“Hein?!”, de 1988, é o quarto disco do Nei, também gravado
pela EMI, logo depois de “Carecas...”. Foi seu segundo e último disco
produzido por uma grande gravadora, porque no mesmo ano eles encerram o
contrato. Foi um ano difícil pro cara. Sofreu um acidente grave de carro, e
apesar de ter sobrevivido, perdeu sua então companheira, a Leila. Essa fase difícil
da vida dele está bem retratada no disco, bem mais ‘deprê’ que os anteriores,
mas não menos genial. O disco foi produzido por Mayrton Bahia.
É um disco bem mais cru, onde predominam os instrumentos
mais típicos do rock. Junto com Nei estavam Renato Mujeiko no baixo, Pedro Tagliani na guitarra e Fernando Paiva na bateria (agradeço ao próprio Renato Mujeiko e ao Ciro Moreau pelas correções). Os teclados e timbres eletrônicos
praticamente somem. O som tem mais pegada, claro, e me parece que nesse momento
Nei deveria estar compondo mais na guitarra e no violão. As letras já são bem
mais viscerais, às vezes usando palavras fortes, sendo sarcástico, crítico, se
mostrando solitário, nostálgico, romântico e até, minimamente, bem-humorado. Mas
no geral, parecem faces de um mesmo vago sentimento, digamos assim, Punk/Budista, uma
melancolia de luta e sonho. Acho que o nome do disco e a capa em P/B traduzem bem essa idéia.
Essa faixa é um mistério pra mim, encontrei uma letra bem
maior do que é cantado no disco. Vai saber... Tema introdutório que “surge e
some do nada”, em fade, que lembra um pouco o que os Beatles fizeram com
algumas faixas de Abbey Road e Lei it Be. Com violão e voz bem suaves, Nei
recita sua poesia “transcendental”.
A intro lembra alguma coisa pós-punk. O som segue com mais
pegada, com um andamento bem mais rock’n’roll. A bateria é bem preenchida, o
baixão come solto em riffs cheios de slaps com cara de funk, fusion, sei lá, e aquela
guitarrinha com riffs bem peculiares. A dinâmica característica do Nei, cheia
de pausas, crescimento e quedas, está presente nessa faixa. A letra? “Nem Deus não entendeu, nem eu”. Nem eu,
hahaha! Mas já dá pra perceber um lance mais beatnik na poesia do Nei. “Eu
sou alcoólatra, Anarquista, Estuprador, E escrevo poesia”.
A faixa título do disco é a minha preferida. Não só pela
letra genial, mas principalmente pelo instrumental. Aquela pegada meio punk-funk
da faixa anterior também surge aqui, mas com um tom bem mais rock’n’roll, o
baixão continua violento, slap slap slap, sensacional. A banda que acompanha o
Nei nesse disco é bem enérgica. Os riffs de guitarra são hipnotizantes. A letra é simplesmente genial. O jeito ágil que ele canta, como vai alternando a métrica. Ele fala de um tal "inimigo", e de como ele o confronta em diversos momentos, que mais parece um confronto consigo mesmo. "Um inimigo invisível que eu tinha,
Cabeça e cauda de dragão, os olhos do Alain Delon, De dia atrás de mim, De noite se escondia no porão".
Cabeça e cauda de dragão, os olhos do Alain Delon, De dia atrás de mim, De noite se escondia no porão".
Um tema um pouco mais suave, com o mesmo swing das faixas
anteriores, uma coisa meio pop/soul, mas ainda sim cru, guitarra cheia de
riffs, baixão “black” e bateria toda cheia de quebradas. O destaque aqui está
nos riffs e solos da guitarra. Acho que a letra fala sobre chapar o coco, beber
até cair. Talvez algo mais metafórico que isso, sei não. rs
A faixa romântica do disco. Tem uma letra muito interessante,
ao mesmo que é sensível e lúdica, tem metáforas geniais sobre amor e sexo. “A vinte léguas da vovó, parei, Pra,
descansar, Tirei meu chapeuzinho e tudo o mais, Olhei pra trás, E era um nariz
gigante, Oh!, ou ao menos parecera ser”. A sonoridade aqui é bem mais pop. O violão
mantém a harmonia principal, baixo e guitarra são bem mais suaves, mais
harmônicos, mas não menos geniais e bem trabalhados. Ênfase na mudança de
andamento do verso pro refrão.
Blusão sem tirar nem por. Começa com uma gaitinha marota e
um violãozinho na base. A progressão é típica do gênero. Um som bem mais alegre
e debochado que os anteriores, e talvez, um dos “menos tristes” do disco. A
letra é bem divertida (uma das poucas), uma “faxineira fascinante” que só faz
cagada. E o tal Mutuca que ele cita é aquele mesmo do “Carecas...”, lembram? Gênio do rock gaúcho. ;-)
Essa é linda, tem uma das letras mais geniais do disco. “Oh, mana, Eu quero é morrer, Bem velhinho,
assim, sozinho, Ali, bebendo um vinho, E olhando a bunda de alguém.”
Engraçado como ele imprime dramaticidade na música e ainda usa a palavra BUNDA.
Gênio. De fato uma balada, extremamente pop, mas muito bonita, sensível. O Nei
está extremamente mais visceral nesse disco, canta com verdadeira dor. A
guitarra suave e harmoniosa realça esse clima, mais um baixo lacônico, bem
marcado. O refrão quebra a tranquilidade, e vira um grito de desespero, mas não
menos melancólico. Aqui um órgão bem discreto completa a harmonia.
Começa bem tranquila, violão e voz. Um piano vem pra realçar
a harmonia, e então entra a banda toda, num andamento e harmonia que lembram
aquelas canções de blues bem melancólicas. O som vai crescendo, junto com o tom
dramático da letra, com vocal mais gritado, dolorido. Piano e guitarra se
intercalam no solo. Curioso é que termina de forma bem “caótica”,
desencontrada. Um verdadeiro grito de desilusão e solidão.
A letra é bem sacada, usa de forma ambígua a idéia de
“sonho”, estar dormindo ou estar acordado. “Estamos
sós num sonho, É só um sonho, Mas gela minha cara na janela, Vidrando os olhos
no vazio”. O violão introduz uma baladinha levemente animada, que lembra um
pouco a estrutura melódica e o andamento da country music americana (Nei
continua diversificando). O refrão é bem mais animado, com um riff de guitarra
brilhante, o andamento muda, fica mais enérgico.
Mais uma baladinha, agora mais simples, só violão e voz. A
melodia da voz é linda, o refrão ainda mais maravilhoso. O cara continua sendo
mestre em fazer mais com menos. A letra é um tanto acinzentada, uma visão
bucólica da vida, fala sobre silêncio, desistência, loucura. É simplesmente
linda. O refrão é o mais enigmático: “Eu
tenho os olhos doidos, doidos, já vi, Meus olhos doidos, doidos, são doidos por
ti”.
A última faixa do disco lembra mais o Nei dos albums
anteriores. Piano bem forte, melodia mais rebuscada, mas sem sair da sonoridade
pop que lhe é característica. Violão e baixo apenas complementam a harmonia. A
sonoridade é bem positiva, o que também lembra seus trabalhos anteriores. Existem
implícitas na letra uma espécie de nostalgia e uma estranha metafísica...
E assim termina o disco que foi lançado num ano trágico da
vida do Nei. Preciso confessar que de início eu não gostava muito do "Hein?!", mas cada vez que eu ouço acho mais genial. Apesar de "carregado", o disco mantém uma coerência poética dentro da linha de trabalho dele. Depois de 88 ele ficou uns bons anos sem lançar nada, retirou-se.
Foi voltar só cinco anos depois, com “Amém” (1993), aliás, outro nome
sugestivo. Mas desse falaremos depois. Só pra lembrar que cada título de música
é também um link pra letra. Valeu! Comentem aeeeee! \o/
Disco completo no YouTube:
A letra de Hein?! é muito foda mesmo! E esse baixo é sensacional!! XD
ResponderExcluirEsse disco é maravilhoso. "Faxineira é ótima. Mas gosto mesmo é de "Baladas" e de "A fábula".
ResponderExcluirMas a faixa título é um caso a parte. Perfeita. Completa.
Fico curiosa quanto a letra:
"Eles querem diversão e bolo / Eles querem tudo e mais um pouco
Eles querem Krig Há Bandolo / E champaigne"
Estaria Nei mencionando o grito do Tarzan, ou citando Raul??
Aliás, a seuqencia Baladas - Rima rica / frase feita é de chorar né.
ResponderExcluirAcho lindo, profundo, visceral. Tem um que de angústia, um grito de desespero, uma melancolia poética.
Tá. Parei
Oi, parabéns pelo blog. Excelentes posts. Sobre a música Teletransporte Nr4 tem o seguinte, ela foi composta em "homenagem" a namorada que faleceu no acidente. Se liga nesses versos (absolutamente geniais)
ResponderExcluir"Me ofereceram Buda, Krishna, Cristo
Um coração, um ombro, a mão
Um visto pro Japão..."
"Seria um lindo domingo
Um grande desfile
O último show
Se houvesse um teletransporte
Se fosse arte nas mãos de Deus"
Fábio! Obrigado pelo comentário. O blog anda meio parado agora, mas essa discografia eu ainda vou terminar. Sou super fã do Nei, e adoro esses versos também.
ExcluirGrande abraço!
https://youtu.be/R6mGr78-sSI
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