quinta-feira, 15 de maio de 2014

Raul Seixas 16 - A Pedra do Gênesis (1988)

Oi, eu sou o Salinas! Este é o último disco solo do Raul. (Sim, ele ainda fará um próximo disco, mas com Marcelo Nova. Do Raul, dele dele mesmo, acabou aqui.) Ou seja, ele teve um último lampejo no fim da vida e conseguiu sair do ostracismo, deixando este mundo pela porta da frente. Seu álbum anterior acabou fazendo certo sucesso e lhe garantiu uma sequência na gravadora Copacabana.

Contudo, a saúde ia de mal a pior. Aqui ele já estava bem debilitado, a coisa já tava ficando difícil. Em Mata Virgem (1980), lá atrás, ficou marcado pelo começo da queda. Década abaixo, ano a ano aumentava a consciência de seus dias contados. E na Pedra do Gênesis ele escreve seu canto do cisne, "usando suas forças em um magnífico trabalho final". (ok, nem tão magnifíco assim... o disco nem fez lá tanto sucesso... mas eu vi isso na wiki sobre o canto do cisne e achei tão lindo q quis compartilhar. Essas coisas de despedida e morte me emocionam :'-) )  

Ele lembra ainda uma vez a Sociedade Alternativa, e traz versões de outros clássicos, um de Rita Lee e um de Ringo Starr. Além disso há parcerias com Lena Coutinho, sua companheira nesses últimos anos cinzentos, Cláudio Roberto, e José Roberto Abrahão.

Uma curiosidade é a famosa levadinha, que eu chamo de "Raulseixística". Aquele rockzinho 2/4, com guitarra slide e cara de country, aparece com mais frequência neste disco, em 4 faixas: "A Pedra do Gênesis", "Check-Up", "Fazendo o Que o Diabo Gosta" e "I Don't Really Need You Anymore". Por outro lado, a fragilidade de Raul é nítida em todo o disco: ele tenta cantar o melhor que pode, mas sua presença é pálida comparada ao Raul vivo de Gita e de Há Dez Mil Anos Atrás.

"A Pedra do Gênesis" (Raul / Lena / Abrahão)

Numa entrada no baixo, Raul narra a história misteriosa da tal ~Pedra do Gênesis~, que no fim das contas, simplesmente não existe. Os religiosos acham que a "pedra" é uma metáfora pra Cristo, já viu né... dá até preguiça. Raul jamais se daria ao trabalho de atacar individualmente a igreja católica, não desse jeito. (Ele até faz isso, mas muito mais sutil, relativista, e interessante) Não existem Pedras, sejam do gênesis ou do apocalipse ou do que for: é você que tem que correr atrás dos seus sonhos. Nada vai cair do céu (ou no caso, surgir do oceano dentro de um baú). Mas no fim das contas, somos todos irrelevantes: o mundo continua girando, não importa se você vence a guerra ou só o jogo da velha.

"A Lei" (Raul)

Raul voltou aos tempos de Sociedade Alternativa, pela qual batalhou, foi torturado, e que no final não virou mais que um refrão repetido por bêbados carregando violões e fumando maconha pelos matagais do Brasil. Explicou no detalhe que "fazer o que quiser" também não é sair por aí enlouquecido sem limites. É a antítese das leis, ~divinas~ ou ~reais~, que determinavam aspectos comezinhos da vida, sobre o vestir, o comer, o trabalhar, o brincar, o amar, etc. É só isso! E no fim das contas, a vida não deveria ser só isso? Pobre Raul, incompreendido na vida e mesmo após a morte.

"Check-up" (Raul)

Mais um depoimento sobre sua situação nada boa. Raul discorre sobre as drogas que consumia, mas desta vez as lícitas: os remédios pra isso e pra aquilo que no fim não resolveram nada (mas claro que ele também não fez a parte dele, né). A indústria não gostou muito das citações ao Dienpax (tranquilizante), Valium (sonífero) e Tryptanol (antidepressivo), e a música foi censurada, então Raul trocou pelos fictícios Kirindrox, Discomel e Ploct-plux 25mg, "indo dormir quase em paz", ou seja, dormindo um sono artificial. Sobre os livros, com "Alice no País das Maravilhas" (com todo aquele surrealismo e maluquices) ele faz um paralelo aos ~estados alterados de consciência~ que experimentava com essas porcarias: haja bad trip, misturando pílula e injeção com "carreirinha", mais uma garrafa de pinga como ~café da manhã~, vish só merda. E com "Laranja Mecânica" (cuja moral é que a violência só gera violência, e tudo que você faz retorna pra você) ele acusa o maior culpado da situação em que se encontra: ele mesmo.

"Fazendo o Que o Diabo Gosta" (Raul / Lena)

Mas, mesmo nessa situação cachorral do coitado do Raul, tinha pelo menos a Lena pra aliviar a situação né... a namoradinha pô! Essa foi a última declaraçãozinha marota de amor dele... um "casamento de motel", sujo, rápido, desesperado, tentando aproveitar ~até a última gota~ do homem Raul. Destaque para a repetição da palavra "tesão"... eu acho que foi de pirraça, já que o tal "dicionário da censura", se é que existia, não valia mais.

"Cavalos Calados" (Raul)

Com uma pegada parecida com a "Todo Mundo Explica", mas mais lenta e grave, de novo Raul pensa na morte. Aqui ele descreve o exato momento, aquela tensão, os médicos, o pi-pi-piiiii da máquina... o "óleo diesel escorrendo" é um eufemismo para o ~álcool~ circulando lá dentro dele. "A minha morte é a sua sorte", seus milicos, porque o "seu durex já não cola". Agora estão felizes, comigo a menos enchendo o saco. Reza a lenda que o cavalo velho, quando percebe que vai morrer, procura um cantinho a salvo de predadores e fica lá quietinho... calado.

"Não Quero mais Andar na Contramão (No No Song)" (David P. Jackson / Hoyt Axton - Versão: Raul / Lena)

A minha favorita do disco! (a canção-título fica em segundo por um nariz de diferença) Num lampejo de bom humor, Raul faz mais uma "versão brasileira", desta vez do Ringo Starr. Sim, o baterista dos Beatles, que é multi-instrumentista, também deu suas tacadas como cantor. Os caras ficam trazendo coisas ~bacanas~ pro Ringo/Raul experimentar, mas ele não tá mais a fim. Não sei do Ringo, mas o Raul, coitado, já tá com o pé na cova, nêgo ainda vem querendo detonar... Raul traduziu tudo na letra, mudando apenas poucas palavras pra manter a métrica e rimas. Até a ~cafungada~ de cocaína ficou igualzinha.

"I Don't Really Need You Anymore" (Raul / Cláudio)

Uma declaraçãozinha de amor marota, só que ao contrário (por isso eu disse que a "Fazendo o que o Diabo Gosta" era a última). Provavelmente endereçada à Kika, Raul deixa claro que ela pode ir quando quiser. Claro que era blefe... ele não aguenta ficar sozinho, mas como agora tinha a Lena, tava tudo certo né.

"Lua Bonita" (Zé do Norte / Zé Martins)

Procurei sobre a Lena Coutinho mas não consegui muita coisa. Me parece que ela já era casada e com 2 filhos quando conheceu Raul. E ele se apaixonou, a ponto de compará-la com a Lua, lá em cima, pisoteada por São Jorge. Se bem que "lá em cima" também pode ser os Estados Unidos, e nesse caso a "Lua" seria Edith Wisner, a primeira esposa de Raul, que o largou durante o exílio levando a filha Simone embora, e que segundo relatos foi seu grande amor. Lá, ela se casou com outro homem, que Raul compara a São Jorge. Agora, pra ele fazer isso quer dizer que por algum motivo tinha admiração por esse cara. Mas como, se nem a própria Edith ele nunca mais viu? Mistérios indecifrados, mais ocultos que a Pedra do Gênesis no fundo do oceano...

"Senhora Dona Persona (Pesadelo Mitológico nº 3)" (Raul / Lena)

Raul, em seu último casamento, consciente de que seu tempo é curto, quer ter um último filho, pelo menos um pra valer como descendência, do único relacionamento que lhe restou. Já que as outras três filhas (Simone, Scarlet e Vivian), ficaram-lhe contrárias após as brigas com suas respectivas mães (Edith, Glória e Kika). Mas será que sua saúde ia tão mal que não já conseguia engravidar Lena?

"Areia da Ampulheta" (Raul)

Por fim, mais uma vez Raul tenta fechar um disco "sabendo" que será o último. Seu tempo escorre lenta mas rapidamente, a "areia da ampulheta" dele é pouquinha... a "balança" do mundo já "não o aguenta", ele sabe. "O vagabundo conformado" se vê como igual entre tantas pessoas e personagens do Brasil, desde o "Cachaceiro mal amado" (o que achava ter se tornado no fim da vida) até o "pivete encurralado" (quando perseguido pelos militares) ou o "boi diário servido em pratos" (depois de transformado em produto vendedor de ~discos de ouro~). E no fim, busca a cumplicidade do ouvinte, ao sair do foco de luz, presumia ele, pela última vez: "Mas o que carrega a sua bandeira / De todo o lugar o mais desonrado / Nascido no lugar errado / Eu sou, eu sou você".

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode galhar o quebro no Youtube:



E é isso!


2 comentários:

  1. Lua Bonita não é composição do Raul, então, não há porque tentar aplicar a letra à vida de Raul (eu acho). A composição original é de Zé do Norte:
    https://www.youtube.com/watch?v=WhrZEp_RK8c

    Agora, me responde uma coisa: lá no início do post está escrito que o disco traz versões de dois clássico,s um do Ringo e um da Rita Lee.
    Não achei o da Rita Lee.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir