Raul já era bem conhecido. Todo mundo tem seus altos e baixos! O fato de ele ter sido exilado pode ter contribuído...
De qualquer forma, este disco é bem menos engajado politicamente. As canções giram muito mais na esfera existencial/filosófica do que na crítica social. Também cita bem pouco a Sociedade Alternativa, que lhe causou problemas no passado. O próprio título do disco sugere essa mudança de rumos do "Metamorfose Ambulante".
O disco contém outras parcerias além de Paulo Coelho. O escritor e estudioso da Lei de Thelema Marcelo Motta, além de Cláudio Roberto e da própria mulher de Raul, Glória Vaquer (sob o pseudônimo de Spacey Glow), e também Eladio Gilbraz, que participou d'Os Panteras.
"Tente Outra Vez" (Raul / Paulo / Marcelo Motta)
Grande clássico do Raul, que muita gente associa a momentos de dor e superação no esporte. Mas um pequeno detalhe faz muita diferença: este disco foi gravado após Raul ter sido preso, torturado e exilado. Ele fala com muita propriedade: não importa o que aconteceu e o quanto doeu, o importante é que ele vai "levantar sua mão sedenta e recomeçar a andar".
"Rock do Diabo" (Raul / Paulo)
Autêntico "rock pauleira 70s"! Raul fala com todas as letras que esse cara de vermelho, chifres e tridente é uma grande bobagem... não existe diabo! Ele traz o conceito grego: "Existem dois diabos / Só que um parou na pista / Um deles é do toque / O outro é aquele do exorcista..." Esse diabo "do toque" é o tal daemon grego que originou a palavra "demônio", e que nada mais é que o espírito e a inteligência humanas, que podem ser usadas pro bem ou pro mal. O outro, o "do exorcista", é a papagaiada que a igreja inventou... (sim, o filme já existia, mas Raul se refere também como ao pomposo ~cargo~)
"A Maçã" (Raul / Paulo / Marcelo Motta)
Raul profético. Quando a revolução sexual estava só no começo, o grande público só começando a entender as pílulas anticoncepcionais e a diversidade sexual, ele faz uma homenagem ao amor livre. As amarras do casamento já naquele tempo apodreciam. Ninguém tem obrigação de satisfazer todas as fantasias e vontades de alguém, nem esperar que uma única pessoa possa satisfazer todas as suas fantasias e vontades. É esperar demais de uma pessoa só!! Não é pecado buscar o prazer com mais de uma pessoa, e mesmo de sexos diferentes. E até hoje isso é difícil de aceitar pra muita gente: "Se eu te amo e tu me amas / E outro vem quando tu chamas / Como poderei te condenar" (...) "Amor só dura em liberdade / O ciúme é só vaidade" (...) "O que é que eu quero / Se eu te privo / Do que eu mais venero / Que é a beleza de deitar..."
"Eu Sou Egoísta" (Raul / Marcelo Motta)
O título desta música pode à primeira vista ser contraditório com a música anterior. Mas aqui é outro contexto: a busca da própria felicidade deve ser a regra que norteia o ser humano. Sem se prender a regras criadas pelos outros, sem depender dos outros e sem deixar que outros dependam de você! Nesse sentido ela tem tudo a ver com A Maçã: a sua felicidade não pode depender de uma pessoa, e nem mesmo de várias pessoas! "Pois o homem é o exercício que faz".
"Caminhos" (Raul / Paulo)
Começa lentinha no violão, poética, desaguando num repente. Talvez endereçada a seus críticos da geração anterior que lhe perguntavam "onde é que você quer chegar com tudo isso?" E Raul responde através de uma série de metáforas, que os caminhos são muitos mas ao mesmo tempo são naturais. Ele apenas segue a sua própria natureza sendo aquilo que é. Mas na última estrofe os caminhos não são nada metafóricos: "O caminho do risco é o sucesso / O do acaso é a sorte / O da dor é o amigo / O caminho da vida é a morte!"
"Tu És o MDC da Minha Vida" (Raul / Paulo)
A melhor declaração de amor de todos os tempos! Impossível não se derreter com esta balada rock (com o sax comendo solto no fundão...) Gravada ao vivo, Raul começa a levantar vários detalhes da vida do casal, desde o Flávio Cavalcanti até Casas da Banha (uma rede de hipermercados da época), Sansui Garrard Gradiente (marcas de aparelhos de som). A metáfora do MDC (máximo denominador comum) é o seguinte: a "primeira garota da fila", no caso, é a mais linda capaz de ~dividi-lo~, de deixá-lo louco, etc, mas ao mesmo é ~divisor comum~, ou seja, divide outros ~números~ também. Como por exemplo, "o colega Nestor"... mas eu ainda acho que depois desta música ela largou todos os outros!
"A Verdade Sobre a Nostalgia" (Raul / Paulo)
Rock 50's do bom!! Aqui Raul começa falando sobre o conflito de gerações e sobre o fim do rock, pois como ele mesmo dizia o rock morreu em 1959 quando Elvis entrou pro exército. Isso pode parecer estranho pra nossa geração onde "tudo é rock", mas pra ele o psicodélico, progressivo, hard rock, eram vertentes recentes... "o negócio é rockão antigo"!! Mas depois fica claro o recado: não fique se lamentando pelo fato do rock não ser mais o que era, pegue ele e leve-o além, inove! "Porém, atrás da curva / Perigosa eu sei que existe / Alguma coisa nova / Mais vibrante e menos triste"
"Para Nóia" (Raul)
O tema meio staccato passa o tom da música, sorrateiro, Raul trancado em casa com medo. Da perseguição dos militares, talvez? Ou dos próprios demônios e da culpa desnecessária, alimentada por séculos de martelação de igreja? Ele mescla os dois temas pra na verdade falar de ambos, a grande paranoia da humanidade, cuja única mudança até hoje é ter perdido um acento agudo.
"Peixuxa (O Amiguinho dos Peixes)" (Raul / Marcelo Motta)
Versãozinha dos Beatles, o tema bem infantil nos faz pensar naqueles desenhos animados no fundo do mar. A criançada conhece o Peixuxa, um guardião que espeta com seu tridente aqueles que poluem o mar. Mas os adultos percebem que Raul faz uma crítica aos políticos, que "não são peixes mas não morrem afogados". Políticos que na frente de todo mundo dão bom dia e boa noite, mas longe das câmeras não oferecem nada de bom: "se não é dia, e se não é noite / Peixuxa amavelmente dá maresia" (Maresia é a borrifação altamente corrosiva causada pelo quebrar das ondas na praia)
"É Fim de Mês" (Raul)
Misturada de ritmos, começa com uma macumba, vai pro baião, ritmos latinos, e termina num rock. Raul debocha da manipulação que sofremos do sistema capitalista, desde o "agendamento" imposto pela data do salário, até comportamentos, marcas, até o próprio trabalho do psiquiatra que, na visão dele, não faz senão te convencer que aquilo tudo é o melhor pra você.
"Sunseed" (Raul / Spacey Glow (Glória Vaquer))
Alguns dizem que esta balada lenta é dedicada à filha dele, Scarlet, que nasceu em 1976, uma época turbulenta e complicada. Mas não tem problema, não é o fim de tudo. Pois com essa "semente de girassol" (sunflower - não é semente do Sol, como todo mundo pensa), Raul pode até mesmo rir em frente à tempestade.
"Caminhos II" (Raul / Paulo / Eládio Gilbraz)
Releitura da faixa anterior, com partes da mesma letra. Porém num clima muito mais tenso. Mas a mensagem é mantida: os caminhos e as opiniões são múltiplas e desencontradas, mas no final tudo acaba se resolvendo pois tudo segue seu curso natural. Determinismo pouco é bobagem!
"Novo Aeon" (Raul / Cláudio Roberto / Marcelo Motta)
A faixa anterior aparentemente era o fim do disco, mas Raul incluiu uma última faixa, voltando a falar da Sociedade Alternativa. Uma esperança em perceber que os tempos, finalmente, estão começando a mudar, e mais uma explicação pra quem ainda não entendeu (no caso, os militares, que pelo jeito ainda estavam de olho no Raulzito): "querer o meu não é roubar o seu / pois o que eu quero é só em função de eu"
Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube:
E é isso!