quarta-feira, 26 de março de 2014

Nei Lisboa 7: "Cena Beatnik", 2001

A virada do século (e do milênio) é um momento de mais uma reviravolta pro Nei Lisboa. Na verdade uma guinada 180°, ele volta pro estúdio, volta pras composições autorais e volta ao espírito critico de "Carecas da Jamaica" e "Hein?!". Lançado em 2001, "Cena Beatnik" é um disco recheado de humor ácido e críticas político/sociais muito bem sacadas sobre a época, comparando em muitos momentos com os princípios do Regime Militar, em 64. É um disco em que a as letras definitivamente predominam, cada vez mais bem escritas, que vão desde o humor metafórico à crítica direta, sanguinolenta, "marginal".



Gravado pela Acit e lançado pelo selo Antídoto, "Cena Beatnik" reúne alguns temas centrais em praticamente todas as suas faixas, como a passagem do tempo, o nostalgia da infância (isso a capa não nega), o cenário política de antes e de agora (2001, lembrem-se), a incerteza do futuro, reflexões sobre o mundo, etc. Começa pela faixa título:

1. Cena Beatnik
Sonzinho tranquilo, bem pop mesmo, suave, com riffs de guitarra bem bacanas. A letra é sensacional, Nei mostra que está de volta "na luta armada, disfarçado de cantor". É o recomeço da crítica política do Lisboa. Tem um refrão bem bacana, e a ponte que o liga com o verso também é ótima, saudando os novos tempos, a "cena beatnik" dos início do novo milênio.

2. Zarpar pro Futuro
Uma reflexão sobre a passagem do tempo. Esse tema se repete muitas vezes no disco, além da boa e velha tendência do Nei de usar termos bem internacionais, neologismos, estrangeirismo, e tudo mais. "Mas veja só, minha vó anda surpresa, que pão-de-queijo agora é copywright e pão-de-ló se compra na internet". O mais interessante é que além da nostalgia, também existe um clima de "a história sempre se repete". Muito genial, bem construída a letra desse som. O som também é bem suave, pop animadinho.

3. Deu na TV
Essa tem um arranjo que me lembra muito o pop new wave dos anos 80, indo pro rockão pesado. com direito a solo de guitarra. Um pouco mais animada que as anteriores (talvez a mais animada do disco todo), e uma das mais críticas também. Uma crítica muito ácida e quase óbvia ao governo Americano e sua política de "paz e liberdade" a qualquer custo. Lembrem-se que é o mesmo ano de 11 de Setembro. Faz todo o sentido. "O presidente dos Estados Unidos, Protege o mundo livre do mundo preso, E prende todo mundo que for preciso, Pra não deixar o presidente indefeso".

4. Produção Urgente
Essa é minha favorita do disco. Pra mim tem a melhor gravação do disco todo, além de o melhor arranjo e quase a melhor letra. A construção da música é muito boa, tem um clima bem característico, a letra encaixa muito bem com o instrumental bucólico, a guitarra slide chorosa, genial. Não fugindo a regra de quase todo o disco, essa também é bem crítica, muito bem sacada. "O mundo dá tratos à bola, À mesma que destrata, Pisando na miséria imediata, Contrata para produção urgente, Um negro bem dotado, E um latino quase inteligente". E melhor que isso: "O mundo é dos vivos, O mundo é dos bancos, E os bancos dos mendigos". Pérolas.

5. Por Aí
Um popinho bem suave, romântico. Tem também a temática do tempo, da nostalgia, do passado perdido e do futuro incerto. Segue a mesma ideia do tempo circular, dos eventos que sempre se repetem. Bem filosófica, essa faixa. O Nei continua reflexivo, e conforme a idade vem vindo, mais sábio.

6. Pronta-Entrega
Outra da lista das melhores gravações do disco. As faixas mais lentas realmente ficaram melhores. Essa tem uma linha melódica muito linda, principalmente no refrão "No ar, bem devagar, No ar, fácil de ver, Noir, prêt-à-porter, No ar, fácil de amar". O baixão fretless também dá um toque muito especial a faixaTenho a leve impressão de a letra que fala sobre Porto Alegre, claro que de forma extremamente poética e sem perder o "quê" político.

7. A Utilidade das Palavras
Com uma levadinha que pende para o reggae, baixão bem marcado, violão tranquilo, Nei faz aqui uma das maiores críticas do disco, criticando de forma extremamente sutil todas as grandes instituições contemporâneas. "Vamos salvar os búfalos, De Bills e Bushes, Gates, Norman Bates, Vamos poupar instante, Da ética protestante, Do sacramento do kitsch". A solução contra essas fontes de poder está na uso das palavras, na voz, no conhecimento.

8. E a Revolução
Uma faixa linda, triste até. Aqui Lisboa é bem biográfico, fala diretamente do irmão Luiz, que militou no Partido Comunista Brasileiro, na VAR-Palmares e na Ação Libertadora Nacional, contra o Regime Militar, e desapareceu na época. É quase uma declaração de apoio ao irmão morto, uma crônica dos tempos terríveis da Ditadura. Um som mais sombrio, com uma guitarra acentuando a dramaticidade da letra, que aliás, é bem crua, visceral. Muito foda essa faixa, ainda mais em tempos de "Marcha da Família"... Um excelente alerta político. O melhor é a conclusão final: "Mais duro é perceber, Se eu fosse te falar, Do Brasil de agora, Que seria tão igual, Miséria, Doença , Polícia brutal, Luxúria, Mentira, Autoridade sem moral, Viu? Hum, hum, 68 foi barra, Como é 2001".

9. Ponto Com
Essa tem uma introdução que me lembra "Schultznietsin is Down", do próprio Nei, gravada no "Carecas da Jamaica". Mais uma lentinha, mais sombria, com uma letra também super crítica à tecnologia. A arranjo de teclados e baixo são geniais e a guitarra lamuriosa encaixa perfeitamente. Essa com certeza é a mais pessimista do disco ("A humanidade onde andará, Em marchas desiguais,, Tomando o mesmo rumo incerto, Desertos da razão, Por quem irão dobrar os sinos, Ao olhar dos pequeninos, Em êxodo, em êxtase, encanto e ossos, Nossos filhos, nosso fim, O exército sem luz, De um século do horror"). Deprê.

10. Máquinas de Fazer Máquinas
Essa faixa retoma temática do tempo, de forma totalmente brilhante. "Com máquinas de fazer máquinas de fazer nada, nada disso, Máquinas de fazer máquinas de máquinas, de fazer nada". É brilhante a analogia entre o tempo que passa e o tempo que é marcado no relógio, a passagem do tempo e a monotonia da contagem do tempo, parece que o tempo está parado, ou sempre voltando ao mesmo lugar. Tudo isso numa levada bem suave, com mais guitarra slide e timbres cristalinos de teclados.

11. Particípio
Essa tem uma letra muito foda, toda trabalhada na aliteração (repetição do "P"), com rimas sensacionais e jogos de palavras muito bem sacados. Outra faixa que lembra bem a vibe do reggae, com um orgãozinho muito bom, bem colocado. O pop suave está também presente aqui, com arranjos bem simples, mas uma construção harmônica bem interessante.

12. De Volta
Bem tranquilo, essa faixa fecha o disco. A letra, pelo que me parece, fala de uma "volta" muito aguardada. De alguém? A mulher amada? O amigo distante? Ou a liberdade, a igualdade, a felicidade? A volta dele mesmo, Nei Lisboa, como compositor? Vai saber. Num clima de nostalgia eterna, a banda manda um som muito tranquilo, de arranjo simples, o mesmo pop do disco todo, basicamente.

Pois bem, "Cena Beatnik" é uma retomada do poder da composição na vida do Nei. Ele mostra que a cabeça ainda está super ativa, que as ideias fervem e que ainda á capaz de trazer novidades com muito brilhantismo, mesmo depois de 9 anos sem lançar material inédito. O que parecia um fim, foi um recomeço. No próximo post, o oitavo disco do Nei, "Relógios de Sol", de 2003. Lembrando que as títulos das músicas também são links pras letras, ok? Você pode ouvir o disco na íntegra no link abaixo. Valeu!

Full album, no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=VLY6gstTRQY

Um comentário:

  1. Bem, esse disco fica devendo bastante aos outros, mas de qualquer forma vale por ser o "Retorno do Nei" (sem trocadilhos... rsrsrsr)

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