando as boas novas. Mal comparando, seria algo mais próximo de uma Cultura Racional (sim, aquele pessoal que fica na Barão de Itapetininga - SP). Mas como hoje sabemos, os militares viam engajamento político em qualquer grupo, com interesse em derrubar governos.

O disco no geral é bastante engajado, continuando as críticas à ditadura, mas com várias canções mais filosóficas e existenciais, algumas girando em torno da Sociedade Alternativa. Há um "esforço de propaganda" em relação à Sociedade, para apresentar o conceito e convidar o ouvinte a participar dela. É a síntese do pensamento engajado dos 70's, não no sentido político, mas de se levantar e pôr a mão na massa.

"Super Heróis" (Raul / Paulo)

Raul começa num rock lentinho, contando como, em companhia de seu amigo Paulo Coelho, encontra pela rua várias personalidades conhecidas, ou "super-heróis", como Silvio Santos, rei Faiçal, Mequinho, Pelé e Emerson Fittipaldi. (curiosidade: 40 anos depois do disco, todos eles ainda vivem, com exceção do rei Faiçal, que já era falecido na época). Mas aqui a crítica velada é sobre o uso de figuras públicas e celebridades, inclusive do esporte, para ocupar a população: "Como é que eu posso ler se eu não consigo concentrar minha atenção / Se o que me preocupa no banheiro, ou no trabalho é a seleção (Vê se tem Kung Fu aí em outra estação)". A imagem do Fittipaldi atropelando Mequinho (o maior enxadrista brasileiro da história) também tem essa leitura, afinal é um ícone do esporte sobrepujando um ícone do raciocínio.

"Medo da Chuva" (Raul / Paulo)

Numa seresta sobre relacionamentos, Raul fala sobre a liberdade e sobre as oportunidades amorosas perdidas por um casamento antes da hora. O "medo da chuva" na verdade é o medo do novo, e ao perdê-lo Raul se abre à possibilidade de uma vida a dois muito mais feliz, sem as cobranças do casamento clássico-cristão-medieval-ocidental. Mas existe outra leitura referente, claro, à ditadura: "o que o padre falou" seriam os militares, "ser escravo" seria seguir as ordens do governo e as "pedras" seriam as pessoas que apenas vivem sem se questionar, "chorando sozinhas sem sair do lugar". Tem quem diga ainda que essa música seria uma indireta para sua mulher na época, Edith Wisner.

"As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor" (Raul)

Raul fala neste repente sobre essas conversas insossas de boteco, que não chegam a lugar nenhum, e que no fundo são só máscaras de quem quer derramar suas frustrações. Uma análise mais detalhada pode ser encontrada aqui. Dois pontos importantes pra entender a mensagem, é que "sist" no caso é o sistema, o capitalismo, o governo, o establishment, ou o nome que você quiser dar. E "transar", na época de Raul, não queria dizer sexo, mas tão-simplesmente trocar: experiências, ideias... (de certa forma não mudou tanto assim).

"Água Viva" (Raul / Paulo)

Os mais religiosos imediatamente identificam nessa balada uma ode a Deus, a fonte de todo amor. Mas é difícil imaginar Raul fazendo esse tipo de coisa. Ele se refere, isso sim, ao próprio espírito do ser humano. O coração e a mente, onde "está escondido o segredo desta vida", apesar das "correntes caudalosas". A fonte é inesgotável, "ainda que seja de noite", mas por mais que haja progresso, sempre temos muito que aprender, pois "ainda é de noite, no dia claro dessa noite"!

"Moleque Maravilhoso" (Raul / Paulo)

Nesse inesperado jazz, uma declaração de arrogância do Maluco Beleza? Ou uma crítica a quem faz isso, cada vez mais comum hoje e com certeza já naquela época? Ou ainda uma referência a não ter medo de se dizer ou ser aquilo que se quer, ele se vendo como um "bastardo na vizinhança", ou seja, um corajoso entre os medrosos.

"Sessão das 10" (Raul)

Aqui Raul regrava um de seus clássicos da Sociedade da Grã-Ordem Kavernista, não mais como seresta e sim como bolero. A letra é a mesma, falando sobre os relacionamentos baseados apenas no corpo.

"Sociedade Alternativa" (Raul / Paulo)

A paulada-mor do Raulzito, sempre presente onde quer que se fale dele. Raul resolve colocar em música os preceitos da Sociedade Alternativa, que já era divulgada há tempos: "Faz o que tu queres / Pois é tudo da Lei".

"O Trem das 7" (Raul)

Numa faixa mais triunfal e esperançosa, Raul fala sobre a passagem da humanidade para uma nova era, um novo aeon. Para ele a Sociedade Alternativa era um degrau para chegar nesse estágio. Outra interpretação, mais religiosa, liga essa música simplesmente ao Apocalipse cristão.

"S.O.S." (Raul)

Nesta baladinha, Raul traz conceitos do espiritismo, segundo o qual existem civilizações superiores, onde apenas espíritos mais evoluídos têm acesso. Porém, nesta nossa civilização existem apenas pessoas muito apegadas a valores materiais, e ele como "vetor" (ou transmissor, arauto das boas novas, subentendendo-se originário de uma dessas civilizações superiores), tenta alterar o rumo das coisas, mas se vê impotente para isso. Então pede ao "disco voador" para levá-lo embora para um lugar melhor.

"Prelúdio" (Raul)

Faixa curtinha, com letra mais ainda. Onírica, delicada, sensível e absolutamente linda. A frase é atribuída a John Lennon, e carregada do significado de toda a geração hippie, do sonho de viver em comunidades tranquilas, onde todos se ajudam mutuamente. O "sonho" em questão, num sentido amplo, é o futuro da humanidade. Mas ao mesmo tempo, é um convite para a Sociedade Alternativa, afinal com a participação de todos ele viraria "realidade".

"Loteria da Babilônia" (Raul / Paulo)

A Babilônia citada não é a civilização antiga que vimos na escola, mas sim a nossa civilização capitalista-judaico-cristã-ocidental, no mesmo sentido dado pelo movimento Rastafari (em oposição ao Sião, a terra prometida, identificada com a África). Nessa Babilônia, vivemos uma loteria em busca da realização profissional, pessoal, financeira, amorosa etc. Mais uma vez Raul fala sobre a pequenez de reduzir a vida ao eterno acúmulo, seja material ou intelectual : "Você tem as respostas das perguntas / Resolveu as equações que não sabia / E já não tem mais nada / O que fazer a não ser / Verdades e verdades / Mais verdades e verdades / Para me dizer / A declarar!"

"Gita" (Raul / Paulo)

Numa entrevista, perguntaram a Raul porque esta música fez tanto sucesso, e ele respondeu: "Porque fala de Deus em uma linguagem que todo mundo entende". Ele coloca um trecho do Bhagavad-Gita numa forma simples e clara, explicando a onipresença de Deus, desde "a luz das estrelas" até coisas pequenas e mesmo negativas, como "as juras de maldição".

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube:



E é isso! No próximo post vamos continuar a sägä com "Novo Aeon", que não repetiu o sucesso de "Gita". Até lá!