Oi, eu sou o Salinas! Neste disco, agora pra valer com a nova formação, os quatro resolvem dar uma guinada total em termos de estilo. Por um lado eles tentavam sempre abocanhar o máximo de público possível. Mas por outro, com a enxurrada de merchandising e produtos, mais os últimos dois discos ~diferentes~, os fãs começavam a desconfiar do (até então não muito) óbvio: a banda só queria ganhar dinheiro em cima dos fãs! E a resposta veio: Dynasty e Unmasked venderam muito menos que os anteriores.
Aí chamaram de novo Bob Ezrin, que tinha produzido Destroyer, e de lá pra cá incluiu no seu currículo "apenas" o indiscutível The Wall. Bob não deixou por menos: pra recuperar o crédito com o público, o Kiss teria que fazer algo conceitual, artístico, e de uma vez por todas provar que não são só "rostinhos bonitos". O resultado foi esta incursão pelo rock progressivo, que conta uma história grandiosa e deixa as mulheres de lado, pelo menos uma vez.
O "novo funcionário" Eric Carr queria mostrar serviço, e até violão tocou na faixa Under The Rose. Além disso, Ezrin queria fazer jus a seu histórico, Anton Fig tava lá pra ajudar na bateria e percussão, e até Lou Reed (in memoriam) deu um empurrão com algumas letras. Com esse time, não tinha como dar errado. Ace Frehley foi o único que não gostou muito, mas era voto vencido. O guitarrista acabou sucumbindo à insatisfação acumulada há anos: este foi o último disco com o Space Ace.
No fim das contas, eles mesmos não botaram muita fé no disco pronto: não houve turnê, só uns poucos shows de divulgação. Até hoje existem dois grupos entre os fãs: os que acham que este é o melhor disco do Kiss, e os que acham que este disco é o pior. Mas com o tempo, a opinião da crítica prevaleceu sobre a do público, e os fãs tardios (como eu) passaram a respeitar muito mais este ponto fora da curva, que concentra todo o brilho criativo de quatro roqueiros. E fazendo justiça a esta obra-prima, um filme irá contar a mesma história do disco (ou pelo menos pretende... o site oficial não funcionou quando este humilde escriba tentou consultá-lo).
"The Oath" (Ace, Eric)
O disco começa com o pé no peito, cavalgada na guitarra e vocais poderosos do Paul. A letra, combinando com o som, não fala das habituais mulheres, relacionamentos e rolês por aí. "Como lâmina da espada, forjado em chamas", Paul, em seu cavalo, carregando os poderes do aço e do fogo, "avança para a história, compelido pelo invisível", e chega a uma antiga porta onde, num ritual, ele entra como um garoto e sai como um homem.
"Fanfare" (Bob Ezrin, Paul)
Instrumental. Naipes de sopros medievais anunciam algo importante prestes a acontecer. Acompanhe esta história incrível e emocionante!
"Just A Boy" (Bob Ezrin, Paul)
Um violão brilhante dá o ritmo: lento, constante, num balançar monótono. Num navio em plena tempestade, Paul começa sua longa viagem. Mas, mais preocupante do que a fúria das ondas, é a tempestade em sua mente: sentindo o peso de sua responsabilidade, percebe que "não é um herói, embora queira". Perscrutando as águas em busca de uma direção, mal sabe ele que "outros olhos o observam"... O vocal de Paul mostra seu alcance nos agudos. E seguindo a linha progressiva, esta música não termina...
"Dark Light" (Ace, Anton Fig, Gene, Lou Reed)
...mas, sem interrupção, cai num suspense de semitom no baixo, desaguando no rock de Ace Frehley, descrevendo as águas turvas e a "luz negra da ordem malevolente", os inimigos que buscam a "morte do amor". O nosso herói se questiona, "quem ele tenta enganar, senão a si mesmo"? Solo matador de guitarra, com percussão no bongô.
"Only You" (Gene)
O garoto procura seu misterioso tutor, interpretado por Gene. Mas este não lhe dá as respostas que procura, pois elas estão em seu próprio coração. Paul ainda não se convenceu do poder que carrega: "Por que o ouço? Se sou tudo o que diz, por que ainda me acovardo?" A linha harmônica passa muito forte essa ideia de busca, uma busca quase desesperada, uma corrida contra o tempo e contra o mal que se aproxima.
"Under The Rose" (Eric, Gene)
Chegou o momento da decisão. Apesar de puro e de ter sido o escolhido pela Ordem da Rosa, Paul deve se mostrar merecedor de confiança. Um coral masculino troveja na cabeça de Paul uma difícil decisão: será ele capaz de se sacrificar e "sob a Rosa" fazer seu juramento?
"A World Without Heroes" (Bob Ezrin, Gene, Lou Reed, Paul)
Uma das poucas canções na história em que Gene Simmons canta limpo e delicadamente... quase não dá pra reconhecer. Aqui ele interpreta nosso herói, recolhendo-se nos próprios pensamentos, e finalmente tomando uma decisão. Se não há outro para carregar esse peso, então que seja ele: "Um mundo sem heróis é um pássaro sem asas".
"Mr. Blackwell" (Gene, Lou Reed)
Finalmente, o grande confronto com Mr. Blackwell, o líder das forças malignas. O confronto sonoro se percebe claramente: o discurso de Blackwell se dá em estrofes pausadas, com longos intervalos entre cada verso, intercalados pelo baixo de Gene Simmons em Mi menor, talvez na linha mais grave que ele já tocou. Blackwell não se acha tão mau assim, apenas um "pecador que ama pecar", até um líder honesto, que desde o começo deixou claras suas intenções, "nunca quis ser mais do que é". E nos refrões aparece o nosso herói, que não se deixa enganar e sabe que ele está "podre até o caroço, uma verdadeira desgraça, que devia ser banida da raça humana". Solo de guitarra matador e pesadão, seguido por um estranho solo de sonoplastia e percussão, intercalado com um baixo aqui e ali, e os grunhidos distorcidos da besta-fera.
"Escape From The Island" (Ace, Bob Ezrin, Eric)
A cena da luta. Instrumental. Solo matador do Ace Frehley desde o começo, sirenes passando, todos em alerta total até a última fibra muscular. Ataques, defesas, esquivas precisas. Nosso herói quase cai num precipício durante a perseguição, logo após um rápido solo de bateria, com o suspense crescendo cada vez mais. Mas ele consegue dar a volta por cima, e reunindo todas as forças num golpe fulminante, enfim dá cabo de Mr Blackwell, e "escapa da ilha" no último momento em que ela explode em mil pedaços.
"Odyssey" (Tony Powers)
Depois de cumprir tão desafiadora tarefa, o nosso herói finalmente encontra a paz. Paul Stanley, num de seus melhores vocais como Intérprete de Linda Canção, acompanhado por uma orquestra, volta para casa sonhando com sua amada, com quem "ficou face a face incontáveis vezes, nos reinos do tempo e espaço". Lembra de seus sonhos com ela, em "noites luminescentes, raios de luz neon, voando pelo mar estrelado", e chegando a uma "alta montanha", onde poderiam finalmente ser... "garanhão e égua". Tinha que ser... um disco do Kiss jamais seria um disco do Kiss sem alguma referência sexual.
"I" (Bob Ezrin, Gene)
Créditos finais! O disco fecha bem pra cima, depois dessa espetacular aventura! E também história de superação: Gene e Paul se revezam nos vocais, dando a moral da história: um hino à auto-determinação, ao "acreditar em si mesmo", ao individualismo no último. O que importa é que "EU ACREDITO EM MIM!!!" (não, não vou fazer graça sobre o fato desta canção ter o título mais curto da história da música, rs...)
E no finalzinho do disco, como não poderia faltar num filme desse nível, uma cena escondida. Ao som do "leitmotif" da fanfarra do começo do disco, ouve-se os passos de Morpheus, o tutor do nosso herói, batendo à porta e se apresentando a seu senhor, que lhe questiona quanto ao garoto que acolheu, se "ainda o acha merecedor de pertencer à Camaradagem". Nem preciso dizer a resposta...
Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não quebrar o galho pode encontrar nos bons Youtubes do ramo!
E é isso!
Mano! Impressionante! Nunca imaginei q o Kiss pudesse soar assim... =O
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