domingo, 26 de janeiro de 2014

EngHaw - 2° A Revolta dos Dândis

Hey, pessoas! (:

A primeira grande mudança no segundo CD dos EngHaw é na formação, que já mostra o futuro fatídico da banda, a primeira baixa: Sai da banda Marcelo Pitz – então baixista – e entra Augusto Licks, que já era fã da banda, assumindo a guitarra e deixando Gessinger se realizar no baixo, instrumento que sempre lhe fascinou.



Essa mudança foi sentida com clareza no álbum, que já tem outra cara. Tanto pelo baixo, super marcante no primeiro disco e que agora, não menos poderoso, mas com outra pegada... Quanto por deixar o ska de lado, assumindo um formato mais manso, com musicas mais simplistas e ar de maturidade. Nesse novo álbum, as letras estão mais complexas também, ganham mais densidade, referências pesadas, e a crítica caiu em cima, dizendo que a banda era elitista pela sofisticação das composições (qual é, crítica... Seu público não gosta de pensar?).


Característica já anunciada no título: A Revolta dos Dândis – pensando no dandismo como o movimento ou atitude comportamental de jovens do século 19, sem berço de ouro, que adotavam a elegância e requinte (tanto na forma de agir quanto de se vestir), gosto pelas artes, conhecimentos refinados e intelectuais da elite da época, passando a ocupar espaço entre eles, como que parte da burguesia, numa busca de integrar um grupo ao qual eles não pertencem essencialmente, e jamais verdadeiramente pertenceram, tanto pela rejeição daqueles que pertencem a este meio pelo seu natural poder socioeconômico, quanto por ter deixado o meio do qual realmente vem, entre os mais humildes.

Talvez um retrato do momento da banda, que nas grandes capitais (SP, Rio, onde as coisas maiores aconteciam na cena musical) era tida como banda sulista, mas no Sul já haviam perdido esse calor patrício, vista como som de fora (ou feito pra fora). 

   
     Com uma gaitinha inédita, mas que viria a marcar tanta presença, a faixa que dá nome ao disco entra distribuindo discussões existenciais.
     Um estrangeiro sem terra natal, que veio de um trem sem itinerário, à espera outro também sem destino... Que não conhece seu lugar no mundo, à que grupo pertence, que forma tem. "Entre um rosto e um retrato/O real e o abstrato", perdido e preso entre o meio termo, entre planos e realizações, pensamentos e atitudes. A crise e revolta de um Dândi que percebeu ter se afastado demais de onde veio, por natureza ou gosto, a ponto de não se encaixar mais, na busca de algo que ele não consegue concretizar, um destino ao qual ele também não pertence...  

     2. Terra de Gigantes
     "Hey mãe, eu tenho uma guitarra elétrica/Durante muito tempo isso foi tudo que eu queria ter [...] Hey, mãe, tem uns amigos tocando comigo/ Eles são legais, além do mais, não querem nem saber..." - Quem nunca? rs. 
     Pegada mais calminha, reflexiva, arranjo bem marcante... Fala sobre esse momento em que "a ficha cai", e você percebe que a vida não é tão simples de se entender, que a felicidade não vem fácil como se imaginava, enquanto sonhava em ter uma banda, e que essa energia da juventude é apenas combustível pra uma terra de gigantes, em que as vidas valem menos que diamantes. 

     3. Infinita Highway
     Inegavelmente, a música da minha vida. Durante um bom tempo eu neguei isso, não querendo usar como mantra pessoal uma das músicas mais populares da banda (é muito mais cult o desconhecido, certo? rs), mas não dá mais pra negar. Eu desconheço uma música com tanta filosofia por segundo... E ainda mais difícil, tão "infinita" quanto o título, 6' e alguma coisa de pura reflexão. 
     Uma das coisas que eu mais admiro no Gessinger é a habilidade de dizer tanto, em tão poucas palavras, e mesmo a música sendo tão longa, ele mantém isso, e cada linha daria uma dissertação sobre existencialismo.
     O que é a vida, se não uma estrada sem fim? E quem de nós sabe qual o sentido ou objetivo disso tudo, as leis dessa infinita highway? 
     "[...] Eu posso estar completamente enganado/Eu posso estar correndo pro lado errado!/Mas, a dúvida é o preço da pureza/E é inutil ter certeza [...]"
     
     Voltando a falar de amor, agora com uma cara mais madura, sem medo de parecer piegas, fala em um clima mais romântico e levada mais lenta, acabando num belo solo de guitarra, sobre as fraquezas de um pobre homem, escravo de sua sinceridade e do poder dos gestos e olhares de uma mulher, da essência enfeitiçadora da mulher, que poderia ser qualquer uma, qualquer Ana que você conhece, por esse nome ou não. ;)

     Mais revolta, mais riffs de guitarra, mais rock! (com um solinho de um tamborim antes do refrão, e uma cuiquinha no final? rs). Mais uma canção raivosa falando sobre a imbecilidade da guerra, e de como isso é manipulado pra ser encarado tão normalmente, sob a ótica de alguém que se recusa a achar tudo isso natural... "[...] Não me peça pra entender/Não me peça pra escolher/Entre o fio ciumento da navalha/E o frio de um campo de batalha [...]". O fim do século marcando o retorno ao início, com mentalidade primitiva de guerra e desunião, numa trajetória que nunca evolui, um ciclo que quando parece estar chegando em algum progresso, volta à irracionalidade.

     Certa vez vi uma entrevista do Humberto, em que ele dizia não entender o porque dessa necessidade de sempre começar uma música completamente do zero, ser algo totalmente novo, único. Existem milhões de maneiras de se dizer a mesma coisa, milhões de coisas pra se dizer de modos diferentes... E a partir daqui ele mostra a maestria com que reinventa as músicas, retrabalha e transforma em algo novo. "Entra ano e sai ano/Sempre os mesmos planos" x "Nossos planos são os mesmos há muito tempo/Mas não há mais muito tempo pra sonhar". Como que sob nova perspectiva, ele fala do mesmo tema, mas agora, não do seu desencontro, mas do insucesso de todo o resto, do quanto cada extremo se afasta do equilíbrio e perde sua essência. "Tudo é igual quando se pensa em como tudo deveria ser".

     7. Além dos Outdoors
     Baixo poderoso, me lembra "Soultans of Swing", melodia muito envolvente. Fala sobre uma verdade implícita a tudo, mas que não ta escrita na testa. As coisas mudam de formas, mas não mudam sua essência, o seu caráter primário. Somos bombardeados de informação e influência, condicionam a massa a se adaptar e "artificializar", o que nos resta de natural, é pura falta de opção, incapacidade de alterar, e cada dia mais "Há poucos que já foram/E muitos que nunca serão".
     Nessa faixa, Gessinger sita Albert Camus (Livro: O Homem Rebelde) na frase "As coisas mudam de nome/ mas continuam sendo religiões".

     8. Vozes
     Uma introdução que lembra muito "Terra de gigantes", nesse estilo tão classudo de reinvenção, essa música faz uma auto-defesa, da necessidade e dificuldade de lidar com a solidão, de um modo de vida arredio, justificado por mudança de gostos e comportamentos que ainda o assombram. "Duas pessoas são duas verdades/ E na verdade, são dois mundos", cada um tem seus próprios fantasmas, e é impossível compreender completamente sem mergulhar em cada mundo específico.
  
     Essa me faz pensar justamente na crítica que o CD gerou... Quem critica, dificilmente tem um interesse sincero, real, e a análise fica pobre se você não pára pra ouvir, pra entender o que se passa. "Dando a impressão de que na areia movediça, nada se desperdiça". Tudo o que parece estar sendo absorvido, na verdade pode estar sendo ignorado.

     10. Desde aquele dia
     Mais uma das canções de amor, cada vez mais envolventes, com melodia tão bem trabalhada, e a costumeira ausência de confetes pra falar de amor. Fala de uma mulher que aparece como uma heroína, pra lhe salvar de uma vida com poucas perspectivas, e se transforma na sua paz, mas em um dia (em que parece que chovia, rs) deixou um vazio, que nada sacia, e muda tudo.

     11. Guardas da Fronteira
     Faixa que conta com a participação nos vocais de Júlio Reny (cantor e compositor conterrâneo), e critica a hipocrisia da mídia, que tenta ditar filosofia de vida entre comerciais. Sempre focados em lucrar, mantém a visão das pessoas na sua realidade editada, como se não houvesse nada além. Mas sempre haverá alguém pastando fora do rebanho... "Acontece que eu não tenho escolha/Por isso mesmo é que eu sou livre/ Não sou eu o mentiroso/ Foi Sartre quem escreveu o livro/ Não sou afim de violência/ Mas paciência tem limite".

     E o link pra ouvir o CD na íntegra... Enjoy! (:


E na próxima, Ouça o que eu digo: Não ouça ninguém! ;D rs.

2 comentários:

  1. Esse disco é sensacional. Refrão de bolero é uma das músicas mais lindas da banda!
    Sem dúvida, é possível perceber o amadurecimento da banda nesse álbum e a diferença que fez a entrada do Augusto Licks.

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  2. É um forte candidato! Mas ainda não é meu disco preferido... rs.

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