Com o fim do Raulzito e os Panteras, eles passaram sérias dificuldades no RJ e Raul resolveu voltar para a Bahia. Lá conheceu um diretor da gravadora CBS, que o chamou para trabalhar lá. Raul volta ao Rio e usa seus conhecimentos enciclopédicos de música como produtor.
Depois de algum tempo, com Miriam Batucada (já discografada pelo Caio no nosso Especial Semana da Mulher), Sérgio Sampaio (que o Caio também já começou) e Edy Star (o único ainda vivo), gravam um disco sensacional. Aqui sim já temos a criatividade e o vigor musical que Raul mostraria nos anos seguintes. As músicas são intercaladas com vinhetas, e cada uma segue um estilo totalmente diferente.
Reza a lenda que esse disco teria sido gravado às escondidas, e que depois disso Raul teria sido demitido da CBS. Mas o próprio Edy Star desmentiu isso (e também no documentário sobre o disco), e Raul continuou produzindo na CBS depois desse disco, saindo só vários meses depois. (Update: embora o próprio Raul tenha dito que foi expulso, mas é cascata...)
Como bem disse a Ludmila, "Os temas críticos, irônicos, brincam com o otimismo da jovem guarda, com a intelectualização da bossa nova e da MPB emergente da época. Falam da vida, das dificuldades enfrentadas, da desesperança, porém sem perder o encanto e a possibilidade de rir e se divertir com tudo. Porque senão 'os discos voadores nunca vão pousar'."
"Êta Vida" (Raul / Sérgio)
A primeira faixa começa apresentando o disco como o "Maior Espetáculo da Terra". É uma referência ao filme homônimo de 1952. Em seguida Raul conta sobre a vida no Rio de Janeiro (cujo padroeiro é São Sebastião), onde tudo é genial, mas para ele é uma gaiola dourada: "Mas não era o que eu queria / O que eu queria mesmo era estar em paz".
"Sessão das Dez" (Raul)
"Eu comprei uma televisão... que distração". Já naquela época, a vinheta em 3/4, quase infantil, alerta sobre a influência da ~caixa de loucos~. Em seguida, num ritmo de seresta, com direito à "flautinha matadeira" e um cavaquinho, Raul conta como encontrou um romance no cinema que, depois de dez anos, termina sem motivo aparente. É um alerta para os relacionamentos baseados apenas na aparência, pois sendo "inocente, puro e besta", se casou com alguém apenas porque lhe "ofereceu pipoca" para "curtir com seu corpo". No final, não se sabe se ele aprendeu a lição, mas o fato é que nunca mais foi ao cinema: "Foi tamanho desengano / que o cinema incendiou."
"Eu Vou Botar pra Ferver" (Raul / Sérgio)
Bem festiva, mas os dois primeiros versos já resumem o tema: "Eu vou botar pra ferver / no Carnaval que passou". Fala sobre a animação e empolgação da festa como se fosse vindoura, mas na verdade fala somente de lembranças, pois é o Carnaval que passou. Destaque pra guitarrinha muito brilhante.
"Eu Acho Graça" (Sérgio)
Festa de arromba, som rolando, guitarras enlouquecidas, tanto quanto os convidados, de repente o telefone toca. Alguém pergunta por Jorginho Maneiro, e se alegra ao confirmar que ele virou mesmo hippie, numa gargalhada lisérgica. Acaba a vinheta e começa uma percussão acompanhada de agogô e órgão hammond. Sérgio fala sobre ignorar críticas, e se manter focado nos seus objetivos.
"Chorinho Inconsequente" (Edy / Sérgio)
"Há um hippie bem no meu portão", na mesma vinheta em 3/4 da segunda faixa. Uma mistura de samba com guitarras distorcidas, e Miriam Batucada faz uma declaração de amor à cidade que ela queria ter "toda dentro de seu coração". Ou será um tapa com luva de pelica, falando bem de uma cidade que não está em seu coração? (Mìriam é paulistana, Edy é baiano.) Intercalada com naipes de metais e strings bem anos 50, junto com as guitarras distorcidas dos 70's. Olha aí a anarquia Raulzística chegando!
"Quero Ir" (Raul / Sérgio)
A entrada triunfal brada: "Viva nós!" Um rápido beat-box seguido por um baião ao estilo Raul, com acordeão e triângulo, mas também com guitarra e baixo. Na letra, Sérgio e Raul estão descontentes com a cidade, com pouco sol, quase nada de ar, e ruas que não têm fim. Surge o desejo de "voltar pra Bahia, ou pra Cachoeiro do Itapemirim" (cidade natal de Sérgio, e também de Roberto Carlos - seria um "aquele abraço" pro Rei?). Um desejo rápido, violento, instintivo, "se pensar já era".
"Soul Tabarôa" (Antônio Carlos e Jocáfi)
A única faixa do disco não assinada por nenhum dos quatro Kavernistas. Aqui Míriam, com sua voz rouca, está alegre por "dançar um soul míuses"! Ela pede respeito com o xaxado, já na época queria "mais amor, por favor" em vez de todo aquele assanhamento do Rio. O jibão que ela bate na dança é aquela jaqueta de couro cru usada pelos vaqueiros no Nordeste, para proteger do sol e dos espinhos.
"Todo Mundo Está Feliz" (Sérgio)
Sérgio (em cima), Edy, Miriam e Raul |
"Aos Trancos e Barrancos" (Raul)
Sambinha sensacional do Raul, um tom meio resignado, vê que a vida no fim não é lá o que ele sonhava, mas está satisfeito com seus bens materiais, e percebe a vida passando, sem "tempo para pensar sob este sol", nem pra "ver seu enterro que vai passando no jornal".
"Eu não Quero Dizer Nada" (Sérgio)
Uma introdução de terror prepara para algo satânico vindo aí! Mas calma... em seguida um cravo traz a paz da "quase meia-noite no aterro do Flamengo". Sérgio não consegue se despedir de alguém por ser "tão legal". Estaria mandando um abraço pra Gal Costa?
"Dr. Paxeco" (Raul)
Uma descrição de personagem, em meio a um baixo malandro pontuado com percussão em beat-box. Dr Paxeco é a síntese do "do-do-do-dotô" bem-sucedido, que sobe na vida pisando em ombros e passando a perna em quem fosse necessário, mas que só "tem nos olhos o cifrão".
"Finale" (Edy / Míriam / Raul / Sérgio)
Uma fanfarra de encerramento, nos mesmos moldes circenses da apresentação. E pra fechar com chave de ouro, a inesquecível privada sendo dada descarga, como se fosse a opinião deles sobre o trabalho. Se você ainda não entendeu que a lei por aqui é sarcasmo e anarquia, é a sua última chance!
Mais infos sobre o disco aqui. E quem não encontrar o disco nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube.
E é isso! No próximo post começaremos a análise da carreira solo do Raul com o Krig-ha Bandolo. Até lá!
Que comentar sobre esse álbum?
ResponderExcluirObra prima da Música Brasileira! Psicodelia, Tropicalismo em tom regional e globalizado ao mesmo tempo.
São quatro cabeças pensantes, quatro estrelas, quatro artistas, cada um a seu estilo, que se reuniram cada um com sua influência para criar uma obra tão diversa e completa.
Os temas críticos, irônicos, brincam com o otimismo da jovem guarda, com a intelectualização da bossa nova e da MPB emergente da época. Falam da vida, das dificuldades enfrentadas, da desesperança, porém sem perder o encanto e a possibilidade de rir e se divertir com tudo.
Porque senão "os discos voadores nunca vão pousar".
Boa Lud! Vou até incluir esse seu parágrafo sobre os temas... ficou sensacional! E realmente ficou faltando um "balanço geral" do disco no começo... valeu!
Excluirdiscaço!
ResponderExcluirHAHAHA!
ResponderExcluirValeu Salleta!