segunda-feira, 4 de maio de 2015

Nei Lisboa 9: "Translucidação", 2006

E aeee galera? Saudades de mim? Saudades do Nei? Eu também. rs

Chegamos ao nono disco do Nei Lisboa, "Translucidação", gravado em Porto Alegre nos estúdios da Tec Áudio e lançado em 2006. Estão com Nei o parceiro antigo Paulinho Supekovia na guitarra, Mano Gomes na bateria, Lucas Esvael no baixo, Boca Freire no baixo acústico, Luiz Mauro Filho nos teclados e Marcelo Piraíno, que faz participações nos clarinetes.


Aqui tem uma entrevista do Nei falando sobre sua carreira literária e sobre o lançamento desse disco:


O fato de ter demorado pra escrever sobre esse disco talvez (e apenas talvez) se dê pelo fato de que era  estranho pra mim, no sentido de que ouvi poucas vezes até começar o blog. E querendo ou não, não é dos meus favoritos ("Carecas..." e "Hein?!"). Então fiquei, por alguns dias sem entender o disco. Soa muito bem, é bonito, bem gravado, tem a poesia maravilhosa do Nei que eu adoro, mas de certa forma, me parece muito com o lado romântico de "Relógios de Sol" (poucas faixas fogem ao tema) e remete mais ainda aos timbres usados em "Cena Beatnik", com algumas exceções curiosas. É como um continuação desses discos anteriores, o mais flat, pensando em contorno emocional. Nei ainda diversifica nos estilos, tocando do funk ao jazz, passando pelo samba e muito, muito pop rock. Além das versões de "Muito", do Caetano Veloso, e "The Importance of Being Idle", do Oasis.

Bom, vamos às faixas:

1. Translucidação
Curiosamente a faixa começa com o som de uma porta fechando. Nei ataca no violão, uma batida bem malandra, e depois dessa intro entra a banda. O arranjo é simples, bonito, não tem nada de espetacular, mas cabe bem no sentimento da música. Os teclados dominam praticamente a música toda. A faixa título tem uma letra que parece meio autobiográfica, ou auto referência, me parece que é o próprio Nei falando sua passagem no tempo e no espaço. Típico desse compositor genial. "De tudo que aparente ser, no fundo, mais profano e mais rotundamente humano que a razão". Foda demais, né não?

2. Côte d'azur
Essa poderia muito bem ser uma canção do Simply Red. Belos arranjos, um pop muito bem feito, bem arranjado, cadências com intervalos inesperados. Muito lindo. Os violinos e os backings contrapõe bem a marcação mais forte do baixo e do piano. A primeira romântica do disco, que fala direto com a pessoa amada, enaltece, relembra momentos, se declara. Ele diz que o mar para pra ver a pessoa amada passar. Cotê d'azur é o nome que se dá uma região do litoral sul da França.

3. Bela
A segunda romântica, já vem na sequência. Parece até que são uma música só, divida em dois momentos, duas mensagens correlatas. Se foi proposital, foi bem sacado. Mas... o título já diz tudo sobre a mensagem. Sobra romantismo no Nei dos anos 2000, de fato (rs). Acho que uma das canções menos interessantes do disco, na verdade. Letra e música me soam comerciais demais pro padrão Lisboa de sonoridade. Bom, avisei que entrei em estranhei o disco... rs.

4. Confissão
Uma melodia linda tocada ao violão de aço é acompanhada por um baixo com um timbre sensacional, logo no início. No refrão entra a guitarra e os synths, harmonizando. Mesmo sem bateria, a música alcança um nível de dinâmica no seu contorno emocional muito além das outras faixas. O mesmo pra voz do Nei, que entra sempre com a exatidão poética em cada nota, com a força certa, o sentimento exato. Mais uma letra inspirada do Lisboa, extremamente positiva, esperançosa. Daquele tipo de mensagem que dá vontade de viver, de fazer o que a gente gosta, acreditar que amanhã vai ser melhor que hoje, enfim. Sabedoria pura.

5. Clichê 
Eu juro que eu ouvi um pagodinho aqui nessa faixa (rs). Tem uma sonoridade bem interessante, menos pé no chão, com bastante reverb, guitarra espacial, bastante synth. Lembra muito algumas coisas dos anos 80, com o acréscimo de que é Nei Lisboa em pleno 2006. Mais uma romântica, bem mais sensual que as outras, tem uma malandragem, um swing singular. "Corres da minha porta, somes da minha rua, mas estás sempre pronta pra mim, juras que não suportas, cospes na minha cara, mas estás sempre nua no fim". Pois é.

6. Em Pleno Carnaval 
Essa eu realmente gosto muito, por vários motivos. Primeiro porque tem uma letra linda e toda parnasiana, tenho até impressão de que muitas palavras estão ali muito mais pela sonoridade e pela poética que pelo sentido. Mas no trecho "Mas o que faz esse lugar vazio em pleno carnaval?" tudo se amarra. Brilhante. A música é uma das mais bem trabalhadas, com arranjos sensacionais, e o conjunto de crescendo até o terceiro verso é emocionante. Difícil definir estilo, eu diria que é um tipo de pop folclórico (rs), synths contrapondo com violão, baixo contrapondo com orquestrações de cordas, percussão que vai evoluindo, enfim. Sem dúvida uma das melhores faixas do disco.


7. Dois Meses
É claro que não faltaria um sambão. Esse é bem diferenciado,  tem um piano bem marcado e a percussão brilhantemente cheia de dinâmicas, formando a base geral da música. Entram nos solos: acordeão, tuba, guitarra e synths, que se unem pra finalizar a faixa com toda a força. Adorei essa sacada. Mais uma romântica. S2

8. Mundos Seus 
Uma canção mais dark e introspectiva. Gosto muito das guitarras cheias de processamento e do clima soturno dos synths, uma série de ruídos e sons soltos no espaço, criam uma atmosfera bem peculiar. A melodia principal é bem comum, mas foi bem arranjada com apoio do violão e do baixo. Gosto muito do vocal do Nei nesta faixa, em especial. A letra é tristonha também, um amor perdido, um passado apagado, uma lembrança longínqua.

9. Tropeço
Instrumental simples, composto apenas de piano e clarinete. Uma base bem bacana no piano, que lembram até algumas canções do Arnaldo Baptista, acompanhado suavemente pela voz do Nei. Não tem a letra mais genial do disco, mas é bacana. Uma mistura de declaração de amor e de loucura.

10. A Verdade não Me Ilude 
Finalmente um jazz! Claro que não poderia faltar, afinal faz parte da "tradição Lisboa" sempre gravar pelo menos um jazzinho maroto. E esse não deixa a desejar, tem tudo que um bom som do estilo tem, pianão bem marcado, cheio dos acordes esquisitos (leia-se "maravilhosos"), baixo dinâmico, e aquela bateria típica. A letra é uma das melhores, extremamente crítica, expõe as relações exploratórias entre artista e agenciador, entre criativo e indústria cultural. "De fato é muito interessante e musical esse seu novo jazz em fá bemol. Música é legal, mas devo também lembrar o aspecto pontual de que assinou esse contrato pelo qual lhe prometemos uma eterna juventude, em troca de você mostrar um pouco de atitude". E por ai vai. Genial demais, irônica, outra das minhas favoritas do disco.

11. The Importance of Being Idle
Essa me deixou surpreso. Um cover do Oasis? Como assim?... Pois é, uma baita versão, na verdade. Gostei muita da interpretação, esse início com gaitas de fole é demais. O mais interessante é que tem momentos que nem parece o Nei cantando. Bem diferente mesmo. Acho que valeu a experiência, apesar de destoar bastante do resto do disco. Bom, foi a impressão que eu tive... =X

12. Muito
Nei está aqui devolvendo a gentileza que Caetano fez ao gravar "Pra te lembrar", que ele havia lançado alguns anos antes, e foi trilha de cinema. Ele optou por algo bem simples, piano sem muitas firulas, e apostou na sua interpretação vocal, que ficou linda. No mais, nada novo. Valeu Cae!

13. Festa do Kafu S. 
Eu diria que a faixa que fecha o disco é a mais diferente do tema geral, a mais festiva (desculpe o trocadalho), bem mais swingada, mais pro funk, com batera e baixo pesados, guitarrinha só acompanhando, riffs com pedal wah-wah, tudo mais. Tudo a ver com a mensagem que o Nei quer passar, parece mesmo que ele tá no meio de uma festa, descrevendo cenas e pensamentos que ali se passam. Adorei o disco terminar assim pra cima. Ainda mais quando ouvi aquele clavinet dividindo os solos com o guitarra no fim. Foda!

Foi então depois de ouvir bastante "Translucidação" que me dei conta que de fato é uma espécie de fechamento da trilogia "Cena Beatink/Relógios de Sol/Translucidação". Doido isso, é como uma síntese daquilo que foi produzido nos discos anteriores. Ai sim eu percebi a importância desse álbum, consegui entender. Acho que no fim, até me surpreendeu. Me fez acreditar ainda mais que o Lisboa é um dos maiores compositores de música popular gaúcha e brasileira.

Vale lembrar também que em 2007 ele lançou "É Foch!", seu primeiro livro de crônicas. (esse aí do lado >>>)

No mais, é isso galera. No próximo post vou escrever sobre "A Vida Inteira", de 2013, disco que foi financiado via crowdfunding. Pois é, genial. Mas fica pra depois. Lembrando que os títulos da músicas são links pras letras. Até o próximo post. Valeu! o/

Ouça o disco na íntegra aqui:


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