quinta-feira, 29 de maio de 2014

Raul Seixas 18 - "O Rebu" (1974) + Extras

Oi, eu sou o Salinas! Como vimos, Raul Seixas nos deixou um total de 17 discos de estúdio. Claro que nesses 22 anos (1967-1989) ele fez mais umas coisinhas aqui e ali. No auge da fama, foi chamado pela Globo pra fazer a trilha sonora da novela "O Rebu", que vamos comentar aqui (a trilha, não a novela). Neste post colocarei também os links de cada música no Youtube: é só clicar nas notas musicais.

"Como Vovó Já Dizia" (Raul / Paulo) 

"É tanta coisa no menu, que eu nem sei o que comer", ou no caso, por onde começar! Essa famosa letra foi refeita mais de uma vez, pois tinha tanta mensagem lá no meio que não passava de jeito nenhum pela censura. Raul parte dos antigos "conselhos de vó" pra dar várias cacetadinhas na ditadura, que no começo dos 70's estava no auge. Já de cara "quem não tem colírio usa óculos escuro" parece apologia às drogas, já que o ~olho vermelho~ se resolve com colírio, mas dá pra esconder com óculos escuro. Mas na real, quem não tem o colírio da informação, da educação, da visão politizada, acaba só com os ~óculos escuros~ do consumo conformista. "Quem não tem papel, dá recado pelo muro", que virou "Quem não tem visão bate a cara contra o muro", nem vou comentar, hehe. "A serpente está na terra e o programa está no ar", ou seja, uma situação de merda dessa e geral preocupada com o que passa na TV. Fora o "tanto pé na nossa frente que não sabe como andar", que os milicos deixaram passar, quando Raul dizia que eles não sabiam ~comandar~! O tal "José Newton" não é senão o próprio Isaac, sim, o da Lei da gravidade: ~quem~ você acha que pra ele "tem que descer"? E ainda, anarquista, inverte o ônus da prova na Cigarra e a Formiga pra dar a real sobre o ~valor do trabalho abnegado e altruísta~, tão idolatrado pelo patrão.

"Porque" (Raul / Paulo) 

Levadinha crescendo no baixo e bateria, cantada pela Sonia Santos. As subidas na levada lembram um pouco Dentadura Postiça. Provavelmente Raul reaproveitou a ideia pra novela, mas claro, mudando a letra. As várias perguntas de porquês são exemplo do espírito crítico que todos deveriam ter. Criticar não é ficar botando defeito como alguns pensam, e sim buscar sempre os "porquês" das coisas, não aceitá-las como verdades absolutas. Claro que pra passar na Globo os exemplos tem que ser mais simples, né...

"Planos de Papel" (Raul) 

Esta ficou guardada um bom tempo, pois foi sair apenas no Mata Virgem (já comentado), cinco anos depois. Aqui cantada pela Alcione.

"Catherine" (Paulo) 

Neste instrumental orquestral, melodia de strings numa cama grave no piano. Usada como tema incidental para cenas de romance, etc. O que explica o andamento mais lento e a simplicidade relativa do arranjo, para o som não ficar se degladiando com eventuais diálogos.

"Murungando" (Raul) 

Agora volta a batida bem brasileira, o baixão malandro no fundão, percussão bacanosa, e aquela queixada! Com certeza foi o tema do "núcleo pobre" da novela, pensando no conhecido ~padrão globo de qualidade~, sempre tem o núcleo pobre pra ~gerar identificação na classe C~. "Levanta a cabeça", mamãe, papai, vovô, e acorda pra vida dura de trabalho, todo dia, esperança no futuro etc... mas opa, olha lá no meio um Raulseixístico "Levanta a cabeça povão!" Tá me entendendo né?

"O Rebu" (Raul / Paulo)

Tema instrumental de abertura. Aquela pegada 70's no baixo, clima de suspense e perseguição, aquela cara de novela "séria" das 8. Lá pelo meio cai num 3/4 poético e parisiense, parque de diversões.

"Salve a Mocidade" (Luiz Reis)

Eitcha, que agora vem a bateria da Mocidade, "não existe mais quente"! Sambão da melhor qualidade, com metais, e aquelas viradinhas de bateria com pratinho (aquele pratinho nas viradas de samba é demais....) E nem podia ser diferente, pois o Mestre André citado é "apenas" o inventor da paradinha de bateria.

"Um Som Para Laio" (Raul)

A mesma levadinha no baixo foi reaproveitada na faixa-título de Abre-te Sésamo, seis anos depois. Olha aí o Raul valorizando as boas ideias de sua banda! (ou só jogando no "vai essa mesmo", hehe) Raul freudiano lembra a história do Édipo. (Esse cara nasceu filho do rei de Tebas, Laio. O oráculo disse que ele mataria o pai e desposaria a mãe. O paizão apavorado resolveu abandoná-lo bem longe, ufa, problema resolvido. Anos depois, aparece um estranho em Tebas que tromba com o Laio, briga com ele e o mata. Mais tarde derrota a Esfinge respondendo seu enigma, e ganha como recompensa o trono de Tebas e a viúva Jocasta. Adivinha quem era o estranho... pois é, coisa de novela das 8, mas dois milênios antes) Freud mais tarde usou essa história como metáfora para explicar o conflito entre o ego e o superego. Sim, o superego é a "guitarra que toca sem parar" na cabeça do Raul, e na de todos nós. Falando coisas que "ouvimos a cem anos atrás" mas que não conseguimos ignorar.

"Se O Rádio Não Toca" (Raul / Paulo)

Levada minimalista no 1-4-5 com guitarra e baixo e olhe lá. Dá a solução mais simples para os problemas: "é só mudar de estação". Lendo isso politicamente: se não está contente, é só sair do País. Mas quem disse que não dá pra mudar a  ~música~ que toca na rádio?

"Água Viva" (Raul / Paulo)

Lançada também em Gita (já comentado), foi aproveitada na novela.

"Tema Dançante" (Roberto Menescal)

Instrumental com levada jazz, só no tecladinho, com metais nos solos. Aquela coisa bem sofisticação 50's, aeroporto, modernidade brasil, bossa nova.

"Vida A Prestação" (Raul / Paulo)

Percussão enlouqueceu! O ritmo frenético reproduz o ritmo da própria vida moderna, a loucura de trabalho, horário, trânsito, feriados, consumo, que esconde a vida se esvaindo mês a mês: "Não interessa a linda princesa / Que vem em sonhos lhe perturbar / Os sonhos morrem ao nascer do dia"

"Senha" (Paulo)

Outro instrumental. Na verdade um remake do tema principal, um pouco mais rápida. Corta para uma levadinha eletrônica parecendo videogame antigo, marchinha para crianças. Depois volta o rock, meio clubby, com acordes no hammond.

"Trambique" (Adilson Manhães / João Roberto Kelly)

Pra finalizar, um sambinha do morro. Conta a história de mil Rauls, Pedros, Joões, Antonios, "pretos, pobres, mas gentes", operários, que batalham na fábrica, vivem de salário, e aproveitam qualquer oportunidade pra ganhar algum. Tudo pela "nega que me chama de amor".

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo, desta vez vai ficar chupando o dedo, pois não tem no Youtube o álbum completo. Mas nas músicas tem o link pra cada uma delas.

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(Agora faça de conta que tem uma pausa de uns 3 minutos e meio, e depois continue lendo sobre as ~faixas secretas~. Aproveite pra ir no banheiro, ou tomar um copo de Coca na geladeira, ou fumar um cigarro, ou ir fazer um carinho na sua namorada lá no sofá... ela já tá até com ciúmes do Raul.)

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Por fim, tem algumas músicas do Mestre que não apareceram em nenhum dos 17 discos, apenas em compilações, discos ao vivo, ou mesmo postumamente. Dei uma passada nesses discos e pesquei estes clássicos, que decerto fazem parte também do "cânone original":

"Let Me Sing Let Me Sing"  

Puta som do caralho, rockabilly pra ninguém botar defeito, misturado com o brasileiríssimo baião! Com certeza botou a casa abaixo no Festival de 72. Começa com a deliciosa explicação do próprio Raul sobre os apelidos da família, e conta uns casos dos tempos de Jerry Adriani e Raulzito e os Panteras, o "conjunto mais quente da Bahia". E de certa forma resume toda sua obra: "Não vim aqui falar dos seus problemas / O seu Messias ainda não chegou", com mais "Não vou cantar como a cigarra canta / Mas desse meu canto não lhe abro mão" (no sentido de cantar não só pra fazer festinha, mas para protestar, denunciar, espalhar uma mensagem), e mais "Não vim aqui querendo provar nada / Não tenho nada pra dizer também / Só vim curtir meu rockzinho antigo / Que não tem perigo de assustar ninguém"... enfim, a esta altura não tenho muito que explicar. Isso define o Raul.

"Barefoot Ballad" 

Gaitinha preguiçosa, "todo mundo batendo palma, bem cowboy", é a balada dos pés descalços, homenagem ao clássico do Elvis. Passaria sem problemas em Nashville, countryzão daqueles, com uma pitada de rock.

"Caroço de Manga"

Rockzão do bom, porrada! Começa como uma declaração de amor muito da pauzuda, mas depois aparece conteúdo político. Na real ele fala do sistema que consome a fruta e deixa só o caroço pro povão, que "faz tudo que ele quer". A solução é "pegar essa motocicleta e ir mostrar quem é você", é arregaçar as mangas e ter atitude, não ficar em frente à TV embasbacado consumindo, com os olhos cegos do povo-morcego.

"Eterno Carnaval"

Marchinha de carnaval. Raul quer brincar não por 4 dias, mas o ano todo! Na verdade, será que já não estamos brincando o ano inteiro? Os patrões como arlequins e o povão, os eternos pierrots, sempre chupando o dedo, cada vez mais.

"Love is Magick"

Cançãozinha de amor 80s, total ~música de motel~. Love is isso, Love is aquilo... e no fim Love is Gloria, "the Glory Glow of love". (mas depois foi Tania, depois foi Kika, depois foi Lena... e essas são as ~documentadas~ kkk) É muito amor, Braziw...

"Não Pare na Pista"

Rockzão psicodélico, na pegada total do LSD e sei lá mais o quê. É outra daquela minha velha pasta de mp3, foi uma das primeiras que curti também. "O mundo girando e a gente parado": produção, tem mesmo que explicar o quê que tá rolando? "Meu bem me dê a mão, que eu vou te levar, sem carro e sem medo, pra outro lugar". Só tem um perigo: "se você para o carro pode te pegar", ou no caso a ~bad~ que vem depois, hehe...

"Faça Fuce Force"

Jazz lentão, pesado, sax comendo solto. Raul misturando papo de drogado com filosofia. Aqui só tem do bom! Também tem a leitura "do bem" tipo auto-ajuda, faça qualquer coisa, você consegue, "não fique na fossa". Mas ele tá falando das portas da percepção, dos estados alterados da mente, coisas que só se consegue com certas ~substâncias~. Também de abrir as portas do domínio político, se libertar desses enganadores que falam, prometem, defendem, mas no fim só querem seu dinheiro mesmo. Por fim, cita os céticos em "Que o mel é doce / É coisa que eu me nego afirmar / Mas que parece doce / Isso eu afirmo plenamente". O mel apenas tem certas substâncias que a língua interpreta como sendo doce, mas isso não significa que seja realmente doce. Embora possa significar: o ponto é que não dá pra saber. Será que o doce é uma característica do mel ou só a forma como o sentimos?

"Muita Estrela, Pouca Constelação"

A faixa que abriu a porta do Raul pela última vez. Marcelo Nova gravava seu disco Duplo Sentido com o Camisa de Vênus, e chamou Raul para uma participação. Rockzão com saxofone, Marceleza e Maluco Beleza dando um esculacho geral no showbizz, tirando sarro dessas "novas" ondas e modas que aparecem, sempre querendo beber na fonte do rock: punk, new wave, heavy metal, dark, junkie, nomes e mais nomes em inglês. Também pudera, "afinal lembra o que se faz na Inglaterra?" Isso porque quando Raul morreu ainda tava na lambada... ele não viu o sertanejo, pagode, emos, from uk e tantos outros que vieram depois, "posando de artista" sendo considerados "a verdadeira cultura popular" (se bem que é um grande debate: mais detalhes aqui e aqui). Nova teve (e ainda tem) que amargar esse desgosto sozinho...

"Anarkilópolis"

Claro, deixei pro final a "faixa secreta" do Raul. Ele compôs a letra mas não a gravou. Em vez disso, em 1987 ele alterou a letra e gravou como Cowboy Fora da Lei (já comentada). Mas o original ficou lá guardado, e em 2003 foi finalmente relançada como faixa-título de um disco só com "lados B". Também é conhecida como "Cowboy Fora da Lei número 2". Levada Raulseixística com rabeca na veia, pra dar aquela cara de faroeste mesmo. Solinho de pancadaria e tudo! Raul conta a história de quando recebeu uma carta lá de Anarkilópolis, onde o xerife era seu amigo James Adean (uma homenagem ao ator que tanto lhe inspirou nos tempos de molecagem) e onde todo mundo era livre pra ~fazer o que quisesse~... mas era uma armadilha!

E com isso completamos a discografia do mestre Raul Seixas. Foi muito bacana pra mim passar por todas as faixas, DISCO A DISCO. É a minha primeira discografia completa, e mesmo depois de outras 15, já estarei bem melhor nisso, mas sempre terei muito carinho por esta. Ter que escrever algo sobre cada uma das músicas é um tremendo exercício: buscar o significado, perguntar por aí, "putz só falei da letra, não vou falar desse som?", enfim espremer a cabeça até sair uma gotinha de alguma coisa, e espero que não tenha saído nada muito amargo ou azedo. No próximo post vamos (tentar) fazer um encerramento digno do Raulzito, imaginando como seria se ele ainda fosse vivo. O que teria feito, o que teria cantado, quantas esposas e filhas teria "acumulado" etc.

Até lá!


quinta-feira, 22 de maio de 2014

Raul Seixas 17 - A Panela do Diabo (1989)

Oi, eu sou o Salinas! Chegamos ao último disco do Raul. Doente, mal-e-mal parando em pé, para ele era um esforço cada vez maior compor e gravar. Há anos não subia num palco. Já se dera por satisfeito com seu último álbum, mantendo o tom de despedida que já vinha cada vez mais presente desde Mata Virgem. Mas Marcelo Nova, alguns anos mais novo e que na juventude era seu fã, quis gravar uma faixa com ele com sua banda Camisa de Vênus. Fizeram shows juntos e gravaram este disco, que depois de tantas despedidas, nos deixa um último Raul Seixas tentando sorrir e se alegrar antes do fim. Foi graças a Nova que Raul "morreu em pé", como ele mesmo disse.

A ideia geral do disco tem um jeitão diferente, já uma cara meio de 90's, "prevendo" o que viria nos anos seguintes. Mas a energia de Raul é mínima: apesar do esforço, a doença já apagava seu próprio brilho. Nova dá aquele reforço, e o que vemos é um cara já se preparando pra ir embora, mas vendo fluir a energia da nova geração; vendo que o mundo, afinal, vai continuar a rodar.

"Be-Bop-A-Lula" (Gene Vincent / Bill "Sheriff Tex" Davis)

Nesta curta intro só com voz, Raul e Nova entram cantando juntos este clássico do rock. Só um aperitivo do que viria a seguir: dois roqueiros da pesada mandando ver a melhor cartada, ~como se fosse a última~, no verdadeiro espírito do... "Rock 'n' Roll" (Nova / Raul)

Agora sim entra a banda, naquele estilão inconfundível rock 50's. Raul faz um balanço de sua carreira, desde os tempos em que era ridicularizado por "imitar Little Richard e se contorcer", passando pelo "teatro Vila Velha", de onde aproveita pra mandar uma alfinetada no pessoal da "bosta nova". Nova também aproveita pra dar suas estocadas, como quando a "Camisa de Vênus" foi proibida de aparecer na TV por causa do nome, cospe em cima das críticas aos ~traidores do movimento~ como João Gordo, que já era criticado naquela época, enquanto Dado Dolabella ainda só brincava com carrinhos. Lembram ainda que o "rockão antigo", apesar da super-exposição num mundo em que ~tudo é rock~, ainda tem o seu valor. Na última estrofe, Nova manda um recado que ambiguamente se dirige ao Rock ou ao próprio Raul: sim, sabemos que sua hora está chegando, mas estou aqui com você e vamos "até o fim". Esta música iniciou a longa e já famosa briga entre Caetano Veloso e Lobão, brilhantemente explicada aqui.

"Carpinteiro do Universo" (Raul / Nova)

Um pianinho pra descansar da pauleira. Raul, já resignado e deixando este mundo, se pergunta por que passou por aqui. Ele que só quis ajudar da forma que encontrou, deixando acesa a luz do quarto para ninguém tropeçar ao chegar. Mas lembra que no fundo, a vontade de ajudar não passa de puro egoísmo, como já dizia Nietzsche, pois fazendo o bem para os outros buscamos atingir o nosso próprio conforto emocional/psicológico/espiritual. Quando estendemos a mão ao próximo, nem sempre sabemos o que o outro realmente precisa, mas sim apenas o que achamos que ele precisa, e podem ser coisas bem diferentes. No fim das contas, ele não é o Carpinteiro do Universo, mas sim de si próprio, já que a oportunidade de evoluir está nessa própria conclusão atingida.

"Quando Eu Morri"  (Nova)

Uma basezinha simples de violão, e um descanso pro Raul: agora é só o Nova. Uma primeira análise acha que a letra fala sobre overdose, mas não é nada disso. Nova, aos 38 anos, já não mais uma criança, e vendo seu ídolo moribundo, cruzava a "esquina da vida" que todos nós cruzamos um dia. Nesse momento se faz uma escolha: ou "lamber suas feridas", repassando suas experiências anteriores em busca da evolução enquanto ser humano, ou se "entorpecer com os desejos e esquecer de tudo que ainda não entendeu", deixando os vícios acumulados desde a infância começarem a cobrar seus preços, que começam baixos mas aumentam cada dia um pouquinho, até que "num dia de sol, a cabeça no meio fio".

"Banquete de Lixo" (Nova / Raul)

Raul já descansou e agora volta, numa faixa lenta, trôpega, arrastada como ele próprio. Nova aparece só reforçando no refrão. Ele começa contando o famoso episódio do banquete de lixo que ele presenciou em Nova York, entre outros, que poderiam ter sido com qualquer outro antes dele, ou mesmo depois. Sim, ele sabe que a vida continuará depois dele: "O hoje é apenas um furo no futuro / Por onde o passado começa a jorrar"(Desculpe, eu evito ficar colocando muito destaque nas citações, mas desta vez não teve jeito)

"Pastor João e a Igreja Invisível" (Raul / Nova)

Agora novamente um rock and roll... "Solta a Igreja invisível aí meu filho", e um puta solo de órgão pra quebrar tudo mesmo! Raul Seixas, mesmo doente, testemunha a moçada chegando depois dele com a corda toda: a vida vai continuar! Já na época, e desde bem antes, as igrejas das ~renovações~ do ~carisma~, igrejas ~internacionais~, igrejas dos ~pentecostalismos~, se proliferavam, com seus ~berreiros~, ~tremeliques~, ~depoimentos de sucesso~ e ~propósitos~ discutíveis: "Ahhh, me passa a virgem aí, por favor... hmmm...."

"Século XXI" (Nova / Raul)

Baladinha mais lenta. Depois de tantos sonhos que se foram, tantas alegrias e tristezas, Raul chega à conclusão que no fundo o mundo é isso aí mesmo. Não se deve desanimar por não conseguir realizar aquilo que quer, porque tá todo mundo na mesma, "bem vindo ao século XXI!" O que não pode é esmorecer: não venda jamais "sua alma ao acaso", nunca perca o rumo. Apesar de tudo, sonhe, busque, tente, construa. Não passe anos a fio esperando uma vida melhor. Acerte. Erre. É melhor se arrepender de algo que fez, do que "em troca receber os pedaços, cacos de vida de uma vida inteira".

"Nuit" (Raul / Kika Seixas)

Agora, numa entrada triunfal de rock, quem fala é Nuit, a divinidade feminina da Thelema, relacionada ao todo universal: a pura potencialidade que reside no mundo físico, mas principalmente no mundo exterior, ou no "além". Em outras palavras, trazendo para o conceito ocidental, é a própria Morte, que "ama a guerra e ama o fogo", seus instrumentos de trabalho. "Jamais se revelará", posto que é "elemento natural do jogo" e portanto tem seu lugar garantido na natureza, não importa o que façam os homens para entendê-la e desmascará-la. É também democrática, "acende as luzes da festa" (~festa~ é pra ela, né) para qualquer tipo de pessoa, "seja bom ou o que não presta".

"Best Seller" (Nova / Raul)

Aqui Raul parte da mania dos ~best sellers~ com conteúdo supostamente místico (talvez ele se refira ao "Um", do Richard Bach, que saiu nessa época), pra falar sobre o controle midiático no novo Brasil pós-ditadura. Raul plugado, muito antes da internet, está cético com os fatos importantes da época, como por exemplo a  parceria entre Sting e Raoni pela defesa das terras indígenas, e os "resquícios militares" (seria uma indireta profética para a polícia militar?).

"Você Roubou Meu Videocassete" (Raul / Nova)

Percebe-se claramente alguém com ciúmes. Seria a mulher de Raul dando sumiço no videocassete dele? Mas Raul sempre pareceu um cara mais de livros que de filmes... pode ser também uma crítica à TV, que tomou o lugar do videocassete (na verdade ele é que tentou tomar o lugar da TV, mas não conseguiu - bom, a briga tá aí até hoje, com outros nomes.) Poderia ainda ser uma alegoria, a última, à ditadura já enterrada, que via nele um "controle remoto" da geral, que "quebrou sua guitarra" e "quis que ele comesse calado", mas "hoje na distância foi ela quem sumiu". Se bem que no "é melhor desligar" tem mais cara de briga de casal mesmo. Estaria ele apenas pensando em terminar? Ou já tocava o foda-se, o grande Foda-se dos moribundos? O último mistério do Mestre...

"Cãibra no Pé" (Raul / Nova)

Um hino de desgosto ao Brasil. O mesmo cara que não gosta de Raul "porque é muito metido a hipponga" é o cara que teria orgasmos nesta letra, desejoso de sair deste "país de merda" e ir limpar privadas para gringos. A letra tem mais cara de Nova que de Raul, mais punk que rock, mais protesto que filosofia.
A última música do último disco sempre tem um significado especial pra mim, principalmente quando o artista é falecido. Parece que, no exato momento em que a última nota da última música do último disco (que no caso do Raul, não é nem dele, mas do Nova) termina de soar, é o exato momento da morte. Sinto naquela exata fração de segundo, os olhos perdendo a expressão e ficando vidrados. O médico dizendo que não há mais nada a fazer. O retrato colorido se torna P&B, surge a moldura e a legendinha dourada:

Raul Seixas, 1945-1989. 
"Nós gritamos um pouco, 
quebramos algumas vidraças... 
mas tudo bem."

E fim de papo. XC

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não Youtubar no encontro pode quebrar o galho nas boas casas do ramo:



E é isso!

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Raul Seixas 16 - A Pedra do Gênesis (1988)

Oi, eu sou o Salinas! Este é o último disco solo do Raul. (Sim, ele ainda fará um próximo disco, mas com Marcelo Nova. Do Raul, dele dele mesmo, acabou aqui.) Ou seja, ele teve um último lampejo no fim da vida e conseguiu sair do ostracismo, deixando este mundo pela porta da frente. Seu álbum anterior acabou fazendo certo sucesso e lhe garantiu uma sequência na gravadora Copacabana.

Contudo, a saúde ia de mal a pior. Aqui ele já estava bem debilitado, a coisa já tava ficando difícil. Em Mata Virgem (1980), lá atrás, ficou marcado pelo começo da queda. Década abaixo, ano a ano aumentava a consciência de seus dias contados. E na Pedra do Gênesis ele escreve seu canto do cisne, "usando suas forças em um magnífico trabalho final". (ok, nem tão magnifíco assim... o disco nem fez lá tanto sucesso... mas eu vi isso na wiki sobre o canto do cisne e achei tão lindo q quis compartilhar. Essas coisas de despedida e morte me emocionam :'-) )  

Ele lembra ainda uma vez a Sociedade Alternativa, e traz versões de outros clássicos, um de Rita Lee e um de Ringo Starr. Além disso há parcerias com Lena Coutinho, sua companheira nesses últimos anos cinzentos, Cláudio Roberto, e José Roberto Abrahão.

Uma curiosidade é a famosa levadinha, que eu chamo de "Raulseixística". Aquele rockzinho 2/4, com guitarra slide e cara de country, aparece com mais frequência neste disco, em 4 faixas: "A Pedra do Gênesis", "Check-Up", "Fazendo o Que o Diabo Gosta" e "I Don't Really Need You Anymore". Por outro lado, a fragilidade de Raul é nítida em todo o disco: ele tenta cantar o melhor que pode, mas sua presença é pálida comparada ao Raul vivo de Gita e de Há Dez Mil Anos Atrás.

"A Pedra do Gênesis" (Raul / Lena / Abrahão)

Numa entrada no baixo, Raul narra a história misteriosa da tal ~Pedra do Gênesis~, que no fim das contas, simplesmente não existe. Os religiosos acham que a "pedra" é uma metáfora pra Cristo, já viu né... dá até preguiça. Raul jamais se daria ao trabalho de atacar individualmente a igreja católica, não desse jeito. (Ele até faz isso, mas muito mais sutil, relativista, e interessante) Não existem Pedras, sejam do gênesis ou do apocalipse ou do que for: é você que tem que correr atrás dos seus sonhos. Nada vai cair do céu (ou no caso, surgir do oceano dentro de um baú). Mas no fim das contas, somos todos irrelevantes: o mundo continua girando, não importa se você vence a guerra ou só o jogo da velha.

"A Lei" (Raul)

Raul voltou aos tempos de Sociedade Alternativa, pela qual batalhou, foi torturado, e que no final não virou mais que um refrão repetido por bêbados carregando violões e fumando maconha pelos matagais do Brasil. Explicou no detalhe que "fazer o que quiser" também não é sair por aí enlouquecido sem limites. É a antítese das leis, ~divinas~ ou ~reais~, que determinavam aspectos comezinhos da vida, sobre o vestir, o comer, o trabalhar, o brincar, o amar, etc. É só isso! E no fim das contas, a vida não deveria ser só isso? Pobre Raul, incompreendido na vida e mesmo após a morte.

"Check-up" (Raul)

Mais um depoimento sobre sua situação nada boa. Raul discorre sobre as drogas que consumia, mas desta vez as lícitas: os remédios pra isso e pra aquilo que no fim não resolveram nada (mas claro que ele também não fez a parte dele, né). A indústria não gostou muito das citações ao Dienpax (tranquilizante), Valium (sonífero) e Tryptanol (antidepressivo), e a música foi censurada, então Raul trocou pelos fictícios Kirindrox, Discomel e Ploct-plux 25mg, "indo dormir quase em paz", ou seja, dormindo um sono artificial. Sobre os livros, com "Alice no País das Maravilhas" (com todo aquele surrealismo e maluquices) ele faz um paralelo aos ~estados alterados de consciência~ que experimentava com essas porcarias: haja bad trip, misturando pílula e injeção com "carreirinha", mais uma garrafa de pinga como ~café da manhã~, vish só merda. E com "Laranja Mecânica" (cuja moral é que a violência só gera violência, e tudo que você faz retorna pra você) ele acusa o maior culpado da situação em que se encontra: ele mesmo.

"Fazendo o Que o Diabo Gosta" (Raul / Lena)

Mas, mesmo nessa situação cachorral do coitado do Raul, tinha pelo menos a Lena pra aliviar a situação né... a namoradinha pô! Essa foi a última declaraçãozinha marota de amor dele... um "casamento de motel", sujo, rápido, desesperado, tentando aproveitar ~até a última gota~ do homem Raul. Destaque para a repetição da palavra "tesão"... eu acho que foi de pirraça, já que o tal "dicionário da censura", se é que existia, não valia mais.

"Cavalos Calados" (Raul)

Com uma pegada parecida com a "Todo Mundo Explica", mas mais lenta e grave, de novo Raul pensa na morte. Aqui ele descreve o exato momento, aquela tensão, os médicos, o pi-pi-piiiii da máquina... o "óleo diesel escorrendo" é um eufemismo para o ~álcool~ circulando lá dentro dele. "A minha morte é a sua sorte", seus milicos, porque o "seu durex já não cola". Agora estão felizes, comigo a menos enchendo o saco. Reza a lenda que o cavalo velho, quando percebe que vai morrer, procura um cantinho a salvo de predadores e fica lá quietinho... calado.

"Não Quero mais Andar na Contramão (No No Song)" (David P. Jackson / Hoyt Axton - Versão: Raul / Lena)

A minha favorita do disco! (a canção-título fica em segundo por um nariz de diferença) Num lampejo de bom humor, Raul faz mais uma "versão brasileira", desta vez do Ringo Starr. Sim, o baterista dos Beatles, que é multi-instrumentista, também deu suas tacadas como cantor. Os caras ficam trazendo coisas ~bacanas~ pro Ringo/Raul experimentar, mas ele não tá mais a fim. Não sei do Ringo, mas o Raul, coitado, já tá com o pé na cova, nêgo ainda vem querendo detonar... Raul traduziu tudo na letra, mudando apenas poucas palavras pra manter a métrica e rimas. Até a ~cafungada~ de cocaína ficou igualzinha.

"I Don't Really Need You Anymore" (Raul / Cláudio)

Uma declaraçãozinha de amor marota, só que ao contrário (por isso eu disse que a "Fazendo o que o Diabo Gosta" era a última). Provavelmente endereçada à Kika, Raul deixa claro que ela pode ir quando quiser. Claro que era blefe... ele não aguenta ficar sozinho, mas como agora tinha a Lena, tava tudo certo né.

"Lua Bonita" (Zé do Norte / Zé Martins)

Procurei sobre a Lena Coutinho mas não consegui muita coisa. Me parece que ela já era casada e com 2 filhos quando conheceu Raul. E ele se apaixonou, a ponto de compará-la com a Lua, lá em cima, pisoteada por São Jorge. Se bem que "lá em cima" também pode ser os Estados Unidos, e nesse caso a "Lua" seria Edith Wisner, a primeira esposa de Raul, que o largou durante o exílio levando a filha Simone embora, e que segundo relatos foi seu grande amor. Lá, ela se casou com outro homem, que Raul compara a São Jorge. Agora, pra ele fazer isso quer dizer que por algum motivo tinha admiração por esse cara. Mas como, se nem a própria Edith ele nunca mais viu? Mistérios indecifrados, mais ocultos que a Pedra do Gênesis no fundo do oceano...

"Senhora Dona Persona (Pesadelo Mitológico nº 3)" (Raul / Lena)

Raul, em seu último casamento, consciente de que seu tempo é curto, quer ter um último filho, pelo menos um pra valer como descendência, do único relacionamento que lhe restou. Já que as outras três filhas (Simone, Scarlet e Vivian), ficaram-lhe contrárias após as brigas com suas respectivas mães (Edith, Glória e Kika). Mas será que sua saúde ia tão mal que não já conseguia engravidar Lena?

"Areia da Ampulheta" (Raul)

Por fim, mais uma vez Raul tenta fechar um disco "sabendo" que será o último. Seu tempo escorre lenta mas rapidamente, a "areia da ampulheta" dele é pouquinha... a "balança" do mundo já "não o aguenta", ele sabe. "O vagabundo conformado" se vê como igual entre tantas pessoas e personagens do Brasil, desde o "Cachaceiro mal amado" (o que achava ter se tornado no fim da vida) até o "pivete encurralado" (quando perseguido pelos militares) ou o "boi diário servido em pratos" (depois de transformado em produto vendedor de ~discos de ouro~). E no fim, busca a cumplicidade do ouvinte, ao sair do foco de luz, presumia ele, pela última vez: "Mas o que carrega a sua bandeira / De todo o lugar o mais desonrado / Nascido no lugar errado / Eu sou, eu sou você".

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode galhar o quebro no Youtube:



E é isso!


terça-feira, 13 de maio de 2014

Pitty - {Des}Concerto

Olá, pessoas! (:


Com apenas dois álbuns de estúdio, a banda da bahiana Pitty, já com sucesso consolidado e absoluto, lança em 2007 o {Des}Concerto Ao Vivo, com o vídeo do show e o Making Of – {Des}Concert Ao Vivo – Exposé, detalhando o controle e preparativos dos integrantes da banda quanto aos detalhes, principalmente da vocal (como é sagazmente sugerido na primeira cena do vídeo, quando os integrantes estão entrando no palco e a Pitty passa pela câmera do backstage e dá uma ajustada no quadro), um verdadeiro “behind the scene”.

 Gravado no Citibank Hall em São Paulo, eles vem pra mostrar (nada sutilmente) a sua trajetória vitoriosa e ascendência promissora, num show pesado, todo dark, ofegante e intenso! A despeito do “pouco” tempo de estrada, distribui sucessos e ostenta o coro apaixonado da plateia em cada música, que mesmo complexas, são inteiramente decoradas e acompanhadas, vírgula por vírgula.
É o rock brasuca mostrando a quê veio... Porrada com vocal feminino!

  

O pontapé inicial do show é com “Anacrônico, a música que dá nome ao segundo álbum, com as ilustrações do mesmo aparecendo ao fundo e câmeras em vários ângulos e efeitos de foco, mudando com a velocidade que a música dita pra deixar a cena tão agitada quanto a abertura merece.

Ainda em ritmo de porrada, a banda resgata do primeiro álbum a “Admirável Chip Novoe seu clima revolucionário, com a mesma dinâmica de troca rápida de câmeras, mas agora sem iluminação no fundo (que estampa a cara do segundo CD).

Pra tomar fôlego, o ritmo diminui de leve e entra a apocalíptica “Semana que Vem, e ao fim se ouve o clamor apaixonado da multidão, que acompanha impecável cada música, e num primeiro contato de saudação da cantora, ela já veste a camisa da filosofia que acabara de cantar, dizendo que esta cantando cada música como se o mundo fosse acabar depois da próxima...


Novamente com cara de “Anacrônico”, entra em campo Déjà Vu, mantendo o clima de “amando a Pitty como se não houvesse amanhã” vivido na pista lotada e de braços inquietos.

No finalzinho da música, os músicos já tomam os trejeitos de Brinquedo Torto, anunciando nas entrelinhas a  canção que segue, o hino dos “desencaminhados”, que chega regada a distorções da guitarra do Martin, quando entra a Pitty tocando os riffs da introdução...

Em seguida, a poderosa Memóriase sua bagagem de crise existencial, que ganha um medley com Leaving Babylon(Sublime), e volta a crescer nos riffs da introdução e explode novamente.

Com um jogo especial de luz nos bumbos da música, Na Sua Estanteentra e Pitty canta com a voz rasgada, acompanhando com uma pandeirola vermelha e instaura magicamente esse clima poderoso da canção, de uma despedida tão dolorosa quanto necessária.

Finalmente, a primeira inédita do show: Malditos Cromossomos, rápida, agressiva e nerd, que pega um apanhado de características, os traços do que somos, genética ou “adestradamente”, e nos maldiz assim, portanto, num jogo de palavras, confundindo os ouvidos e sentencia: “malditos como somos!”

Novamente com a Pitty tocando guitarra, é a vez da esquizofrênica De Você, com tanta íra que a corda da guitarra estoura... Ao final ela precisa pedir que lhe devolvam ao menos uma de suas palhetas, levadas do pedestal do microfone, tinha que ser em SP, hein... rs.

Com a iluminação mínima em pontos isolados, começa o solo com os power chords grungeanos de No Escuroe do meio pra frente, já sem a guitarra, a cantora incendeia a música, some da vista, deitada no chão do palco, grita, levanta a galera.

E então o clima suaviza com a doce Equalize, apaixonada e irresistível, um dos maiores sucessos da banda, e aquele momento do show quando a vocalista tem vontade de cantar com um saco de papel na cabeça, e você canta como se “love were such an easy game to play”. O momento “Own <3”.


Eis a segunda e última música inédita do show, Pulsos. Forte, com misto de frieza e desespero, anseio suicida... O frio na espinha, tanto para o tentado, quanto ao receoso pelo próximo. A cara dos lendários rockeiros que terão 27 eternamente...

É a vez da ~gringa~ Ignorin’Ucom a Pitty de guitarra na mão o tempo todo, compenetrada, envolvida... Como quem se volta a si mesmo pra se acertar consigo e “to ignore u”.

A quase Saideiravem levantar o quase final, “mais um copo quente pra pessoas um tanto frias” e uma plateia tão envolvida quanto se pode estar!

Puxando um coro “A lá Ramones” de “Hey Ho, Let’s Go!”, junto com I Wanna Be” começam os mosh’s e ouve-se a plateia responder o refrão como se estivessem no pique das primeiras músicas... A bomba é de adrenalina, e explode com mais de 1h de show rolando!

Num clima super punk instaurado, a rápida Seu Mestre Mandoutermina de incendiar a galera e a Pitty também se joga num tímido e rápido mosh, mas que quase lhe custa a blusa...


Pra fechar, a auto-afirmativa e poderosa Máscara, com direito a fã no palco cantando trecho errado e dominando microfone por 5 segundos de fama #fail, e um final com solo vocal exausto e apaixonado, uma plateia eufórica, com cara de “quero mais!”.

Segue link do show na íntegra, enjoy! (:


Até o "Chiaroscuro"
Tchau!

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Raul Seixas 15 - Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum! (1987)

Oi, eu sou o Salinas! Em 1987 Raul já não andava bem, e não aparecia ao vivo há dois anos. Afundado na bebida e agora também nas drogas. Kika tinha caído fora, não queria mais saber dele. As gravadoras também não lhe davam mais crédito, já que seu último disco fez pouco sucesso. Até que a Copacabana resolveu lhe dar mais uma chance.

Parece que com este disco a sorte sorri ainda uma vez mais para Raul. (Nessa mesma época ele conhece Lena Coutinho, que será sua última companheira.) É o primeiro disco de Raul feito depois da ditadura finalmente acabar. O que não significa que as críticas tenham acabado. Ele continua pensando na situação do país e em seus questionamentos filosóficos. Mas não tem como não perceber um cheiro de "vai essa mesmo", tipo colcha de retalhos: pegou o que andava fazendo, juntou com mais uma ou outra guardada na gaveta, e pronto, "Larga Ricky!" (Ricky Ferreira tocou praticamente tudo neste disco -- com exceção do baixo e bateria, e em algumas faixas guitarra -- e também criou os arranjos, mixou e ajudou Raul na produção)



"Abertura / Quando Acabar o Maluco Sou Eu" (Raul / Lena / Cláudio)

O disco começa com uma batida de batera, meio grave e séria, interrompida subitamente pelo Raulzão mandando o título, no melhor estilo Elvis! É pra quem leu a capa do disco e não entendeu nada. Raul deve ter ouvido poucas e boas nos últimos anos, ainda mais por causa da bebedeira. Fala sobre viver sem questionar o que vive, aceitando só a versão dos jornais, citando de passagem a Guerra Fria com suas bombas, que pouco afetam o "seu Zé preocupado" com coisas prosaicas, diferente dele que era sempre quem levava a "culpa" por dizer o que pensava em suas letras. Lembra ainda a Balada do Louco, e pede ~desculpas~ irônicas pelo que fez no passado com os milicos, afinal "é tudo gente fina, meu advogado jura" (sei...)  E no final, "é... a coisa tá assim...", não sei por que, eu sempre tenho a impressão que ele vai falar mais alguma coisa.

"Cowboy Fora da Lei" (Raul / Cláudio)

O outro hit do disco, teve até clip na Grobo. Apesar da temática de faroeste, Raul fala sobre pacifismo e guerras. Não há necessidade de morrer numa guerra, ou "dependurado numa cruz" ou do jeito que for, só pra "servir à pátria amada" ou "entrar pra história". E nas entrelinhas ele conta o caso de J. F. Kennedy, que foi assassinado em 1963. Uma das teses é que Kennedy foi assassinado a mando dos republicanos, pois viu que a coisa estava feia e tentou retirar as tropas americanas do Vietnã. (retirar as tropas, em vez de vencer fodonamente, seria uma vergonha sem precedentes para a terra da liberdade, mas no fim os americanos apanharam até não poder mais, e a retirada foi feita do mesmo jeito, por Nixon -- um republicano). O mesmo aconteceu com Tancredo Neves, o primeiro presidente eleito após da ditadura, mas que morreu antes de assumir (porém por doença, não assassinato). E Raul não queria esse mesmo fim pra ele, fugindo do poder e de grandes posições. Talvez com isso ele esteja fugindo também do status de ~mestre, guru, profeta~ que vinham dando a ele há vários anos.

"Paranóia II (Baby Baby Baby)" (Raul / Lena / Cláudio)

A princípio um remake da "Paranóia" que ele gravou lá atrás, mas na verdade ele aproveita apenas a levada repetitiva, referindo-se aos momentos de abstinência de cocaína. Em biografias, Kika Seixas afirma que, não sabendo mais como esconder a droga de seu marido, resolve colocá-la num saquinho e engoli-la, portanto "escondendo-a na barriga". Mas essa busca incessante pode ter uma leitura mais fatalista, ele pode estar procurando desesperadamente um sentido para a vida que ele vê se esgotando depressa, e esse sentido pode estar em sua descendência. Mas é estranho ele pensar nisso já com três filhas (Simone, com Edith; Scarlet, com Glória Vaquer; e Vivian, com Kika). Eu fico com a leitura drogada...

"I Am (Gita)" (Raul)

Versão em inglês da clássica Gita, mudando um pouco os versos para rimar mas mantendo a ideia geral, e citando também a Lei de Thelema, juntando em uma só letra o Bhagavad-Gita com o Livro da Lei, que para ele foram duas importante influências desde os tempos da Sociedade Alternativa.

"Cambalache" (Enrique Discépolo / Versão: Raul Seixas)

Este é um famoso tango argentino (pleonasmo?), escrito por Enrique Discépolo mas regravado por Carlos Gardel, Julio Sosa y otros también. Raul traduz a letra para o português, apenas alterando aqui e ali para manter as rimas, e trocando alguns dos nomes citados. Mas mantendo a ideia geral: o desgosto com a situação geral do mundo, e da falta de confiança, escrúpulos e altruísmo entre as pessoas.

"Loba" (Raul / Lena / Cláudio)

Raul compõe aqui sua versão de Lolita. Usa desde timbres de teclado até recursos de linguagem, como repetição de sílabas e um trava-língua com cara de tatibitate em "índole de loba libidinosa" para criar a atmosfera infantil. Raul fala sobre os encantos escondidos dessa que devia ser apenas uma menininha, mas já sabe muito mais do que aparenta. E pelo jeito Raul cai nessa armadilha. Terá ele se envolvido com as novinhas nessa fase junkie?

"Canceriano sem Lar (Clínica Tobias Blues)" (Raul)

O bom e velho rockabilly, lentão com aquele cheiro do jazz que o originou. Sim, Raul fala de si mesmo, canceriano (21'jun a 20'jul - ele é de 28'jun), doente, agora separado, sozinho, "sentado em minha cama / tomando meu café pra fumar". Uma tal Clinica Tobias existe mesmo, só não se sabe se é a mesma que ele teria frequentado, provavelmente para tentar se livrar das drogas. Afinal, onde mais Raul tomaria um simples e inocente café antes de um mais simples e inocente ainda cigarrinho? (na época né) Mas, mais que tudo, ele expressa a tristeza, solidão e monotonia de seus últimos anos: "Pergunto à nuvem preta / quando o sol vai brilhar".

"Gente" (Raul / Cláudio)

A minha faixa favorita do disco! No meio de sua solidão, ele pensa em sua condição humana e por que chegou a este ponto. Por que nunca estamos satisfeitos, mesmo com conforto material? Claro, no caso dele as coisas de fato iam mal, mas mesmo se estivessem bem, se ele estivesse saudável e com uma família e amigos reais, ainda assim alguma coisa estaria faltando. Nunca vai estar perfeito, nunca vai estar bom. Claro, pois gente (como ele, eu e você) não foi feito pra trabalhar, pra ficar deitado olhando pro teto ou pra se conformar. Não, "gente nasceu pra querer"!

"Cantar" (Raul / Cláudio)

Raul cita algumas de suas letras anteriores, como Ouro de Tolo, Mosca na Sopa, Maluco Beleza e Eu Também Vou Reclamar. Estará ele passando o bastão? Agora que viu seu grande inimigo caindo, os militares, e já no fim da vida, está cansado de joguinhos e significados ocultos, e agora vai "cantar por cantar", o que der na telha. Ou estará ele se referindo à censura que não existe mais?


Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nos bons ramos da casa pode quebrar o Youtube no galho:



E é isso!


quinta-feira, 1 de maio de 2014

Raul Seixas 14 - Metrô Linha 743 (1984)

Oi, eu sou o Salinas! Depois do sucesso do seu personagem Carimbador Maluco, no ano seguinte Raul conseguiu contrato com a Som Livre.

Mesmo com a ditadura finalmente acabada (ou não, mas isso é outro debate. Oficialmente ela acabou sim), Raul continua seus questionamentos e críticas sociais, inclusive aos próprios militares. Por outro lado, em plena explosão do B-Rock dos anos 80, ele chega a flertar com o teclado e usa bem menos guitarras. No entanto o disco faz pouco sucesso. Tá feia a coisa...

"Metrô Linha 743" (Raul)

Raul começa com uma levada no violão, contando a história típica dos anos da ditadura recém-encerrada (enterrada?). Encontra na rua um escritor que trabalha no cartório, lhe pede um cigarro, e é pego pela "polícia do pensamento", no melhor estilo Orwelliano. Em seguida, é decapitado e seu cérebro serve de refeição a um "senhor alinhado" que pôde pagar por essa finíssima iguaria (momento arrogância do Raul, hehehe), no melhor estilo surreal-antropofágico. É uma alegoria ao modus operandi da ditadura, que precifica as cabeças "avaliando seu nível mental", e pega apenas as cabeças que pensam, que ficam em desvantagem porque têm que parar para poder pensar. O escritor, sendo também trabalhador, não consegue parar pra pensar e assim consegue fugir. Mas Raul não escapou, mesmo com documentos e tudo em ordem, pois sua arma é seu cérebro pensante! "Mas o negócio aqui tá muito bandeira / Dá bandeira demais meu Deus / Cuidado brother, cuidado sábio senhor / É um conselho sério pra vocês"... claro que essa faixa estava escrita muito antes de ter sido gravada. Mas o foda de tudo, que faz Raul se revirar na cova, é que continua tudo igualzinho, apenas mais disfarçado. Que o digam os Amarildos, Cláudias, Adelires, DGs, e tantos outros presos, violados e assassinados, em protestos ou não, pelo Brasil afora/agora.

"Um Messias Indeciso" (Raul / Kika)

Durante a longa letra, um desavisado pensa estar ouvindo a história de Jesus Cristo. Raul pensando friamente e desvinculado de religiões, e vê em J.C. só um cara que tinha uma visão de mundo muito evoluída e tinha carisma pra chamar a atenção da galere. O pessoal começou a gostar das ideias dele e foi atrás, mas isso era justamente o que ele não queria. Ele só queria que cada um fosse capaz de andar com as próprias pernas, sem adorar a ninguém: "Mas foi sua própria voz que falou / Seja feita a sua vontade / Siga o seu próprio caminho / Pra ser feliz de verdade." Mas quanto mais ele falava isso, mais gente vinha atrás dele. Só depois você percebe que Raul está falando de si mesmo: ele jamais se viu como um profeta, mas seus fãs o viam dessa forma, pra desgosto do Maluco Beleza: "Aaaahhhhh, quantas ilusões!..."

"Meu Piano" (Raul / Claudio / Kika)

Solinho de sax sensacional! Já que agora é moda fazer pergunta de prova com música, hoje sou eu que vou perguntar: Do quê que o Raul está falando?
(  ) ele mudou os móveis de lugar e não sabe onde vai ficar o piano: "Já experimentei a casa inteira / E não achei um lugar pro meu piano"
(  ) ele tá compondo e não consegue acertar os acordes: "Num acorde sustenido / E o meu piano fora do lugar / Haja santo e haja vela / Mesmo assim a cinderela / Meia-noite vai desencantar"
(  ) na verdade esse ~piano~ é um baseado que ele escondeu e não tá achando
(  ) ele fala da época que não conseguia gravadora: "Entra ano e sai ano / Não cogito em fazer planos / E eu só gostei do quadro que não pintei!"
(  ) tem que ler a letra ao contrário, pois "Se virar de trás pra frente / Tanto fez como tanto faz" (é sério, fica mó loucura)


"Quero Ser o Homem Que Sou (Dizendo a Verdade)" (Raul / Kika / Adilson Simeoni)

De novo está falando de si mesmo. Alguém que se contradiz (e como!), ama e odeia, canta e ri, geme e chora, mas nunca usou máscaras, sempre falou o que pensou, e está tranquilo quanto à sua honestidade artística. Seria uma farpa para algum desafeto na música?

"Canção do Vento" (Raul / Kika)

Levada bem Brasil 80's com o tecladinho. Raul se refere aos "ventos" do futuro que vem chegando. Ele renova o desejo que fez lá atrás, na Dentadura Postiça. Quer que os ventos levem embora tudo de ruim que passou: "Vai, arrasta a chuva / Assanha estas nuvens de tempestade." E ao mesmo tempo melhore as coisas pra ele (aquele que "diz a verdade", da faixa anterior, lembra?): "Mas sopra doce o teu sopro / No rosto do moço que fala a verdade."

"Mamãe Eu Não Queria" (Raul)

A faixa que foi censurada pelos milicos. Agora já pode colocar no disco de boas, né? Raul desce o cacete no serviço militar obrigatório: "Se fosse tão bom assim, mainha / Não seria imposição, não (...) O exército é o único emprego pra quem não tem nenhuma vocação!!!" A letra é entremeada com sons, a princípio de tiros, mas que na real parecem chibatas. E termina com uma última chibatada ecoando.


"Mas I Love You (Pra Ser Feliz)" (Raul / Rick Ferreira)

Outra declaração de amor. Raul, que não queria ir pro quartel, pelo amor é capaz de trocar a música por um emprego subalterno. Estaria Kika aporrinhando Raul pelos problemas domésticos? Mas Raul trucou: ela é mulher do *R*a*u*l*S*e*i*x*a*s* e tá de mimimi por quê? Tome tento, mulé, quá, quá, quá... (só que no ano seguinte ela pediu seis, e aí Raul cedeu: ela pulou fora.)

"Eu Sou Egoísta" (Raul / Marcelo Motta)

Regravação sem-vergonha de um clássico. Sem-vergonha porque evidentemente é só pra completar disco... mas tá vai, ficou boa! Baixo nervoso carregando, violão e batera, mas sem os metais. E no final Raul tira onda com uns amigos lá dele: Caê, Caê de novo, Lennon, Dylan, e até um tal de Raul Seixas.

"O Trem das Sete" (Raul)

Outra regravação sem-vergonha. Também ficou boa, só no uníssono de vozes com violão, com um cheiro de 14 bis (ou será o próprio?), e depois a famosa levada meio country. Mas numa música de mais de 3 minutos, Raul canta apenas uma estrofe, depois fica só no "vocês" com o coro segurando o refrão. Pô, Raul, comida requentada, tá de brincadeira né...

"A Geração da Luz" (Raul / Kika)

E pra fechar o disco, Raul aposta todas as fichas na nova geração que vem chegando! Enquanto ele "ultrapassou a barreira do som", a próxima geração irá além: "tem a velocidade da luz pra alcançar"! Solinho daora de metais e tecladaiada... só chama atenção que "Eu vou, eu vou m'embora apostando em vocês / Meu testamento deixou minha lucidez." Esse tom de despedida deixa claro: ele sabia que a hora dele era próxima...

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube:



E é isso!