quinta-feira, 29 de maio de 2014

Raul Seixas 18 - "O Rebu" (1974) + Extras

Oi, eu sou o Salinas! Como vimos, Raul Seixas nos deixou um total de 17 discos de estúdio. Claro que nesses 22 anos (1967-1989) ele fez mais umas coisinhas aqui e ali. No auge da fama, foi chamado pela Globo pra fazer a trilha sonora da novela "O Rebu", que vamos comentar aqui (a trilha, não a novela). Neste post colocarei também os links de cada música no Youtube: é só clicar nas notas musicais.

"Como Vovó Já Dizia" (Raul / Paulo) 

"É tanta coisa no menu, que eu nem sei o que comer", ou no caso, por onde começar! Essa famosa letra foi refeita mais de uma vez, pois tinha tanta mensagem lá no meio que não passava de jeito nenhum pela censura. Raul parte dos antigos "conselhos de vó" pra dar várias cacetadinhas na ditadura, que no começo dos 70's estava no auge. Já de cara "quem não tem colírio usa óculos escuro" parece apologia às drogas, já que o ~olho vermelho~ se resolve com colírio, mas dá pra esconder com óculos escuro. Mas na real, quem não tem o colírio da informação, da educação, da visão politizada, acaba só com os ~óculos escuros~ do consumo conformista. "Quem não tem papel, dá recado pelo muro", que virou "Quem não tem visão bate a cara contra o muro", nem vou comentar, hehe. "A serpente está na terra e o programa está no ar", ou seja, uma situação de merda dessa e geral preocupada com o que passa na TV. Fora o "tanto pé na nossa frente que não sabe como andar", que os milicos deixaram passar, quando Raul dizia que eles não sabiam ~comandar~! O tal "José Newton" não é senão o próprio Isaac, sim, o da Lei da gravidade: ~quem~ você acha que pra ele "tem que descer"? E ainda, anarquista, inverte o ônus da prova na Cigarra e a Formiga pra dar a real sobre o ~valor do trabalho abnegado e altruísta~, tão idolatrado pelo patrão.

"Porque" (Raul / Paulo) 

Levadinha crescendo no baixo e bateria, cantada pela Sonia Santos. As subidas na levada lembram um pouco Dentadura Postiça. Provavelmente Raul reaproveitou a ideia pra novela, mas claro, mudando a letra. As várias perguntas de porquês são exemplo do espírito crítico que todos deveriam ter. Criticar não é ficar botando defeito como alguns pensam, e sim buscar sempre os "porquês" das coisas, não aceitá-las como verdades absolutas. Claro que pra passar na Globo os exemplos tem que ser mais simples, né...

"Planos de Papel" (Raul) 

Esta ficou guardada um bom tempo, pois foi sair apenas no Mata Virgem (já comentado), cinco anos depois. Aqui cantada pela Alcione.

"Catherine" (Paulo) 

Neste instrumental orquestral, melodia de strings numa cama grave no piano. Usada como tema incidental para cenas de romance, etc. O que explica o andamento mais lento e a simplicidade relativa do arranjo, para o som não ficar se degladiando com eventuais diálogos.

"Murungando" (Raul) 

Agora volta a batida bem brasileira, o baixão malandro no fundão, percussão bacanosa, e aquela queixada! Com certeza foi o tema do "núcleo pobre" da novela, pensando no conhecido ~padrão globo de qualidade~, sempre tem o núcleo pobre pra ~gerar identificação na classe C~. "Levanta a cabeça", mamãe, papai, vovô, e acorda pra vida dura de trabalho, todo dia, esperança no futuro etc... mas opa, olha lá no meio um Raulseixístico "Levanta a cabeça povão!" Tá me entendendo né?

"O Rebu" (Raul / Paulo)

Tema instrumental de abertura. Aquela pegada 70's no baixo, clima de suspense e perseguição, aquela cara de novela "séria" das 8. Lá pelo meio cai num 3/4 poético e parisiense, parque de diversões.

"Salve a Mocidade" (Luiz Reis)

Eitcha, que agora vem a bateria da Mocidade, "não existe mais quente"! Sambão da melhor qualidade, com metais, e aquelas viradinhas de bateria com pratinho (aquele pratinho nas viradas de samba é demais....) E nem podia ser diferente, pois o Mestre André citado é "apenas" o inventor da paradinha de bateria.

"Um Som Para Laio" (Raul)

A mesma levadinha no baixo foi reaproveitada na faixa-título de Abre-te Sésamo, seis anos depois. Olha aí o Raul valorizando as boas ideias de sua banda! (ou só jogando no "vai essa mesmo", hehe) Raul freudiano lembra a história do Édipo. (Esse cara nasceu filho do rei de Tebas, Laio. O oráculo disse que ele mataria o pai e desposaria a mãe. O paizão apavorado resolveu abandoná-lo bem longe, ufa, problema resolvido. Anos depois, aparece um estranho em Tebas que tromba com o Laio, briga com ele e o mata. Mais tarde derrota a Esfinge respondendo seu enigma, e ganha como recompensa o trono de Tebas e a viúva Jocasta. Adivinha quem era o estranho... pois é, coisa de novela das 8, mas dois milênios antes) Freud mais tarde usou essa história como metáfora para explicar o conflito entre o ego e o superego. Sim, o superego é a "guitarra que toca sem parar" na cabeça do Raul, e na de todos nós. Falando coisas que "ouvimos a cem anos atrás" mas que não conseguimos ignorar.

"Se O Rádio Não Toca" (Raul / Paulo)

Levada minimalista no 1-4-5 com guitarra e baixo e olhe lá. Dá a solução mais simples para os problemas: "é só mudar de estação". Lendo isso politicamente: se não está contente, é só sair do País. Mas quem disse que não dá pra mudar a  ~música~ que toca na rádio?

"Água Viva" (Raul / Paulo)

Lançada também em Gita (já comentado), foi aproveitada na novela.

"Tema Dançante" (Roberto Menescal)

Instrumental com levada jazz, só no tecladinho, com metais nos solos. Aquela coisa bem sofisticação 50's, aeroporto, modernidade brasil, bossa nova.

"Vida A Prestação" (Raul / Paulo)

Percussão enlouqueceu! O ritmo frenético reproduz o ritmo da própria vida moderna, a loucura de trabalho, horário, trânsito, feriados, consumo, que esconde a vida se esvaindo mês a mês: "Não interessa a linda princesa / Que vem em sonhos lhe perturbar / Os sonhos morrem ao nascer do dia"

"Senha" (Paulo)

Outro instrumental. Na verdade um remake do tema principal, um pouco mais rápida. Corta para uma levadinha eletrônica parecendo videogame antigo, marchinha para crianças. Depois volta o rock, meio clubby, com acordes no hammond.

"Trambique" (Adilson Manhães / João Roberto Kelly)

Pra finalizar, um sambinha do morro. Conta a história de mil Rauls, Pedros, Joões, Antonios, "pretos, pobres, mas gentes", operários, que batalham na fábrica, vivem de salário, e aproveitam qualquer oportunidade pra ganhar algum. Tudo pela "nega que me chama de amor".

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo, desta vez vai ficar chupando o dedo, pois não tem no Youtube o álbum completo. Mas nas músicas tem o link pra cada uma delas.

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(Agora faça de conta que tem uma pausa de uns 3 minutos e meio, e depois continue lendo sobre as ~faixas secretas~. Aproveite pra ir no banheiro, ou tomar um copo de Coca na geladeira, ou fumar um cigarro, ou ir fazer um carinho na sua namorada lá no sofá... ela já tá até com ciúmes do Raul.)

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Por fim, tem algumas músicas do Mestre que não apareceram em nenhum dos 17 discos, apenas em compilações, discos ao vivo, ou mesmo postumamente. Dei uma passada nesses discos e pesquei estes clássicos, que decerto fazem parte também do "cânone original":

"Let Me Sing Let Me Sing"  

Puta som do caralho, rockabilly pra ninguém botar defeito, misturado com o brasileiríssimo baião! Com certeza botou a casa abaixo no Festival de 72. Começa com a deliciosa explicação do próprio Raul sobre os apelidos da família, e conta uns casos dos tempos de Jerry Adriani e Raulzito e os Panteras, o "conjunto mais quente da Bahia". E de certa forma resume toda sua obra: "Não vim aqui falar dos seus problemas / O seu Messias ainda não chegou", com mais "Não vou cantar como a cigarra canta / Mas desse meu canto não lhe abro mão" (no sentido de cantar não só pra fazer festinha, mas para protestar, denunciar, espalhar uma mensagem), e mais "Não vim aqui querendo provar nada / Não tenho nada pra dizer também / Só vim curtir meu rockzinho antigo / Que não tem perigo de assustar ninguém"... enfim, a esta altura não tenho muito que explicar. Isso define o Raul.

"Barefoot Ballad" 

Gaitinha preguiçosa, "todo mundo batendo palma, bem cowboy", é a balada dos pés descalços, homenagem ao clássico do Elvis. Passaria sem problemas em Nashville, countryzão daqueles, com uma pitada de rock.

"Caroço de Manga"

Rockzão do bom, porrada! Começa como uma declaração de amor muito da pauzuda, mas depois aparece conteúdo político. Na real ele fala do sistema que consome a fruta e deixa só o caroço pro povão, que "faz tudo que ele quer". A solução é "pegar essa motocicleta e ir mostrar quem é você", é arregaçar as mangas e ter atitude, não ficar em frente à TV embasbacado consumindo, com os olhos cegos do povo-morcego.

"Eterno Carnaval"

Marchinha de carnaval. Raul quer brincar não por 4 dias, mas o ano todo! Na verdade, será que já não estamos brincando o ano inteiro? Os patrões como arlequins e o povão, os eternos pierrots, sempre chupando o dedo, cada vez mais.

"Love is Magick"

Cançãozinha de amor 80s, total ~música de motel~. Love is isso, Love is aquilo... e no fim Love is Gloria, "the Glory Glow of love". (mas depois foi Tania, depois foi Kika, depois foi Lena... e essas são as ~documentadas~ kkk) É muito amor, Braziw...

"Não Pare na Pista"

Rockzão psicodélico, na pegada total do LSD e sei lá mais o quê. É outra daquela minha velha pasta de mp3, foi uma das primeiras que curti também. "O mundo girando e a gente parado": produção, tem mesmo que explicar o quê que tá rolando? "Meu bem me dê a mão, que eu vou te levar, sem carro e sem medo, pra outro lugar". Só tem um perigo: "se você para o carro pode te pegar", ou no caso a ~bad~ que vem depois, hehe...

"Faça Fuce Force"

Jazz lentão, pesado, sax comendo solto. Raul misturando papo de drogado com filosofia. Aqui só tem do bom! Também tem a leitura "do bem" tipo auto-ajuda, faça qualquer coisa, você consegue, "não fique na fossa". Mas ele tá falando das portas da percepção, dos estados alterados da mente, coisas que só se consegue com certas ~substâncias~. Também de abrir as portas do domínio político, se libertar desses enganadores que falam, prometem, defendem, mas no fim só querem seu dinheiro mesmo. Por fim, cita os céticos em "Que o mel é doce / É coisa que eu me nego afirmar / Mas que parece doce / Isso eu afirmo plenamente". O mel apenas tem certas substâncias que a língua interpreta como sendo doce, mas isso não significa que seja realmente doce. Embora possa significar: o ponto é que não dá pra saber. Será que o doce é uma característica do mel ou só a forma como o sentimos?

"Muita Estrela, Pouca Constelação"

A faixa que abriu a porta do Raul pela última vez. Marcelo Nova gravava seu disco Duplo Sentido com o Camisa de Vênus, e chamou Raul para uma participação. Rockzão com saxofone, Marceleza e Maluco Beleza dando um esculacho geral no showbizz, tirando sarro dessas "novas" ondas e modas que aparecem, sempre querendo beber na fonte do rock: punk, new wave, heavy metal, dark, junkie, nomes e mais nomes em inglês. Também pudera, "afinal lembra o que se faz na Inglaterra?" Isso porque quando Raul morreu ainda tava na lambada... ele não viu o sertanejo, pagode, emos, from uk e tantos outros que vieram depois, "posando de artista" sendo considerados "a verdadeira cultura popular" (se bem que é um grande debate: mais detalhes aqui e aqui). Nova teve (e ainda tem) que amargar esse desgosto sozinho...

"Anarkilópolis"

Claro, deixei pro final a "faixa secreta" do Raul. Ele compôs a letra mas não a gravou. Em vez disso, em 1987 ele alterou a letra e gravou como Cowboy Fora da Lei (já comentada). Mas o original ficou lá guardado, e em 2003 foi finalmente relançada como faixa-título de um disco só com "lados B". Também é conhecida como "Cowboy Fora da Lei número 2". Levada Raulseixística com rabeca na veia, pra dar aquela cara de faroeste mesmo. Solinho de pancadaria e tudo! Raul conta a história de quando recebeu uma carta lá de Anarkilópolis, onde o xerife era seu amigo James Adean (uma homenagem ao ator que tanto lhe inspirou nos tempos de molecagem) e onde todo mundo era livre pra ~fazer o que quisesse~... mas era uma armadilha!

E com isso completamos a discografia do mestre Raul Seixas. Foi muito bacana pra mim passar por todas as faixas, DISCO A DISCO. É a minha primeira discografia completa, e mesmo depois de outras 15, já estarei bem melhor nisso, mas sempre terei muito carinho por esta. Ter que escrever algo sobre cada uma das músicas é um tremendo exercício: buscar o significado, perguntar por aí, "putz só falei da letra, não vou falar desse som?", enfim espremer a cabeça até sair uma gotinha de alguma coisa, e espero que não tenha saído nada muito amargo ou azedo. No próximo post vamos (tentar) fazer um encerramento digno do Raulzito, imaginando como seria se ele ainda fosse vivo. O que teria feito, o que teria cantado, quantas esposas e filhas teria "acumulado" etc.

Até lá!


7 comentários:

  1. Mano, parabéns. Não só pela discografia terminada, mas pelo trabalho cuidadoso e feito com dedicação. Vc deu um baile na geral aqui do blog, escreveu bastante, escreveu bem, foi pontual. Sensacional, brow. E que venha a próxima!

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    1. Valeu Caio! Mas ainda não acabou não... tem um último post imaginando como seria se Raul estivesse vivo, o que teria feito, o que teria pensado, e mais umas coisinhas. Quinta-feira!!!

      Abraço!

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  2. Cara, na boa, matou a pau!
    Fez jus à obra de Raulzito. Parabéns!

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  3. Gostaria de parabenizar o blog. Está de parabéns, ótimas análises. Ganhou mais um seguidor.

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