quinta-feira, 1 de maio de 2014

Raul Seixas 14 - Metrô Linha 743 (1984)

Oi, eu sou o Salinas! Depois do sucesso do seu personagem Carimbador Maluco, no ano seguinte Raul conseguiu contrato com a Som Livre.

Mesmo com a ditadura finalmente acabada (ou não, mas isso é outro debate. Oficialmente ela acabou sim), Raul continua seus questionamentos e críticas sociais, inclusive aos próprios militares. Por outro lado, em plena explosão do B-Rock dos anos 80, ele chega a flertar com o teclado e usa bem menos guitarras. No entanto o disco faz pouco sucesso. Tá feia a coisa...

"Metrô Linha 743" (Raul)

Raul começa com uma levada no violão, contando a história típica dos anos da ditadura recém-encerrada (enterrada?). Encontra na rua um escritor que trabalha no cartório, lhe pede um cigarro, e é pego pela "polícia do pensamento", no melhor estilo Orwelliano. Em seguida, é decapitado e seu cérebro serve de refeição a um "senhor alinhado" que pôde pagar por essa finíssima iguaria (momento arrogância do Raul, hehehe), no melhor estilo surreal-antropofágico. É uma alegoria ao modus operandi da ditadura, que precifica as cabeças "avaliando seu nível mental", e pega apenas as cabeças que pensam, que ficam em desvantagem porque têm que parar para poder pensar. O escritor, sendo também trabalhador, não consegue parar pra pensar e assim consegue fugir. Mas Raul não escapou, mesmo com documentos e tudo em ordem, pois sua arma é seu cérebro pensante! "Mas o negócio aqui tá muito bandeira / Dá bandeira demais meu Deus / Cuidado brother, cuidado sábio senhor / É um conselho sério pra vocês"... claro que essa faixa estava escrita muito antes de ter sido gravada. Mas o foda de tudo, que faz Raul se revirar na cova, é que continua tudo igualzinho, apenas mais disfarçado. Que o digam os Amarildos, Cláudias, Adelires, DGs, e tantos outros presos, violados e assassinados, em protestos ou não, pelo Brasil afora/agora.

"Um Messias Indeciso" (Raul / Kika)

Durante a longa letra, um desavisado pensa estar ouvindo a história de Jesus Cristo. Raul pensando friamente e desvinculado de religiões, e vê em J.C. só um cara que tinha uma visão de mundo muito evoluída e tinha carisma pra chamar a atenção da galere. O pessoal começou a gostar das ideias dele e foi atrás, mas isso era justamente o que ele não queria. Ele só queria que cada um fosse capaz de andar com as próprias pernas, sem adorar a ninguém: "Mas foi sua própria voz que falou / Seja feita a sua vontade / Siga o seu próprio caminho / Pra ser feliz de verdade." Mas quanto mais ele falava isso, mais gente vinha atrás dele. Só depois você percebe que Raul está falando de si mesmo: ele jamais se viu como um profeta, mas seus fãs o viam dessa forma, pra desgosto do Maluco Beleza: "Aaaahhhhh, quantas ilusões!..."

"Meu Piano" (Raul / Claudio / Kika)

Solinho de sax sensacional! Já que agora é moda fazer pergunta de prova com música, hoje sou eu que vou perguntar: Do quê que o Raul está falando?
(  ) ele mudou os móveis de lugar e não sabe onde vai ficar o piano: "Já experimentei a casa inteira / E não achei um lugar pro meu piano"
(  ) ele tá compondo e não consegue acertar os acordes: "Num acorde sustenido / E o meu piano fora do lugar / Haja santo e haja vela / Mesmo assim a cinderela / Meia-noite vai desencantar"
(  ) na verdade esse ~piano~ é um baseado que ele escondeu e não tá achando
(  ) ele fala da época que não conseguia gravadora: "Entra ano e sai ano / Não cogito em fazer planos / E eu só gostei do quadro que não pintei!"
(  ) tem que ler a letra ao contrário, pois "Se virar de trás pra frente / Tanto fez como tanto faz" (é sério, fica mó loucura)


"Quero Ser o Homem Que Sou (Dizendo a Verdade)" (Raul / Kika / Adilson Simeoni)

De novo está falando de si mesmo. Alguém que se contradiz (e como!), ama e odeia, canta e ri, geme e chora, mas nunca usou máscaras, sempre falou o que pensou, e está tranquilo quanto à sua honestidade artística. Seria uma farpa para algum desafeto na música?

"Canção do Vento" (Raul / Kika)

Levada bem Brasil 80's com o tecladinho. Raul se refere aos "ventos" do futuro que vem chegando. Ele renova o desejo que fez lá atrás, na Dentadura Postiça. Quer que os ventos levem embora tudo de ruim que passou: "Vai, arrasta a chuva / Assanha estas nuvens de tempestade." E ao mesmo tempo melhore as coisas pra ele (aquele que "diz a verdade", da faixa anterior, lembra?): "Mas sopra doce o teu sopro / No rosto do moço que fala a verdade."

"Mamãe Eu Não Queria" (Raul)

A faixa que foi censurada pelos milicos. Agora já pode colocar no disco de boas, né? Raul desce o cacete no serviço militar obrigatório: "Se fosse tão bom assim, mainha / Não seria imposição, não (...) O exército é o único emprego pra quem não tem nenhuma vocação!!!" A letra é entremeada com sons, a princípio de tiros, mas que na real parecem chibatas. E termina com uma última chibatada ecoando.


"Mas I Love You (Pra Ser Feliz)" (Raul / Rick Ferreira)

Outra declaração de amor. Raul, que não queria ir pro quartel, pelo amor é capaz de trocar a música por um emprego subalterno. Estaria Kika aporrinhando Raul pelos problemas domésticos? Mas Raul trucou: ela é mulher do *R*a*u*l*S*e*i*x*a*s* e tá de mimimi por quê? Tome tento, mulé, quá, quá, quá... (só que no ano seguinte ela pediu seis, e aí Raul cedeu: ela pulou fora.)

"Eu Sou Egoísta" (Raul / Marcelo Motta)

Regravação sem-vergonha de um clássico. Sem-vergonha porque evidentemente é só pra completar disco... mas tá vai, ficou boa! Baixo nervoso carregando, violão e batera, mas sem os metais. E no final Raul tira onda com uns amigos lá dele: Caê, Caê de novo, Lennon, Dylan, e até um tal de Raul Seixas.

"O Trem das Sete" (Raul)

Outra regravação sem-vergonha. Também ficou boa, só no uníssono de vozes com violão, com um cheiro de 14 bis (ou será o próprio?), e depois a famosa levada meio country. Mas numa música de mais de 3 minutos, Raul canta apenas uma estrofe, depois fica só no "vocês" com o coro segurando o refrão. Pô, Raul, comida requentada, tá de brincadeira né...

"A Geração da Luz" (Raul / Kika)

E pra fechar o disco, Raul aposta todas as fichas na nova geração que vem chegando! Enquanto ele "ultrapassou a barreira do som", a próxima geração irá além: "tem a velocidade da luz pra alcançar"! Solinho daora de metais e tecladaiada... só chama atenção que "Eu vou, eu vou m'embora apostando em vocês / Meu testamento deixou minha lucidez." Esse tom de despedida deixa claro: ele sabia que a hora dele era próxima...

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube:



E é isso!


3 comentários:

  1. Esse disco tem duas das faixas que eu mais gosto: a faixa título e "Eu Sou Egoísta". O cara ainda tava com a filosofia em forma no meio dos anos 80.

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  2. Adorei o post.
    Só a análise da faixa-título já valeu. Mas o resto todo tá excelente.
    Apesar do pouco sucesso, acho um disco muito bom.
    Obs. A minha resposta para a pergunta sobre meu piano é N.D.A.

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