quinta-feira, 8 de maio de 2014

Raul Seixas 15 - Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum! (1987)

Oi, eu sou o Salinas! Em 1987 Raul já não andava bem, e não aparecia ao vivo há dois anos. Afundado na bebida e agora também nas drogas. Kika tinha caído fora, não queria mais saber dele. As gravadoras também não lhe davam mais crédito, já que seu último disco fez pouco sucesso. Até que a Copacabana resolveu lhe dar mais uma chance.

Parece que com este disco a sorte sorri ainda uma vez mais para Raul. (Nessa mesma época ele conhece Lena Coutinho, que será sua última companheira.) É o primeiro disco de Raul feito depois da ditadura finalmente acabar. O que não significa que as críticas tenham acabado. Ele continua pensando na situação do país e em seus questionamentos filosóficos. Mas não tem como não perceber um cheiro de "vai essa mesmo", tipo colcha de retalhos: pegou o que andava fazendo, juntou com mais uma ou outra guardada na gaveta, e pronto, "Larga Ricky!" (Ricky Ferreira tocou praticamente tudo neste disco -- com exceção do baixo e bateria, e em algumas faixas guitarra -- e também criou os arranjos, mixou e ajudou Raul na produção)



"Abertura / Quando Acabar o Maluco Sou Eu" (Raul / Lena / Cláudio)

O disco começa com uma batida de batera, meio grave e séria, interrompida subitamente pelo Raulzão mandando o título, no melhor estilo Elvis! É pra quem leu a capa do disco e não entendeu nada. Raul deve ter ouvido poucas e boas nos últimos anos, ainda mais por causa da bebedeira. Fala sobre viver sem questionar o que vive, aceitando só a versão dos jornais, citando de passagem a Guerra Fria com suas bombas, que pouco afetam o "seu Zé preocupado" com coisas prosaicas, diferente dele que era sempre quem levava a "culpa" por dizer o que pensava em suas letras. Lembra ainda a Balada do Louco, e pede ~desculpas~ irônicas pelo que fez no passado com os milicos, afinal "é tudo gente fina, meu advogado jura" (sei...)  E no final, "é... a coisa tá assim...", não sei por que, eu sempre tenho a impressão que ele vai falar mais alguma coisa.

"Cowboy Fora da Lei" (Raul / Cláudio)

O outro hit do disco, teve até clip na Grobo. Apesar da temática de faroeste, Raul fala sobre pacifismo e guerras. Não há necessidade de morrer numa guerra, ou "dependurado numa cruz" ou do jeito que for, só pra "servir à pátria amada" ou "entrar pra história". E nas entrelinhas ele conta o caso de J. F. Kennedy, que foi assassinado em 1963. Uma das teses é que Kennedy foi assassinado a mando dos republicanos, pois viu que a coisa estava feia e tentou retirar as tropas americanas do Vietnã. (retirar as tropas, em vez de vencer fodonamente, seria uma vergonha sem precedentes para a terra da liberdade, mas no fim os americanos apanharam até não poder mais, e a retirada foi feita do mesmo jeito, por Nixon -- um republicano). O mesmo aconteceu com Tancredo Neves, o primeiro presidente eleito após da ditadura, mas que morreu antes de assumir (porém por doença, não assassinato). E Raul não queria esse mesmo fim pra ele, fugindo do poder e de grandes posições. Talvez com isso ele esteja fugindo também do status de ~mestre, guru, profeta~ que vinham dando a ele há vários anos.

"Paranóia II (Baby Baby Baby)" (Raul / Lena / Cláudio)

A princípio um remake da "Paranóia" que ele gravou lá atrás, mas na verdade ele aproveita apenas a levada repetitiva, referindo-se aos momentos de abstinência de cocaína. Em biografias, Kika Seixas afirma que, não sabendo mais como esconder a droga de seu marido, resolve colocá-la num saquinho e engoli-la, portanto "escondendo-a na barriga". Mas essa busca incessante pode ter uma leitura mais fatalista, ele pode estar procurando desesperadamente um sentido para a vida que ele vê se esgotando depressa, e esse sentido pode estar em sua descendência. Mas é estranho ele pensar nisso já com três filhas (Simone, com Edith; Scarlet, com Glória Vaquer; e Vivian, com Kika). Eu fico com a leitura drogada...

"I Am (Gita)" (Raul)

Versão em inglês da clássica Gita, mudando um pouco os versos para rimar mas mantendo a ideia geral, e citando também a Lei de Thelema, juntando em uma só letra o Bhagavad-Gita com o Livro da Lei, que para ele foram duas importante influências desde os tempos da Sociedade Alternativa.

"Cambalache" (Enrique Discépolo / Versão: Raul Seixas)

Este é um famoso tango argentino (pleonasmo?), escrito por Enrique Discépolo mas regravado por Carlos Gardel, Julio Sosa y otros también. Raul traduz a letra para o português, apenas alterando aqui e ali para manter as rimas, e trocando alguns dos nomes citados. Mas mantendo a ideia geral: o desgosto com a situação geral do mundo, e da falta de confiança, escrúpulos e altruísmo entre as pessoas.

"Loba" (Raul / Lena / Cláudio)

Raul compõe aqui sua versão de Lolita. Usa desde timbres de teclado até recursos de linguagem, como repetição de sílabas e um trava-língua com cara de tatibitate em "índole de loba libidinosa" para criar a atmosfera infantil. Raul fala sobre os encantos escondidos dessa que devia ser apenas uma menininha, mas já sabe muito mais do que aparenta. E pelo jeito Raul cai nessa armadilha. Terá ele se envolvido com as novinhas nessa fase junkie?

"Canceriano sem Lar (Clínica Tobias Blues)" (Raul)

O bom e velho rockabilly, lentão com aquele cheiro do jazz que o originou. Sim, Raul fala de si mesmo, canceriano (21'jun a 20'jul - ele é de 28'jun), doente, agora separado, sozinho, "sentado em minha cama / tomando meu café pra fumar". Uma tal Clinica Tobias existe mesmo, só não se sabe se é a mesma que ele teria frequentado, provavelmente para tentar se livrar das drogas. Afinal, onde mais Raul tomaria um simples e inocente café antes de um mais simples e inocente ainda cigarrinho? (na época né) Mas, mais que tudo, ele expressa a tristeza, solidão e monotonia de seus últimos anos: "Pergunto à nuvem preta / quando o sol vai brilhar".

"Gente" (Raul / Cláudio)

A minha faixa favorita do disco! No meio de sua solidão, ele pensa em sua condição humana e por que chegou a este ponto. Por que nunca estamos satisfeitos, mesmo com conforto material? Claro, no caso dele as coisas de fato iam mal, mas mesmo se estivessem bem, se ele estivesse saudável e com uma família e amigos reais, ainda assim alguma coisa estaria faltando. Nunca vai estar perfeito, nunca vai estar bom. Claro, pois gente (como ele, eu e você) não foi feito pra trabalhar, pra ficar deitado olhando pro teto ou pra se conformar. Não, "gente nasceu pra querer"!

"Cantar" (Raul / Cláudio)

Raul cita algumas de suas letras anteriores, como Ouro de Tolo, Mosca na Sopa, Maluco Beleza e Eu Também Vou Reclamar. Estará ele passando o bastão? Agora que viu seu grande inimigo caindo, os militares, e já no fim da vida, está cansado de joguinhos e significados ocultos, e agora vai "cantar por cantar", o que der na telha. Ou estará ele se referindo à censura que não existe mais?


Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nos bons ramos da casa pode quebrar o Youtube no galho:



E é isso!


2 comentários:

  1. Não sei o que comentar desse disco... Acho tão "superficial", perto de tudo que o Raul já tinha feito. Claro, as circunstâncias eram fodas, mas enfim... Pelo menos colocou o cara pra trabalhar de novo.

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  2. "Quando acabar..." e "Cowboy Fora-da-lei" valem o disco.
    E ainda tem "Canceriano sem Lar" e a versão de "Cambalache". Enfim, um "baita" disco.
    Frase favorita: "Eu não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz"

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