quinta-feira, 20 de março de 2014

Raul Seixas 8 - Raul Rock Seixas (1977)

Oi, eu sou o Salinas! Raul não ficou contente com o lançamento atrapalhado de seu tributo ao rock & roll no início da carreira, e agora, depois de pelo menos 2 grandes sucessos (Gita e Há 10 Mil Anos Atrás), já estabelecido e conhecido no País inteiro, resolveu tentar de novo.

Novamente vemos alguns clássicos do roquemrôu, mas estes são menos conhecidos que os 24 Maiores Sucessos (devem ser os seguintes da lista). E na última faixa Raul deu o seu recado anárquico, encerrando o disco com Asa Branca. Uma leitura disso é que o baião e os ritmos populares, do Nordeste ou não, têm muito a ver com o rock, enquanto forma de expressão da juventude, e em última análise, do povo. Sem elucubrações, sem grandes floreios técnicos. Como ele próprio disse anos depois, "Pois há muito percebi que Genival Lacerda tem a ver com Elvis e com Jerry Lee".

Um ponto que chama atenção é que o rock, tendo muito a ver com o contexto da época, claro que acaba esbarrando no machismo. E ele está expresso em várias faixas, o que de certa forma se choca com o pensamento libertário e evoluído do Raul. Mas apesar disso, música é música, e ele quer fazer um tributo aos músicos. Por outro lado, tem outras tantas faixas que a menina simplesmente some sem deixar rastros. Isso também diz muita coisa...

"My Way" (Jerry Capehart)

A faixa que abre o disco não tem nada a ver com a canção homônima de Frank Sinatra (que foi regravada por Elvis Presley, Robbie Williams e dezenas de outros). Não, claro que o negócio aqui é rockão antigo!! Raul machista, chamando a gaja pra sair já avisa: vai ser tudo "do jeito dele". Na boa, o autor dessa letra parece um menino mimado: "I was born a tiger, I always had my way / Nobody's gonna change me this or any other day". Enfim, nos anos 50 ~todo mundo~ achava isso legal né...

"Trouble" (Jerry Leiber / Mike Stoller)

Cuidado com esse cara, minazinha... esse aí é treta! "Nunca procurei problemas... mas nunca fugi deles". (mas dependendo do tipo de ~problema~, é exatamente o que ela quer!! Ê, mulherada...)

"The Diary" (Howard Greenfield / Neil Sedaka)

Diretamente dos bailinhos, Gloria Vaquer quebra o galho e manda os vocais. No começo você até fica achando que ela está falando do seu diário, onde anota as "coisinhas que o menino fala e diz", mas depois dá pra ver que o eu-lírico é o menino, que tá apaixonadão e querendo saber se é ele que tá no diário!

"My Baby Left Me" (Arthur Crudup)

Raul volta com a corda toda (e um walking bass lá no fundão) pra mais um medley. Animadaço, apesar de a mina dele ter ido embora "sem nem uma palavra", ele tá mó tristão na janela...

"Thirty Days" (Chuck Berry)

...mas ele não deixou barato. Logo em seguida trocou uma ideia com a "cigana no telefone" e ela vai mandar um "vudu mundial" pra mina voltar em 30 dias!! Já naquela época rolava isso de ~trago seu amor de volta~ (e na letra original, se não funcionasse o vudu, Chuck Berry ia acionar até o xerife, o FBI e as Nações Unidas... tudo pelo ~amor~!)

"Rip It Up" (John Marascalco / Robert Blackwell)   

Parece que a treta já tá esquecida... Raul acaba de receber, e vai gastar tudo no sábado à noite! Não é de hoje que todo mundo espera alguma coisa desse dia... e um solinho genial de teclado no final!!

"All I Have to Do Is Dream" (Boudleaux Bryant / Felice Bryant)

Mais uma faixa lentinha... é legal essa alternância de agito com momentos mais românticos. Ai que gostoso ficar sonhando com a minazinha... Mas de repente o ritmo dá uma acelerada muito 70's...

"Put Your Head on My Shoulder" (Paul Anka)

... e volta pro rosto coladinho, com aquele timbre de "gato miando" no teclado. Awnt, encoste sua cabecinha no meu ombro, baby, e vamos ficar apaixonados!

"Dear Someone" (Cy Coben )

E pra fechar o medley, agora temos uma cartinha de uma fã. Ela mandou uma linda foto, e que linda hein... mas não colocou o nome! Raul desesperado pede pra ela mandar uma nova carta, desta vez com nome e contato, né! (Mas cá pra nós, eu acho que ele vai é ficar esperando...)

"Do You Know what It Means to Miss New Orleans" (Eddie DeLange / Louis Alter)

Depois de tanto mela-cueca, um jazzinho pra descontrair. Raul está morrendo de saudade de New Orleans, as "vinhas cobertas de musgo", os "sabiás cantando", o "Mississipi preguiçoso" e por aí vai... mas a gente não cai mais nessa: claro que tem mulher na jogada! Se ele tá com saudade de lá, é porque foi lá que teve rolê...

"Lucille" (Albert Collins / Richard Penniman)

Agora a coisa animou de vez no rock de novo! Outra mina que some do nada e deixa o Raul perdidão.

"Corrine Corrina" (Bo Chatmon / J. Mayo Williams / Mitchell Parish)

Raul aproveitando o lado B pra mandar uns palavrões! Aqui ele conta de quando ele pegou a Corrine, eles estavam no banco de trás do carro e ele... bom, depois dessa ele ficou odiando a coitada! Meio machista, essa, hein Raul...

"Ready Teddy" (John Marascalco / Robert Blackwell)

Mais um medley de rock botando pra quebrar! Começa com uma faixa falando sobre a zoëra dos bailes de rock, que, claro, já naquela época não tinham limite.

"Hard Headed Woman" (Claude Demetrius)

Raul machista de novo, botando a culpa dos problemas do mundo na "mulher de cabeça dura". Dá até exemplos, Adão e Eva, Sansão e Dalila, Jezebel. Ô Raul, a galera não conhecia esse seu lado não, viu?

"Baby I Don't Care" (Jerry Leiber / Mike Stoller)

Agora Raul tá com uma mina meio "quadradona": não curte ir dançar, não curte andar de carro pela madrugada, não conhece nenhum passo de dança novo. Mas pelo jeito, ele não tá nem aí!

"Just Because" (Jay Vaquer / Raul Seixas)

Agora uma bem rapidinha na pegada do rock! A gaja andou espalhando por aí que é a gostosona e quis deixar o Raul na mão dela, mas não deu outra: o cara caiu fora bem antes!

"Bye Bye Love" (Boudleaux Bryant / Felice Bryant)

Agora mais um medley. Raul terminou de novo com a gaja, não quer mais saber dessa história...

"Be-Bop-A-Lula" (Gene Vincent / Bill "Sheriff Tex" Davis)

...mas já arranjou outra, "my baby, doll, my baby, doll"...

"Love Letters in the Sand" (Charles Kenny / J. Frederick Coots / Nick Kenny)

...e ela já terminou com ele de novo. Ficaram só as lembranças das "cartas de amor escritas na areia", apagadas pelas ondas...

"Hello Mary Lou" (Gene Pitney)

...mas Raul já se apaixonou de novo. Esse não tem jeito mesmo!

"Blue Moon of Kentucky" (Bill Monroe)

Depois de falar só de mulherada e baladinha, Raul fecha o disco com uma cacetada. Nos tempos de hoje, em que "tudo é rock", isso pode não ser tão relevante assim, mas pra ele isso era coisa muito séria. Ele pegou um clássico do Elvis Presley, pedindo pra "lua brilhante do Kentucky" trazer sua amada de volta, numa levadinha bem country, só no violão. Mas aí, de repente...

"Asa Branca" (Humberto Teixeira / Luiz Gonzaga)

...na mesma levada, ele encaixa nada menos que o maior clássico do Luiz Gonzaga! Aqui ele fala da seca, que acaba com a terra e faz até a ave-título ir embora. E também ele, rapaz, resolve sair dali, mas "assegurando" a seu amor que um dia voltaria.

Mas afinal, e daí que ele juntou um rock e um baião? A sacada do Raul é que os dois estilos, de lugares tão distantes e de contextos tão diferentes, têm uma coisa em comum: são a forma de expressão da juventude daquela época. São retratos do brasileiro (e do americano, e de qualquer país), fodido e sonhador, seus vícios e anseios, conversas de elevador. Tanto um como o outro! Se por um lado o Brasil estava quase saindo da situação agrária, com muitos indo para as cidades em busca de uma vida melhor, nos Estados Unidos, mesmo com o baby boom do pós-guerra (o caldo cultural que originou o rock), não era diferente: com seus outros tantos jovens, empregados ou não, também sonhando com o amor, realizar seus sonhos, enfim desejando um futuro melhor. Não importa se o país é rico ou não, as pulsões, sofrimentos e incertezas da juventude são as mesmas, em qualquer época, em qualquer lugar. De novo, hoje em dia isso é ultrapassado (ou não), mas em 1977, numa época que metade achava que música brasileira era "coisa de comunista" e a outra metade achava que rock era "coisa de alienado", Raul fez a ponte, provando que a arte pode transcender as picuinhas político-ideológicas de seu tempo.

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube:



E é isso! No próximo post vamos falar de outro grande sucesso de Raul, O Dia em que a Terra Parou. Até lá!


4 comentários:

  1. "Só quero ouvir meu rockizinho antigo, q não tem perigo de assustar ninguém..." hahahaha

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  2. "retratos do brasileiro (e do americano, e de qualquer país), fodido e sonhador, seus vícios e anseios, conversas de elevador."
    Acho que conheço isso de algum lugar... rsrsrs

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