Mostrando postagens com marcador Nei Lisboa. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Nei Lisboa. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Nei Lisboa 9: "Translucidação", 2006

E aeee galera? Saudades de mim? Saudades do Nei? Eu também. rs

Chegamos ao nono disco do Nei Lisboa, "Translucidação", gravado em Porto Alegre nos estúdios da Tec Áudio e lançado em 2006. Estão com Nei o parceiro antigo Paulinho Supekovia na guitarra, Mano Gomes na bateria, Lucas Esvael no baixo, Boca Freire no baixo acústico, Luiz Mauro Filho nos teclados e Marcelo Piraíno, que faz participações nos clarinetes.


Aqui tem uma entrevista do Nei falando sobre sua carreira literária e sobre o lançamento desse disco:


O fato de ter demorado pra escrever sobre esse disco talvez (e apenas talvez) se dê pelo fato de que era  estranho pra mim, no sentido de que ouvi poucas vezes até começar o blog. E querendo ou não, não é dos meus favoritos ("Carecas..." e "Hein?!"). Então fiquei, por alguns dias sem entender o disco. Soa muito bem, é bonito, bem gravado, tem a poesia maravilhosa do Nei que eu adoro, mas de certa forma, me parece muito com o lado romântico de "Relógios de Sol" (poucas faixas fogem ao tema) e remete mais ainda aos timbres usados em "Cena Beatnik", com algumas exceções curiosas. É como um continuação desses discos anteriores, o mais flat, pensando em contorno emocional. Nei ainda diversifica nos estilos, tocando do funk ao jazz, passando pelo samba e muito, muito pop rock. Além das versões de "Muito", do Caetano Veloso, e "The Importance of Being Idle", do Oasis.

Bom, vamos às faixas:

1. Translucidação
Curiosamente a faixa começa com o som de uma porta fechando. Nei ataca no violão, uma batida bem malandra, e depois dessa intro entra a banda. O arranjo é simples, bonito, não tem nada de espetacular, mas cabe bem no sentimento da música. Os teclados dominam praticamente a música toda. A faixa título tem uma letra que parece meio autobiográfica, ou auto referência, me parece que é o próprio Nei falando sua passagem no tempo e no espaço. Típico desse compositor genial. "De tudo que aparente ser, no fundo, mais profano e mais rotundamente humano que a razão". Foda demais, né não?

2. Côte d'azur
Essa poderia muito bem ser uma canção do Simply Red. Belos arranjos, um pop muito bem feito, bem arranjado, cadências com intervalos inesperados. Muito lindo. Os violinos e os backings contrapõe bem a marcação mais forte do baixo e do piano. A primeira romântica do disco, que fala direto com a pessoa amada, enaltece, relembra momentos, se declara. Ele diz que o mar para pra ver a pessoa amada passar. Cotê d'azur é o nome que se dá uma região do litoral sul da França.

3. Bela
A segunda romântica, já vem na sequência. Parece até que são uma música só, divida em dois momentos, duas mensagens correlatas. Se foi proposital, foi bem sacado. Mas... o título já diz tudo sobre a mensagem. Sobra romantismo no Nei dos anos 2000, de fato (rs). Acho que uma das canções menos interessantes do disco, na verdade. Letra e música me soam comerciais demais pro padrão Lisboa de sonoridade. Bom, avisei que entrei em estranhei o disco... rs.

4. Confissão
Uma melodia linda tocada ao violão de aço é acompanhada por um baixo com um timbre sensacional, logo no início. No refrão entra a guitarra e os synths, harmonizando. Mesmo sem bateria, a música alcança um nível de dinâmica no seu contorno emocional muito além das outras faixas. O mesmo pra voz do Nei, que entra sempre com a exatidão poética em cada nota, com a força certa, o sentimento exato. Mais uma letra inspirada do Lisboa, extremamente positiva, esperançosa. Daquele tipo de mensagem que dá vontade de viver, de fazer o que a gente gosta, acreditar que amanhã vai ser melhor que hoje, enfim. Sabedoria pura.

5. Clichê 
Eu juro que eu ouvi um pagodinho aqui nessa faixa (rs). Tem uma sonoridade bem interessante, menos pé no chão, com bastante reverb, guitarra espacial, bastante synth. Lembra muito algumas coisas dos anos 80, com o acréscimo de que é Nei Lisboa em pleno 2006. Mais uma romântica, bem mais sensual que as outras, tem uma malandragem, um swing singular. "Corres da minha porta, somes da minha rua, mas estás sempre pronta pra mim, juras que não suportas, cospes na minha cara, mas estás sempre nua no fim". Pois é.

6. Em Pleno Carnaval 
Essa eu realmente gosto muito, por vários motivos. Primeiro porque tem uma letra linda e toda parnasiana, tenho até impressão de que muitas palavras estão ali muito mais pela sonoridade e pela poética que pelo sentido. Mas no trecho "Mas o que faz esse lugar vazio em pleno carnaval?" tudo se amarra. Brilhante. A música é uma das mais bem trabalhadas, com arranjos sensacionais, e o conjunto de crescendo até o terceiro verso é emocionante. Difícil definir estilo, eu diria que é um tipo de pop folclórico (rs), synths contrapondo com violão, baixo contrapondo com orquestrações de cordas, percussão que vai evoluindo, enfim. Sem dúvida uma das melhores faixas do disco.


7. Dois Meses
É claro que não faltaria um sambão. Esse é bem diferenciado,  tem um piano bem marcado e a percussão brilhantemente cheia de dinâmicas, formando a base geral da música. Entram nos solos: acordeão, tuba, guitarra e synths, que se unem pra finalizar a faixa com toda a força. Adorei essa sacada. Mais uma romântica. S2

8. Mundos Seus 
Uma canção mais dark e introspectiva. Gosto muito das guitarras cheias de processamento e do clima soturno dos synths, uma série de ruídos e sons soltos no espaço, criam uma atmosfera bem peculiar. A melodia principal é bem comum, mas foi bem arranjada com apoio do violão e do baixo. Gosto muito do vocal do Nei nesta faixa, em especial. A letra é tristonha também, um amor perdido, um passado apagado, uma lembrança longínqua.

9. Tropeço
Instrumental simples, composto apenas de piano e clarinete. Uma base bem bacana no piano, que lembram até algumas canções do Arnaldo Baptista, acompanhado suavemente pela voz do Nei. Não tem a letra mais genial do disco, mas é bacana. Uma mistura de declaração de amor e de loucura.

10. A Verdade não Me Ilude 
Finalmente um jazz! Claro que não poderia faltar, afinal faz parte da "tradição Lisboa" sempre gravar pelo menos um jazzinho maroto. E esse não deixa a desejar, tem tudo que um bom som do estilo tem, pianão bem marcado, cheio dos acordes esquisitos (leia-se "maravilhosos"), baixo dinâmico, e aquela bateria típica. A letra é uma das melhores, extremamente crítica, expõe as relações exploratórias entre artista e agenciador, entre criativo e indústria cultural. "De fato é muito interessante e musical esse seu novo jazz em fá bemol. Música é legal, mas devo também lembrar o aspecto pontual de que assinou esse contrato pelo qual lhe prometemos uma eterna juventude, em troca de você mostrar um pouco de atitude". E por ai vai. Genial demais, irônica, outra das minhas favoritas do disco.

11. The Importance of Being Idle
Essa me deixou surpreso. Um cover do Oasis? Como assim?... Pois é, uma baita versão, na verdade. Gostei muita da interpretação, esse início com gaitas de fole é demais. O mais interessante é que tem momentos que nem parece o Nei cantando. Bem diferente mesmo. Acho que valeu a experiência, apesar de destoar bastante do resto do disco. Bom, foi a impressão que eu tive... =X

12. Muito
Nei está aqui devolvendo a gentileza que Caetano fez ao gravar "Pra te lembrar", que ele havia lançado alguns anos antes, e foi trilha de cinema. Ele optou por algo bem simples, piano sem muitas firulas, e apostou na sua interpretação vocal, que ficou linda. No mais, nada novo. Valeu Cae!

13. Festa do Kafu S. 
Eu diria que a faixa que fecha o disco é a mais diferente do tema geral, a mais festiva (desculpe o trocadalho), bem mais swingada, mais pro funk, com batera e baixo pesados, guitarrinha só acompanhando, riffs com pedal wah-wah, tudo mais. Tudo a ver com a mensagem que o Nei quer passar, parece mesmo que ele tá no meio de uma festa, descrevendo cenas e pensamentos que ali se passam. Adorei o disco terminar assim pra cima. Ainda mais quando ouvi aquele clavinet dividindo os solos com o guitarra no fim. Foda!

Foi então depois de ouvir bastante "Translucidação" que me dei conta que de fato é uma espécie de fechamento da trilogia "Cena Beatink/Relógios de Sol/Translucidação". Doido isso, é como uma síntese daquilo que foi produzido nos discos anteriores. Ai sim eu percebi a importância desse álbum, consegui entender. Acho que no fim, até me surpreendeu. Me fez acreditar ainda mais que o Lisboa é um dos maiores compositores de música popular gaúcha e brasileira.

Vale lembrar também que em 2007 ele lançou "É Foch!", seu primeiro livro de crônicas. (esse aí do lado >>>)

No mais, é isso galera. No próximo post vou escrever sobre "A Vida Inteira", de 2013, disco que foi financiado via crowdfunding. Pois é, genial. Mas fica pra depois. Lembrando que os títulos da músicas são links pras letras. Até o próximo post. Valeu! o/

Ouça o disco na íntegra aqui:


terça-feira, 10 de junho de 2014

Nei Lisboa 8: "Relógios de Sol", 2003

Olá! Nesse post eu vou falar do oitavo disco do Nei Lisboa, o "Relógios de Sol", lançado pelo selo Antídoto, da ACIT, em 2003. Depois da paulada política do disco anterior, o "Cena Beatnik", o cara se volta totalmente pro romance, o amor e as mulheres (da sua vida, e da sua imaginação criativa). Esse disco é tão bem produzido e gravado quanto o anterior, as harmonias continuam com a carinha inconfundível do Nei, só que agora tudo mais soft, mais pop do que nunca.


De qualquer forma, o Nei não foge a tradição de trazer diversas influências musicais pros seus discos. Como sempre, você vai poder ouvir o melhor das baldas pop nacionais junto com jazz, blues e ritmos latinos. A primeira faixa já dita o tom de basicamente todo o álbum. Uma balada muito linda, romântica, aquele refinamento das letras bem típico do Lisboa, melodias muito boas mesmo.

1. Primeiro Amor
Começa com um riff muito bonito no violão. Popinho bem romântico, muito bem arranjado. Piano comanda a levada do som, o baixão completa com muita leveza. O refrão é mais marcado, por guitarra e bateria. Um sintetizador bem suave, macio, complementa a harmonia. E a letra, claro, não nega essa aura de romance. Dá pra dizer sim que letra e música tem a doçura de um primeiro amor. "Vai ver, o teu final feliz é minha próxima atração".

2. Vai Chover
Seguindo o mesmo espírito da canção anterior, essa faixa não é menos romântica. Começa o barulhinho de chuva e um trovão inicial. Uma levadinha de bongô torno tudo um pouco mais rasteiro, uma declaração de amor inocente, um pop até que bem dinâmico, com variações de andamento e tudo mais. O violão mantém a harmonia, entrecortado por uma harmonia genial de backing vocals. O tecladinho ainda tá lá, dando um brilho extra. Ela cresce no refrão com uma linda frase: "Cada vez que vai chover, eu volto pra estrada pra te ver". Conta, basicamente, a história de um casal que caminha na chuva, e encharcados, foram se abrigar num velho moinho. Tiram as roupas, botam pra secar, e PIMBA! Começa um grande amor. S2

3. Relógios de Sol
A faixa título tem uma das letras mais interessantes do disco.O Nei brinca bastante com as palavras, cria estruturas poéticas, brinca com elas, intercala, volta, etc. O mais incrível é que a música não tem refrão, mas ainda assim tem alguma coisa cíclica, ao mesmo tempo em que é ascendente e dinâmica. Incrível como em cada "fim" de sessão o instrumental marca a última palavra, "pão" e "mão". O instrumental, aliás, incrível também, com o violão na harmonia e melodia principais. Interessante são as participações ocasionais dos sintetizadores. As percussões, bem suaves no estilo "chocalhinho", e um bumbão bem espaçado, garantem a pulsação. Bom demais, bem pensada e estruturada. Bem gravada.

4. Cine Avenida
A letra é bem clichêzinha, mas com a cara do Nei, e na sua voz é de fato um "clichê singular", rs. Na pegada do disco, mais uma romântica, com uma carinha mais malandra. O instrumental é muito massa e levada é meio ska, no estilo dos Engenheiros do Havai. Ênfase no tecladista, que porra!, manda bem pra caralho! Os arranjos pro synth são demais. Muito bacana também a "ponte" pro refrão com um solo de guitarra, a banda aumenta a pegada, toca mais forte.

5. Pra te Lembrar
Essa faixa, em especial, teve notoriedade na imprensa e no cenário nacional, principalmente por ser trilha do filme "Meu tio matou um cara", o tema romântico. Nessa versão, a música é interpretada por Caetano Veloso. A mais bela canção do disco, sem dúvida alguma. Um piano maravilhoso entra com a voz do Nei, contrapondo. Que melodia linda. Adoro também como o baixo vai se costurando no melodia do piano. Muito bem arranjado, puta merda... A forma como a pulsação cresce, vai aumentando a sensação de ápice, de clímax, é genial. Adoro essa música. E a letra então... de chorar. =*(


6. Bar de Mulheres
Jazzinho maroto, discurso de rapaz desarmado frente a uma mulher poderosa, independente, a Diana, "Já és Simone e Sartre, E não precisas mais de mim... Se amas por nós dois, de mim já não precisas mais". Bem caricata, essa faixa, começa com baixão jazzy e "clicks" de dedos estalando. Genial o pianinho bem com a aquela cara "cabaré", baixão comendo solto, guitarra no contra do piano, dando swing, passeando pelas escalas, a bateria inconfundível. Muito foda. Nei mantém a "tradição" de sempre botar um jazz no meio dos seus discos.

7. Isso São Horas
Climão latino nessa faixa. Uma conga, talvez, comendo solta, solinho de violão na escala flamenca. Genial como o som cresce eu fica com uma cara bem rock-latino, no melhor estilo Carlos Santana. O cara sempre fazendo referências. Claro que o tema do som não podia ser menos "caliente". O Lisboa paga de tiozão sem vergonha e canta pra sua novinha. "Que idade tem a minha bonitinha, sabe que eu podia ser papai". Hahaha! Ai ai, esse Nei...

8. Babalú
E claro que não podia faltar também o blues, mas um clássico do repertório do Nei Lisboa. Todo disco tem um blues, rs. Esse não é menos genial. Mantém a temática romântica, mas aqui num tom mais debochado, falando de uma garota com quem ele mantém  uma relação meio "conturbada", mas ele sente falta dela, sim. O som já começa com uma guitarrinha havaiana, muito massa. O violão mantém a harmonia, enquanto a bateria vai dando dinâmica. Os backing vocals aqui são bem divertidos, "Babalú!", rs.

9. Amor Executivo
Amor executivo, é esse que você se doa por inteiro mas ainda sim ela insiste em te "atiçar". Pelo menos é o que diz o Nei nessa canção super bem sacada. Não sei dizer ao certo que tipo de som é esse, alguma coisa meio pro cool jazz, mas pra mim também está perto disso e disso. Bem suave, com um belo solo de sopro (talvez um sax alto), brincando com a melodia da guitarra.

10. O Mundo em Seu Lugar
Essa tem um dos melhores arranjos do disco. Adoro esse clima meio soturno que ela mantém, com algumas dissonâncias sobressaindo, e o total contraste com as partes mais melodiosas, tonais. Ênfase no violão e na presença eterna de um sintetizador bem etéreo de fundo. Muito bom. A letra também é linda, muito bem estruturada, bem no jeitão do Nei, de repetir estruturas mudando a mensagem. Fala de um amor que "desarruma" a vida, mexe com os sentimentos, mas de independente de qualquer bagunça, é desejado, lindo, e deixa saudades. Mais uma vez, o amor e o romance dominam uma faixa do disco.

11. Bom Futuro
Essa tem a letra que eu mais gosto, super positiva, otimista. Nei dá instruções de como ter um "Bom Futuro", dizendo que o mais importante é a simplicidade das coisas cotidianas, manter a vida tranquila, é esse o segredo, e todos os problemas futuros (que na verdade existem sempre, no passado e presente também) devem ser ignorados agora. "Leve um mapa pra esquecer, Onde a estrada terminar, Depois a gente se vai voltar, Quem sabe o dia de amanhã?".


E assim termina o disco mais romântico da carreira do Lisboa. Engraçado que além desse romantismo todo, existe também um novo tipo de sabedoria na poesia dele, a partir desse disco. Uma sabedoria da vida em si, a valorização do tempo, da idade, dos bons e maus momentos, das pessoas que nos que fazem sorrir e das que nos fazem chorar. Valeu galera, espero que vocês tenham gostado. Só pra te lembrar, cada título de música é também um link pra letra. No próximo post, o nono disco do Lisboa, "Translucidação", de 2006. Aguarde! Até já!

Disco pra ouvir na íntegra:


quarta-feira, 26 de março de 2014

Nei Lisboa 7: "Cena Beatnik", 2001

A virada do século (e do milênio) é um momento de mais uma reviravolta pro Nei Lisboa. Na verdade uma guinada 180°, ele volta pro estúdio, volta pras composições autorais e volta ao espírito critico de "Carecas da Jamaica" e "Hein?!". Lançado em 2001, "Cena Beatnik" é um disco recheado de humor ácido e críticas político/sociais muito bem sacadas sobre a época, comparando em muitos momentos com os princípios do Regime Militar, em 64. É um disco em que a as letras definitivamente predominam, cada vez mais bem escritas, que vão desde o humor metafórico à crítica direta, sanguinolenta, "marginal".



Gravado pela Acit e lançado pelo selo Antídoto, "Cena Beatnik" reúne alguns temas centrais em praticamente todas as suas faixas, como a passagem do tempo, o nostalgia da infância (isso a capa não nega), o cenário política de antes e de agora (2001, lembrem-se), a incerteza do futuro, reflexões sobre o mundo, etc. Começa pela faixa título:

1. Cena Beatnik
Sonzinho tranquilo, bem pop mesmo, suave, com riffs de guitarra bem bacanas. A letra é sensacional, Nei mostra que está de volta "na luta armada, disfarçado de cantor". É o recomeço da crítica política do Lisboa. Tem um refrão bem bacana, e a ponte que o liga com o verso também é ótima, saudando os novos tempos, a "cena beatnik" dos início do novo milênio.

2. Zarpar pro Futuro
Uma reflexão sobre a passagem do tempo. Esse tema se repete muitas vezes no disco, além da boa e velha tendência do Nei de usar termos bem internacionais, neologismos, estrangeirismo, e tudo mais. "Mas veja só, minha vó anda surpresa, que pão-de-queijo agora é copywright e pão-de-ló se compra na internet". O mais interessante é que além da nostalgia, também existe um clima de "a história sempre se repete". Muito genial, bem construída a letra desse som. O som também é bem suave, pop animadinho.

3. Deu na TV
Essa tem um arranjo que me lembra muito o pop new wave dos anos 80, indo pro rockão pesado. com direito a solo de guitarra. Um pouco mais animada que as anteriores (talvez a mais animada do disco todo), e uma das mais críticas também. Uma crítica muito ácida e quase óbvia ao governo Americano e sua política de "paz e liberdade" a qualquer custo. Lembrem-se que é o mesmo ano de 11 de Setembro. Faz todo o sentido. "O presidente dos Estados Unidos, Protege o mundo livre do mundo preso, E prende todo mundo que for preciso, Pra não deixar o presidente indefeso".

4. Produção Urgente
Essa é minha favorita do disco. Pra mim tem a melhor gravação do disco todo, além de o melhor arranjo e quase a melhor letra. A construção da música é muito boa, tem um clima bem característico, a letra encaixa muito bem com o instrumental bucólico, a guitarra slide chorosa, genial. Não fugindo a regra de quase todo o disco, essa também é bem crítica, muito bem sacada. "O mundo dá tratos à bola, À mesma que destrata, Pisando na miséria imediata, Contrata para produção urgente, Um negro bem dotado, E um latino quase inteligente". E melhor que isso: "O mundo é dos vivos, O mundo é dos bancos, E os bancos dos mendigos". Pérolas.

5. Por Aí
Um popinho bem suave, romântico. Tem também a temática do tempo, da nostalgia, do passado perdido e do futuro incerto. Segue a mesma ideia do tempo circular, dos eventos que sempre se repetem. Bem filosófica, essa faixa. O Nei continua reflexivo, e conforme a idade vem vindo, mais sábio.

6. Pronta-Entrega
Outra da lista das melhores gravações do disco. As faixas mais lentas realmente ficaram melhores. Essa tem uma linha melódica muito linda, principalmente no refrão "No ar, bem devagar, No ar, fácil de ver, Noir, prêt-à-porter, No ar, fácil de amar". O baixão fretless também dá um toque muito especial a faixaTenho a leve impressão de a letra que fala sobre Porto Alegre, claro que de forma extremamente poética e sem perder o "quê" político.

7. A Utilidade das Palavras
Com uma levadinha que pende para o reggae, baixão bem marcado, violão tranquilo, Nei faz aqui uma das maiores críticas do disco, criticando de forma extremamente sutil todas as grandes instituições contemporâneas. "Vamos salvar os búfalos, De Bills e Bushes, Gates, Norman Bates, Vamos poupar instante, Da ética protestante, Do sacramento do kitsch". A solução contra essas fontes de poder está na uso das palavras, na voz, no conhecimento.

8. E a Revolução
Uma faixa linda, triste até. Aqui Lisboa é bem biográfico, fala diretamente do irmão Luiz, que militou no Partido Comunista Brasileiro, na VAR-Palmares e na Ação Libertadora Nacional, contra o Regime Militar, e desapareceu na época. É quase uma declaração de apoio ao irmão morto, uma crônica dos tempos terríveis da Ditadura. Um som mais sombrio, com uma guitarra acentuando a dramaticidade da letra, que aliás, é bem crua, visceral. Muito foda essa faixa, ainda mais em tempos de "Marcha da Família"... Um excelente alerta político. O melhor é a conclusão final: "Mais duro é perceber, Se eu fosse te falar, Do Brasil de agora, Que seria tão igual, Miséria, Doença , Polícia brutal, Luxúria, Mentira, Autoridade sem moral, Viu? Hum, hum, 68 foi barra, Como é 2001".

9. Ponto Com
Essa tem uma introdução que me lembra "Schultznietsin is Down", do próprio Nei, gravada no "Carecas da Jamaica". Mais uma lentinha, mais sombria, com uma letra também super crítica à tecnologia. A arranjo de teclados e baixo são geniais e a guitarra lamuriosa encaixa perfeitamente. Essa com certeza é a mais pessimista do disco ("A humanidade onde andará, Em marchas desiguais,, Tomando o mesmo rumo incerto, Desertos da razão, Por quem irão dobrar os sinos, Ao olhar dos pequeninos, Em êxodo, em êxtase, encanto e ossos, Nossos filhos, nosso fim, O exército sem luz, De um século do horror"). Deprê.

10. Máquinas de Fazer Máquinas
Essa faixa retoma temática do tempo, de forma totalmente brilhante. "Com máquinas de fazer máquinas de fazer nada, nada disso, Máquinas de fazer máquinas de máquinas, de fazer nada". É brilhante a analogia entre o tempo que passa e o tempo que é marcado no relógio, a passagem do tempo e a monotonia da contagem do tempo, parece que o tempo está parado, ou sempre voltando ao mesmo lugar. Tudo isso numa levada bem suave, com mais guitarra slide e timbres cristalinos de teclados.

11. Particípio
Essa tem uma letra muito foda, toda trabalhada na aliteração (repetição do "P"), com rimas sensacionais e jogos de palavras muito bem sacados. Outra faixa que lembra bem a vibe do reggae, com um orgãozinho muito bom, bem colocado. O pop suave está também presente aqui, com arranjos bem simples, mas uma construção harmônica bem interessante.

12. De Volta
Bem tranquilo, essa faixa fecha o disco. A letra, pelo que me parece, fala de uma "volta" muito aguardada. De alguém? A mulher amada? O amigo distante? Ou a liberdade, a igualdade, a felicidade? A volta dele mesmo, Nei Lisboa, como compositor? Vai saber. Num clima de nostalgia eterna, a banda manda um som muito tranquilo, de arranjo simples, o mesmo pop do disco todo, basicamente.

Pois bem, "Cena Beatnik" é uma retomada do poder da composição na vida do Nei. Ele mostra que a cabeça ainda está super ativa, que as ideias fervem e que ainda á capaz de trazer novidades com muito brilhantismo, mesmo depois de 9 anos sem lançar material inédito. O que parecia um fim, foi um recomeço. No próximo post, o oitavo disco do Nei, "Relógios de Sol", de 2003. Lembrando que as títulos das músicas também são links pras letras, ok? Você pode ouvir o disco na íntegra no link abaixo. Valeu!

Full album, no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=VLY6gstTRQY

quarta-feira, 12 de março de 2014

Nei Lisboa 6: "Hi-Fi", 1998

Depois do "renascimento" musical do Nei e de todo aquele espírito latino de "Amém", de 1995, o compositor gaúcho retorna, cinco anos depois, com o disco "Hi-Fi", também gravado ao vivo, no mesmo Theatro São Pedro onde gravou o anterior. Apesar dessa semelhança esse novo disco, mais uma vez, é uma quebra de paradigmas na musicalidade do cara. Aqui ele deixa de lado seu lado compositor e ataca de intérprete em 100% do album. Exato, são todas faixas cover, interpretadas pelo próprio Nei no violão junto com o violão e a guitarra de Paulinho Supekovia, parceria que vem desde a fase "Hein?!" e se estende até hoje.


A capa do disco tem tudo a ver com a escolha de Nei pelo repertório. Durante um período de estadia na Califórnia, para estudar, o cara começou a ter contato com um violão de aço, encostado e esquecido num armário. O repertório ali eram de antigos folks e pop/rock americano e britânico (claro). A foto da capa é exatamente dessa época, tirada para o livro anual do colégio. E é exatamente isso que se encontra aqui, versões violão e voz pra clássicos gringos. Tudo com clima bem folkie mesmo, que o Nei demonstrou ser maravilhosamente capaz de reproduzir e reinventar, ao seu modo. Começamos com o faixa:

1. Everybody is Talking
A canção original do cantor e compositor americano Fred Neil, ganha sua versão a la Nei, com sua voz suave cantando para os pampas, sereno, tranquilo. O clima folkie está mantido nessa interpretação belíssima, acompanhado de um riff de guitarra muito delícia. Ouça aqui a original. A letra fala sobre alguém que não tá nem ai pra nada nem ninguém, apenas segue seu caminho, seja pra onde for, ou melhor, "goin' where the sun keeps shining".

2. Bennie & The Jets
Clássico do início da carreira do Elton John, sobre uma banda sensacional que vai agitar a garotada e "acabar com a velharia". No mesmo estilo, violãozinho suave e voz macia. Muito boa essa versão também, sintetizou bem a ideia da original com poucos recursos. Aliás, os Beastie Boys também tem uma versão pra essa música (valeu pela dica, Ludmila).

3. Summer Breeze
O mesmo clima sereno das faixas anteriores se repete aqui, com essa canção que fala basicamente sobre curtir o verão. "Summer breeze makes me feel fine, blowing trhought the Jasmin till my mind". Essa foi hit nos anos 70 e já foi regravada diversas vezes. Adoro essa música, e a versão do Nei está ótima. A original, da dupla Seals & Croft já é genial, mas essa com o violão e a voz do Lisboa tá demais. Por pouco não é minha favorita do disco. Vale conferir também a versão funky do The Isley Brothers e a versão dark do Type O Negative (mais uma dica da Ludmila, rs).

4. Norwegian Wood
Como não adorar essa música? Beatles é Beatles, né? E o Nei não deixa por menos, faz uma versão na mesma pegada que a original, violão bem marcado, uma batida deliciosa, no mesmo clima folkie. Aqui a cítara da original é transportada para o violão de Supekovia, num belo arranjo de violões. Será que Nei encontrou a mesma garota que Lennon e McCartney encontraram naquela casinha de madeira norueguesa?

5. Sometimes it Snows in April
Canção do Prince que estranhamente não encontrei com o próprio interpretando. Estranho. É bem triste, fala de um jovem Tracy que morreu durante uma guerra civil e de alguém que sente muito a sua falta. O Nei consegue passar muito bem essa mensagem na sua interpretação.

6. Fifity Ways to Leave you Lover
Uma música muito linda do Paul Simon (aquele mesmo do Simon & Garfunkel), grande compositor de clássicos do folk/rock. Uma garota dando conselhos de como deixar seu(a) amante, é basicamente isso que Nei canta com total elegância ironia. "Just slip out the back, Jack, Make a new Plan, Stan, You don't need to be coy, Roy". O mais interessante aqui é o arranjo de violões, levemente diferente do original, que me faz lembrar até a Road Trippin' do Red Hot Chilli Peppers.

7. I'm Having a Gay Time
Essa é bem obscura. Antes que você abra um sorriso malicioso, GAY aqui significa "feliz, alegre", mas com o passar do tempo perdeu esse significado. Faz sentido quando sabemos que a compositora, Alberta Hunter, foi sucesso nos anos 20 e 30. O mais curioso é que encontrei a música grafada como "I'm having a good time" (ouça aqui). Vai entender... O arranjo de violões aqui é muito massa, começa aqui uma série blues no disco.

8. That's Why God Made the Movies
Mais uma do Paul Simon. Acredito que seja a história do Menino Lobo, ou alguma referência a isso, talvez algo mais amplo, falando sobre o "fantástico e o trágico" do cinema. Mantém o mesmo clima blues da original, aqui com mais cara de raiz mesmo, mas com o mesma estrutura melódica.

9. Walking Away Blues
Essa faixa é demais. A canção é do Sonny Terry e do Ry Cooder, esse último que gravou toda a linha de violão e guitarra slide do filme Crossroads (1986), onde é dublado pelo ator Ralph Macchio, o mesmo da saga Karatê Kid. A letra é bem positiva, um blusão esperançoso, não importa o que aconteça "the sun will gonna shy on my backdoor someday". O jeitão de cantar do Nei tá demais, e a dobradinha nos vocais com o Paulinho também é genial.

10. Still... You Turn Me On
Um dos melhores arranjos de violão, sem dúvida. Um toque suave, dedilhar tranquilo, que contrasta com um refrão com mais pegada, furioso. A parte mais melódica é muito bonita e por pouco não é minha favorita do disco. Nei fez jus a canção original do Emerson, Lake & Palmer (do clássico disco Brain Salad Surgery), a adaptação pra violão e voz ficou sensacional. Adoro essa.

11. Cool Water
Bem curiosa essa aqui. A original é do cantor e compositor country Bob Nolan, canadense naturalizado americano, uma canção típica do gênero, que Nei (mais uma vez) adaptou muito bem, transformando em algo mais folk, com uma outra intenção poética. A letra é o mais interessante, dois caras perdidos no deserto, sem água, delirando. Até que um diabão aparace oferecendo "cool and clear water". Beber ou não beber?

12. Ventura Highway
Essa sim é minha favorita, simplesmente porque adoro essa música, desde a original do America, até as versões ao vivo, e essa pérola que o Nei Lisboa teve a capacidade de lapidar. O climão folk da original é mantida, numa versão mais simples porém com o vocal do cara né, que fica cada vez melhor. Nem tenho muito que dizer, só ouvindo mesmo. =D

13. I Shot the Sherif
Um reggaezinho maroto entra no fim do disco pra deixar tudo em paz. Aqui o gaúcho homenageia o jamaicano Bob Marley, uma das suas melhores músicas do cara (na minha nem tão humilde opinião). A pegada do violão é boa demais, bem dinâmica. A letra do Bob é genial, simboliza toda uma forma de opressão política e policial sobre o oprimido, o desprovido de defesa, o pobre.

14. Ruby Tuesday
E pra fechar, depois de Elton John, Beatles, Paul Simon, ELP, Bob Marley e tudo mais, nada melhor que acabar com Rolling Stones. Aqui Nei fecha brilhantemente o disco, com um uma canção de amor, suave, chorosa, linda. O arremate tá na guitarra slide do Supekóvia. Genial.

É isso, galera. Dessa vez o Nei atacou de intérprete. Fez isso maravilhosamente, aliás. Apesar de mais simplista, "Hi-Fi" tem um clima muito agradável, mantém uma boa dinâmica entre as faixas, consegue entreter com clássicos e canções menos conhecidas. Um repertório muito bem escolhido. No mais, é isso. O disco você pode ouvir a baixo, via YouTube. Lembrando que os títulos das faixas também são links pras letras. Valeu e até o próximo disco, "Cena Beatnik", de 2001. \o/


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Nei Lisboa 5: "Amém", 1993

Depois de um "jejum" de cinco anos sem lançar disco novo, Nei Lisboa lança em 1993 o disco "Amém". A gravação é toda ao vivo no Theatro São Pedro, famosa sala de espetáculos do centro de Porto Alegre. Antes disso, em 1991 ele lança seu primeiro livro, "Um morto pula a janela". Nessa altura, depois de passar algumas temporadas no Uruguai, Nei parece ter superado os anos difíceis do final dos 80's e recuperado a alegria no seu trabalho. Esse contato com o Uruguai, aliás, está extremamente impresso nesse disco.



Sonoridade muito mais positiva que o "Hein?!", tempero latino em praticamente todas as faixas (ênfase para o candombe uruguaio). É também bem mais diversificado em timbres e elementos harmônicos, como a volta dos teclados, o acréscimo de sopro metálico e belos backing vocals femininos. A roupagem pop ainda existe, assim como as baladas românticas, e a genialidade das letras continua a mesma. Ainda sobra algum espaço para o jazz, pra canções antigas e interpretações de outros artistas. Sem dúvida um disco mais "feliz" e heterogêneo que o anterior.

1. Amarycá
Som bem animado, com um swing bem típico de ritmos caribenhos, começa com um batuque que faz referência ao candombe. Nei conta com as participações de Cintia Rosa e Jaqueline Barreto nos backing vocals, muito bem harmonizados. Conta ainda com o "El Lobo" nas percussões, o violão de Carlos Badia, o baixão estalado de Zé Natálio (do Papas da Língua), Jorginho do Trumpete (advinha o que ele toca...), teclados de Mauricio Trobo e a bateria de Bebeto Mohr, sendo essa a formação base do disco todo. El Lobo e Jorginho são gênios consagrados, diga-se de passagem. A letra é um bem humorado mosaico tropicalista, onde o povo e a cultura latina "dominam e salvam" o mundo, além da sacadinha com o título/refrão da música: "Vai ser assim: a Mary cá, E a gente ali, invadindo o Tennessee, A Mary aqui, a gente lá, Salvando o Canadá". Aqui ele cita também o percussionista afro-uruguaio Rubén Rada, que mistura sonoridades do pop e rock ao candombe (sempre com muito romantismo).

2. Piratas do Capitão
A letra dessa música segue quase a mesma linha que a anterior, diversos referências world-pop, Andy Warhol, Beverlly Hills, São Paulo, Rio, Yellow Submarine,  We are the World, enfim, é a cultura latina invadindo o primeiro mundo e se misturando loucamente com ela. Muito genial. Essa começa partindo do alto, com pegada mais forte no refrão e mais suave nos versos. Apesar do climão mais pop, suave, a batida e as melodias não escondem um tempero de mambo cubano. Os backing vocals aqui também são maravilhosos. O trompete também é vital nessa faixa e o violonista Carlos Badia também canta. Aliás, o solo de trompete encaixa como uma luva.

3. Cha-Cha-Cha Moderno
Essa é uma das melhores faixas do disco, a letra é muito massa, uma óbvia homenagem ao ritmo cubano. "Andava assobiando ao sol, Pros lados de Tacuarembó, Quando esse cha cha cha moderno me volvió". Além do que ele cita o argentino Fito Paez, parceiro musical do Charly Garcia (muito bem discografado aqui no Blog pelo Rodrigo) e também faz uma auto-citação, de "Telhados de Paris", do disco anterior, lembram?, O som é de fato um cha cha cha morderno,  um tanto diferente do "original", com uma estrutura harmônica mais jazzy. O piano é bem dinâmico, claro, e o baixão come solto. O trompete marca mais uma vez presença fortíssima. E o backing vocal da Jaqueline Barreto é maravilhoso.

4. Romance
Nei toca o violão, dedilhados e acordes extremamente harmoniosos. Bela canção de amor, o nome diz tudo. Balada pop romântica com um acompanhamento simplório de teclados. A letra não foge a regra, apesar de sutilmente ser bem humorada e debochada: "Todas as bobagens que eu já disse, Dariam pra encher um caminhão, Mesmo assim encontro no caminho, Milhares mais otários do que eu".

5. Noites como essa
Essa tem uma letra bem luxuriosa, fala sobre sexo, paixão, dinheiro, nudez, noitadas. "Em noites como essa, E essa lua vagabunda e nua, Me chamam pra brigar, Me arrastam pro teu jeito de menina, Molhando lábios no sabor de uma maçã". Mas ao mesmo tempo consegue ser um tanto "romântica" também. Começa com um violão nervoso, tocado pelo próprio Nei, que dita a dinâmica da música toda. Apesar disso sem percussão (o violão já é bem percussivo). O baixão freatless é genial, tocado pelo Nico Bueno e o tecladinho do Mauricio Trobo aqui é maroto. Carlos Badia também canta nessa. Engraçado que o arranjo cria um clima bem "noturno", ao mesmo tempo que soa como algo mais campestre, e me lembra alguma coisa do Milton Nascimento.

6. Amém
Começa novamente numa pegada de violão, bem swingada. Pop com pegada latina,  alguma coisa que me lembra o mambo, com as percussões bem mais marcadas que nas anteriores, bem evidente. O trompete aqui também está maravilhoso, criando as tensões entre verso e refrão, contrapondo os backings, solando, enfim (aliás, nos backing vocals também está a Kity Santos). A faixa título tem a letra bem crítica, mas também de certa forma bem humorada, contra os costumes e dogmas religiosos. Parece que prega uma espécie de "fé livre". "Nossa Senhora é poderosa, Mas nossa raça é manga e rosa, A nossa igreja deita e goza, E onde há fumaça, deixa o pavio queimar, Amém".

7. O futuro do exterminador
Crítica ácida e quase direta aos detentores do poder, aos demagogos, ditadores. Começa com uma "fala" no background, algum discurso político, me parece. "Quê? Não pode ser, Olha aquele cara ali falando na televisão, Quem? Não pode ser, não, Olha esse retrato, é o diabo, Candidato a bom cidadão". Acredito que seja alguma referência ao Collor. O som é bem rock'n'roll, em moldes bem parecidos com "Hein?!", baixão bem marcado, cheio de slaps, guitarra nervosa (do Paulinho Supekóvia) aqui bem mais metal, com distorção e solos virtuosos. Uma boa combinação com a letra, sensacional.


8. Dirá, Dirás
Nei revisita sua própria canção, gravada no "Carecas da Jamaica", lembra? Aqui ela ganha uma roupagem também latina (se bem que a primeira gravação tem um pouco disso também). Essa mostra mais uma vez a habilidade do Nei como intérprete, mesmo que de si mesmo, hahaha. A sonoridade é meio pop meio rumba, principalmente pelas melodias do trombone.

9. Petit subversão
Uma sonoridade muito tranquila, suave, apesar das percussões bem marcadas. O baixão tem uma melodia linda, as notas dançam, e o contraponto do teclado e do trombone (o som mais feroz da faixa) encaixam perfeitamente nesse clima de "calmaria". A guitarra só entra pra completar tudo. A letra, perfeita pra essa sonoridade, é bem contemplativa, basicamente uma descrição poética de Montevidéu (e por quê não, de todas grandes capitais latinas). De quebra, surge no final a faixa incidental "Sei lá mangueira", do Paulinho da Viola e do Hermínio Bello de Carvalho.

10. Dio
A letra mais espiritualizada no disco. O mais interessante é a inversão dos valores de tempo, a velhice se torna o passado, e a juventude o futuro. "E eu só queria ser a humanidade, Alguma idade existe pra nascer, Vistes? Deixaste em mim, Saudades da velhice". Sensacional. Começa com uma melodia bem dedilhada no violão. A voz suave do Nei ganha o contraponto do maravilhoso solo da Jaqueline Barreto. Lindo demais.

11. Society assassinato
Jazz maroto, essa aqui. Nei quebra com toda a estética latina que ele vinha mantendo no show todo, até aqui. Jazz sem tirar nem por, pianinho bem sacado, baixo marcando, bateria muito característica, e aquele trompetinho, só pra selar. Ainda, de bônus, tem o maravilhoso backing da Cintia Rosa, num solo digno das divas do gênero. Tem a letra mais genial do disco, aliás, uma crítica bem humorada (e sarcástica, talvez) a xenofobia e o poder do dinheiro. Um detetive da Scotland Yard investiga um assassinato na alta classe londrina. "Em caso em que o mordomo é um lorde inglês, O jardineiro é um brasileiro, E vai pro xadrez - You're under arrest, Severino".

12. Hein?!
Mais uma vez Nei revisita a si mesmo, dessa vez a faixa título (e a melhor) do seu disco anterior. Novamente o tempero latino toma conta do disco, e o rockão da original se transforma num swingado onde o trompete, por sua vez, toma o lugar da guitarra nos riffs principais e onde as percussões reproduzem a bateria nervosa da primeira versão. O cara é gênio nisso mesmo.

13. Espiritu burlón
Devo confessar que essa é um enigma pra mim. Ele fala de um tal "espírito burlão" (enganador, trapaceiro) que vem, lhe assusta e vai embora. No fim, o espírito deixa "saudades", já que não mais o teme. Doidera. Imagino que seja uma metáfora, mas não sei sobre o quê, rs. Cantada meio em português, pelo Nei, meio em castellano, pelo tecladista Mauricio Trobo. Essa tem uma sonoridade mais "caribenha", lembra até um pouquinho os ritmos nortistas (como o carimbó) e nordestinos (como o baião). Um compasso bem doido, acompanhado pela banda toda, num swing malemolente (hahahaha!).

14. Candombe para Gardel
E Nei termina o show com mais uma interpretação, dessa vez uma canção do Ruben Rada (isso mesmo, aquele citado na primeira faixa), feita em homenagem (óbvio) a Carlos Gardel. Começa com um batuque bacana e o trompete bem animado. Parece até coisa de marchinha de carnaval, ou frevo, que mantém semelhanças com o ritmo uruguaio. Tem um ritmo gostoso, que se quebra na ponte pro refrão e novamente no refrão. O solo do trompete aqui consegue ser melhor que todos os outros. Contagiante. Fecha o disco com o mesmo espírito latino. E ainda rola uma palhinha de "Durazno y Convención", de Jaime Roos.


Bom, é isso, galera. O quinto disco do Nei, o primeiro gravado ao vivo. Incrível como é bem gravado, aliás. Nei quebrou bastante com a estética dos disco anteriores, se "latinizou". O Uruguai mexeu mesmo com ele. Pra mim foi ao mesmo tempo maravilhoso e difícil falar desse disco, porque tenho poucas referências em música latina, tive que pesquisar muito pra entender "um pouco melhor". Mas valeu a pena. Lembrando que os títulos das músicas também são links para os letras (exceto em "Petit Subversão", que não tem link...). No próximo post, vou falar do "Hi-Fi", de 1998, sexto disco do Lisboa. Valeu!

Disco na íntegra via YouTube:



segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Nei Lisboa 4: "Hein?!", 1988

E aeee galera! Belezinha? Bom, sei que to devendo esse post já faz bastante tempo, mas a vida às vezes toma nosso tempo de um jeito imprevisível, difícil de fugir. Mas enfim, vamos falar de Nei Lisboa que é mais interessante. rs

“Hein?!”, de 1988, é o quarto disco do Nei, também gravado pela EMI, logo depois de “Carecas...”. Foi seu segundo e último disco produzido por uma grande gravadora, porque no mesmo ano eles encerram o contrato. Foi um ano difícil pro cara. Sofreu um acidente grave de carro, e apesar de ter sobrevivido, perdeu sua então companheira, a Leila. Essa fase difícil da vida dele está bem retratada no disco, bem mais ‘deprê’ que os anteriores, mas não menos genial. O disco foi produzido por Mayrton Bahia.


É um disco bem mais cru, onde predominam os instrumentos mais típicos do rock. Junto com Nei estavam Renato Mujeiko no baixo, Pedro Tagliani na guitarra e Fernando Paiva na bateria (agradeço ao próprio Renato Mujeiko e ao Ciro Moreau pelas correções). Os teclados e timbres eletrônicos praticamente somem. O som tem mais pegada, claro, e me parece que nesse momento Nei deveria estar compondo mais na guitarra e no violão. As letras já são bem mais viscerais, às vezes usando palavras fortes, sendo sarcástico, crítico, se mostrando solitário, nostálgico, romântico e até, minimamente, bem-humorado. Mas no geral, parecem faces de um mesmo vago sentimento, digamos assim, Punk/Budista, uma melancolia de luta e sonho. Acho que o nome do disco e a capa em P/B traduzem bem essa idéia.

Essa faixa é um mistério pra mim, encontrei uma letra bem maior do que é cantado no disco. Vai saber... Tema introdutório que “surge e some do nada”, em fade, que lembra um pouco o que os Beatles fizeram com algumas faixas de Abbey Road e Lei it Be. Com violão e voz bem suaves, Nei recita sua poesia “transcendental”.
  

A intro lembra alguma coisa pós-punk. O som segue com mais pegada, com um andamento bem mais rock’n’roll. A bateria é bem preenchida, o baixão come solto em riffs cheios de slaps com cara de funk, fusion, sei lá, e aquela guitarrinha com riffs bem peculiares. A dinâmica característica do Nei, cheia de pausas, crescimento e quedas, está presente nessa faixa. A letra? “Nem Deus não entendeu, nem eu”. Nem eu, hahaha! Mas já dá pra perceber um lance mais beatnik na poesia do Nei. “Eu sou alcoólatra, Anarquista, Estuprador, E escrevo poesia”.

A faixa título do disco é a minha preferida. Não só pela letra genial, mas principalmente pelo instrumental. Aquela pegada meio punk-funk da faixa anterior também surge aqui, mas com um tom bem mais rock’n’roll, o baixão continua violento, slap slap slap, sensacional. A banda que acompanha o Nei nesse disco é bem enérgica. Os riffs de guitarra são hipnotizantes. A letra é simplesmente genial. O jeito ágil que ele canta, como vai alternando a métrica. Ele fala de um tal "inimigo", e de como ele o confronta em diversos momentos, que mais parece um confronto consigo mesmo. "Um inimigo invisível que eu tinha,
Cabeça e cauda de dragão, os olhos do Alain Delon, De dia atrás de mim, De noite se escondia no porão"
.


Um tema um pouco mais suave, com o mesmo swing das faixas anteriores, uma coisa meio pop/soul, mas ainda sim cru, guitarra cheia de riffs, baixão “black” e bateria toda cheia de quebradas. O destaque aqui está nos riffs e solos da guitarra. Acho que a letra fala sobre chapar o coco, beber até cair. Talvez algo mais metafórico que isso, sei não. rs

A faixa romântica do disco. Tem uma letra muito interessante, ao mesmo que é sensível e lúdica, tem metáforas geniais sobre amor e sexo. “A vinte léguas da vovó, parei, Pra, descansar, Tirei meu chapeuzinho e tudo o mais, Olhei pra trás, E era um nariz gigante, Oh!, ou ao menos parecera ser”. A sonoridade aqui é bem mais pop. O violão mantém a harmonia principal, baixo e guitarra são bem mais suaves, mais harmônicos, mas não menos geniais e bem trabalhados. Ênfase na mudança de andamento do verso pro refrão.

Blusão sem tirar nem por. Começa com uma gaitinha marota e um violãozinho na base. A progressão é típica do gênero. Um som bem mais alegre e debochado que os anteriores, e talvez, um dos “menos tristes” do disco. A letra é bem divertida (uma das poucas), uma “faxineira fascinante” que só faz cagada. E o tal Mutuca que ele cita é aquele mesmo do “Carecas...”, lembram? Gênio do rock gaúcho. ;-)

Essa é linda, tem uma das letras mais geniais do disco. “Oh, mana, Eu quero é morrer, Bem velhinho, assim, sozinho, Ali, bebendo um vinho, E olhando a bunda de alguém.” Engraçado como ele imprime dramaticidade na música e ainda usa a palavra BUNDA. Gênio. De fato uma balada, extremamente pop, mas muito bonita, sensível. O Nei está extremamente mais visceral nesse disco, canta com verdadeira dor. A guitarra suave e harmoniosa realça esse clima, mais um baixo lacônico, bem marcado. O refrão quebra a tranquilidade, e vira um grito de desespero, mas não menos melancólico. Aqui um órgão bem discreto completa a harmonia.


Começa bem tranquila, violão e voz. Um piano vem pra realçar a harmonia, e então entra a banda toda, num andamento e harmonia que lembram aquelas canções de blues bem melancólicas. O som vai crescendo, junto com o tom dramático da letra, com vocal mais gritado, dolorido. Piano e guitarra se intercalam no solo. Curioso é que termina de forma bem “caótica”, desencontrada. Um verdadeiro grito de desilusão e solidão.

A letra é bem sacada, usa de forma ambígua a idéia de “sonho”, estar dormindo ou estar acordado. “Estamos sós num sonho, É só um sonho, Mas gela minha cara na janela, Vidrando os olhos no vazio”. O violão introduz uma baladinha levemente animada, que lembra um pouco a estrutura melódica e o andamento da country music americana (Nei continua diversificando). O refrão é bem mais animado, com um riff de guitarra brilhante, o andamento muda, fica mais enérgico.

Mais uma baladinha, agora mais simples, só violão e voz. A melodia da voz é linda, o refrão ainda mais maravilhoso. O cara continua sendo mestre em fazer mais com menos. A letra é um tanto acinzentada, uma visão bucólica da vida, fala sobre silêncio, desistência, loucura. É simplesmente linda. O refrão é o mais enigmático: “Eu tenho os olhos doidos, doidos, já vi, Meus olhos doidos, doidos, são doidos por ti”.

A última faixa do disco lembra mais o Nei dos albums anteriores. Piano bem forte, melodia mais rebuscada, mas sem sair da sonoridade pop que lhe é característica. Violão e baixo apenas complementam a harmonia. A sonoridade é bem positiva, o que também lembra seus trabalhos anteriores. Existem implícitas na letra uma espécie de nostalgia e uma estranha metafísica...

E assim termina o disco que foi lançado num ano trágico da vida do Nei. Preciso confessar que de início eu não gostava muito do "Hein?!", mas cada vez que eu ouço acho mais genial. Apesar de "carregado", o disco mantém uma coerência poética dentro da linha de trabalho dele. Depois de 88 ele ficou uns bons anos sem lançar nada, retirou-se. Foi voltar só cinco anos depois, com “Amém” (1993), aliás, outro nome sugestivo. Mas desse falaremos depois. Só pra lembrar que cada título de música é também um link pra letra. Valeu! Comentem aeeeee! \o/

Disco completo no YouTube:


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Nei Lisboa 3: "Carecas da Jamaica", 1987

Enfim o meu disco favorito do Nei, "Carecas da Jamaica", de 1987. Exatamente, ele levou três anos pra lançar material inédito desde "Noves Fora". Porém, esse 'jejum' parece ter sido extremamente significativo no resultado desse disco. Começa pelo fato de que, dessa vez, a gravadora era a gigante EMI (o disco foi gravado no Rio de Janeiro). Vale lembrar que com esse disco o Nei alcançou reconhecimento nacional e ganhou o antigo Prêmiao Sharp (hoje Prêmio TIM) de Revelação Pop/Rock. Difícil vai ser sintetizar tudo que dá pra falar dele. Mas vamos lá.


"Carecas..." é bem mais mais engajado que os dois discos anteriores. Tem uma veia política bem mais saltada, cheio de ironias, metáforas pra situação do país, um retrato crítico/poético da Era Sarney, mas também com um 'quesinho' deprê, a típica desesperança do fim dos anos 80, porém uma novidade no trabalho do dele. É um disco mais pessimista, digamos assim. Mostra o lado cronista político do Nei.

Em termos de som, ele é bem mais rock, com certeza. Não a toa, a galera do Engenheiros do Havaí participa de uma faixa (a faixa título, aliás), os caras tinham acabado de lançar seu segundo disco, "A Revolta dos Dândis" (que a Ju vai comentar aqui em breve), já com Licks nas guitarras, e a parceria entre eles foi ótima pro resultado de "Carecas...". Também passa por temas latinos, blues, jazz, típicos terrenos em que Nei pisa. Além de um novo tipo de experimentalismo harmônico, ele abusa de dissonâncias e harmonias que não se resolvem, estruturas não convencionais, recortes, letra 'declamada', enfim... Piração total. Contrastando com isso, o disco começa bem suave, com pop simples, bem arranjado, melodias lindas, começando por:

1. Rio by Night
Som bem suave, pop bem harmônico. Os arranjos são de Nei e banda. O destaque fica nas belas viradas e nos vocais dobrados. Me lembra bastante o pop bem trabalhado do Men at Work. A letra, em contraste, é bem engajada, toda cheia de referências as situações de desordem e letargia política do país ("E mais dia, menos dia, tudo se cria, tudo se perde, ninguém se espanta"), um tanto irônica, também. Os temas políticos vão sondar praticamente o disco todo.

2. Deixa o Bicho
Mais um pop extremamente melódico, com o refrão mais bonito do disco. A melodia da voz é realmente linda, e muito bem complementada pelos riffs de guitarra. Os teclados e baixão marcado, cheio de slaps, compõe a harmonia simples mas belíssima. Um solo de teclados é a cereja do bolo. Não perde nada pra clássicos do pop como Supertramp ou Tears for Fears. Os arranjos são do baixista Renato Mujeiko e a letra é de Nei e Gessinger, e me faz pensar em algo como o desejo de libertação, a fuga dos padrões comportamentais, a desilusão no mundo globalizado e na mídia, etc ("Minha gata não insista, Disneylândias não vão te levar pro céu").


3. Verão em Calcutá
Essa é mais swingadinha, mais 'veranesca', e os arranjos também são do baixista. Lembra até uma coisa meio country, com riffs de guitarra havaiana (slide). Também tem uma atmosfera mais pop, com apenas uma quebra de célula rítmica, no refrão, que faz toda a diferença. A letra compõe os temas musicais nostálgicos, com um clima mais melancólico, de desilusão mesmo. O refrão "C'mon baby, vamos passar bom verão em Calcutá, ao som do mar", parece um desejo de fuga, de sair daquela situação em que se encontra a política e a cultura brasileira, alienada de si mesma e da sua condição. Agora, não me pergunte por que Calcutá, se nem mar tem lá...

4. Maracujás
Uma verdadeira brisa, a letra dessa música. Na verdade me parece mais uma cena de completa apatia, inação, tédio. As nuvens de maracujá são como um calmante alienador, um sedativo pra "esse tédio moribundo, esse nó no mundo real". A letra é de Nei e Licks com arranjos de Licks. Começa com um sax bem típico do pop oitentista, e se desenvolve num piano a la Elton John, numa melodia suave de teclados e violão, guitarra tímida, sax sempre presente. Quebrando o clima pop, um único acorde dissonante, que se resolve  no verso "Maracujá...".

5. Junky
Ai começa a experimentação mais aguda do disco. A letra reflete bem a desesperança do junky, sua apatia, seus viagens entorpecidas. Mais uma com tema pessimista, e bem mais deprê. Totalmente experimental, uma quebra estética total com as faixas anteriores. Violão martelado, acordes dissonantes, com uma presença muito maior do baixo e suas melodias. Não coincidentemente a letra é de Nei com arranjos também de Mujeiko. A voz tem um reverb que dá à canção um sentimento de solidão imensa.


6. Schultznietsin is Down
A letra tem uma palavra em alemão, o suficiente pra tornar tudo mais dark, além de referências claras à "ameaça atômica", e fecha o ciclo de canções pessimistas, soturnas, down. Com arranjos de Dudu Trentin (teclados), esse som é o mais sombrio do disco. Trentin (que já tocou com Pepeu Gomes, Fagner, Zélia Duncan, entre outros) capricha nos teclados, usa timbres bem melancólicos, etéreos, que lembram bastante as bandas de darkwave da época, do gothic rock e afins. O melhor é o 'mambo' incidental em "Somos cucarachas e baratas sobreviverão".

7. Carecas da Jamaica
A parceria com os Engenheiros do Havaí fica clara na estética da faixa, que é basicamente a fórmula inicial dos próprios Engenheiros e de várias bandas nacionais e internacionais da época, como o The Police e os Paralamas do Sucesso, que se resume em misturar reggae, ska, e ritmos relativos, ao rock cru, 4/4 marcadão, mais pro lado do punk. Fórmula perfeitamente reproduzida nesse som. Os arranjos e o instrumental todo é de Licks e dos Engenheiros. A letra, claro, é a mais engajada, anti-facista, pró-minorias, anti-mídia, pró-revolução, escrita por Licks e Nei. Os caras ate tocaram esse som juntos. Assista aqui. Tá se perguntando por que "Carecas da Jamaica"? Presta atenção nas cores da bandeira gaúcha. ;-)

8. Declaração
Uma espécie de blues bem experimental, bem dissonante, com guitarras sobressaindo (os arranjos são do Licks). O mais interessante é que o vocal aqui começa meio que 'declamando' a letra, muda um pouco na segunda passagem, a terceira faz cantando e termina a quarta cantando e declamando. Simplesmente genial, em termos de experimento. A letra (bem intimista) é na verdade um poema do escritor Nei Duclós (segundo comentário dele mesmo aqui no Blog! Que honra!) e foi musicada pelo Mutuca, a quem Nei se refere diretamente no disco seguinte (ainda falaremos dele).

9. Dirá, Dirás
Mais uma crítica bem construída do momento político do país ("Restos de desejo, dinheiro, jogo de espelhos, Sobras de um almoço de urubu") mas que também cai numa tentativa de fuga ("A alma beat, em bytes, invites me, a revisitar highways"). Levadinha bem reggae, suave, com baixão bem dinâmico. Também tem uma mudança de andamento bem interessante, que transforma esse reggae em algo bem mais pop, mantendo as belas melodias de guitarras e teclados. O bacana é que essa transformação no andamento é toda a magia do som, dá uma dinâmica bem interessante. Um trombone compõe a harmonia.

10. Refrão
Blues meio jazzy, bem característico, bem 'óbvio'. O piano, claro, comanda o som, além dos solinhos de guitarra. É na letra que está o brilhantismo da faixa. Ironiza o próprio ato de compor uma canção, de "escrever refrão". É simplesmente foda. E o refrão então? O melhor de tudo. Metalinguagem pura. Além de ter recortes de conversas da 'galera' da banda e amigos. A faixa mais divertida do disco, e talvez a única.


11. Toda forma de poder
Minha faixa favorita do disco. Tudo bem que não é uma canção do Nei, mas é uma senhora composição do Humberto Gessinger, que o Nei teve a brilhante ideia de interpretar. E o fez de forma ainda mais brilhante. Com apenas o violão e a voz, ele ressignificou letra e melodia, deu ares melancólicos a canção raivosa gravada pelos Engenheiros do Havaí no disco "Longe Demais das Capitais", de 1986. Lindo demais. A faixa que me chamou atenção pro trabalho do Nei e pro "Carecas...". Me fisgou de uma forma inexplicável. Faça o teste você mesmo, ouça a versão original aqui e a interpretação do Nei aqui. É ou não é uma releitura incrível? A letra vou deixar pra Ju comentar. ;-)

12. Berlim - Bom Fim
Um som bem new wave, bem rock, guitarra pesada, agressiva. Tem também um quê de tango pairando ali, um violino bem choradinho, uma piano que bem poderia ter sido tirado de Gardel ou Piazzola. Tudo isso num clima bem urbano, o que casa muito bem com a letra, que relaciona a capital alemã ao bairro do Bom Fim, em Porto Alegre, berço musical de Nei (ele morou ali) e ponto de referência da vida noturna na capital gaúcha. Outro morador ilustre é o psicodélico Flávio Basso, o Júpiter Maçã.

                                                                   (Nei e Gessinger)

Bom, no geral, é isso. Daria pra fazer mais dezenas de comentários, mas ai fica foda né, tanto pra escrever quanto pra ler, (rs). O "Carecas..." é meu disco favorito porque criei uma relação afetiva com ele, foi o primeiro que eu ouvi na íntegra, o primeiro a me despertar pro som do Nei, e o fato mais relevante de todos, eu comprei essa bolacha por 100 pilas na minha primeira visita a Porto Alegre. Foi uma felicidade imensa encontrar essa joia ali na feirinha de discos de vinil do mercado central.

Como sempre, os títulos das músicas são links pras letras. O disco todo você pode ouvir no link abaixo. Espero que estejam gostando dos comentários sobres a discografia do Nei, eu to adorando fazer isso. No próximo post, o quarto e mais sombrio disco da carreira dele, "Hein?!" de 1988. Valeu, e até já!

Disco na íntegra:
http://www.youtube.com/watch?v=4qKw96MjVCM
(não sei por que, mas o Blogger não me permitiu colocar o vídeo direto aqui...)