Nota:
7
Quando
você desce até o fundo do poço, o único caminho que resta é subir novamente!
Talvez, inconscientemente influenciados pelos resultados pífios de seu disco
anterior, “No Substance” (1998), o Bad Religion decidiu que era hora de
dar uma renovada legal no seu som
para o seu próximo esforço fonográfico. Dito isso, pode-se ter uma idéia de
como “The New America”, o 11º álbum de estúdio dos californianos,
ficou do jeito que ficou: pomposo, carregado demais na produção e com um
acento Pop fortíssimo!
Também
aconteceu de ser o último disco previsto
no contrato com a Atlantic Records,
e Greg Graffin e sua trupe aproveitaram bem as últimas “regalias” que estar
assinado com uma major pode oferecer.
Para produção, eles escolheram o old
school Todd Rundgren, um tiozão
famoso por emplacar alguns hits do Pop Rock dos Anos 70 (como “I Saw The Light”) e por produzir nomes
como Badfinger, New York Dolls, Meat Loaf,
entre outros.
Todd Rundgren e Greg Graffin no estúdio |
Graffin
provavelmente teve um grande dedo nessa escolha, já que ele sempre foi
declaradamente super fã de Rundgren, e havia mandado seu
disco solo “American Lesion” para
que ele escutar antes de se acertarem para o disco do BR. “Ele fazia música
Pop, mas de um jeito que você não ouve no rádio”, justificou o frontman, já
entregando o direcionamento que o Bad Rleigion estava tomando ao fechar com um “produtor
Pop”. “Muito da minha identidade musical na juventude esteve conectada com o
jeito que ele se comportava.”
GRAVAÇÃO
Aproveitando
os benefícios do “pacote gravadora major”,
em setembro de 1999 a banda viajou para
o Havaí, onde Rundgren morava, para seis semanas de gravação, com
intervalos para surfe (Jay), curtição na ilha (Brian e Hetson) e ecoturismo
(Graffin). Um galpão de um casal de idosos, nomeado no disco como ‘Victor’s Barn’, em Kauai, foi alugado para que a banda pudesse ensaiar e gravar algum
material.
BR com Todd Rundgren no estúdio |
Só
que essa proximidade com o produtor,
para uma banda Punk acostumada a fazer
tudo por si mesma desde sempre, azedou o caldo. “Não sentia que
estávamos chegando a algum lugar, assim como o Greg”, revelou, anos depois, o
baixista Jay Bentley (sempre ele dando
a real!). “Todd não gostou do Greg e
isso deixou Greg muito puto, pois
ele conheceu seu ídolo de perto e
ele era um cuzão.” No entanto, quando
publicou seu primeiro livro, em 2010, Graffin escreveu que ele e Rundgren são
amigos apesar dos pesares.
Brian Baker trabalhando no Havaí |
Além
do clima pesado na gravação,
Rundgren decidiu captar o disco todo
direto no computador, usando o Pro-Tools,
fato que desagradou o guitarrista Brian
Baker, que nem se preocupou muito com seus timbres e guitarras, uma vez que
“quando vai direto pro computador, pouco importa.”
Já
Greg Graffin achou que Rundgren deu mais pitacos
nas letras que o vocalista escreveu, com a sugestão de mudar o tom do
discurso de “punk pessimista no future” para “punk otimista ativista”, o que trouxe uma
atmosfera mais leve ao conteúdo do álbum.
A banda também optou por mudar o esquema de produção e relação ao disco
anterior, trazendo muitas demos prontas
para trabalharem juntos no estúdio.
LANÇAMENTO
“The New America” acabou sendo mixado e
masterizado em Los Angeles, por Bob Clearmountain (que mixou “Born in the USA” do Bruce Springsteen),
ficando pronto somente em fevereiro de 2000, para ser lançado em 24 de maio de 2000. Logo de cara, o disco entrou na
parada da Billboard 200 na 88ª posição.
Seria o disco de aniversário de 20 anos
da banda, o primeiro no novo milênio, mas Greg e Jay optaram dizer que era “apenas
mais um álbum”.
Capa original lançada na versão europeia |
Foram
feitas duas capas diferentes: a original
era uma pintura do artista Joe Murray mostrando três crianças saudando a
bandeira americana com armas nas mãos. Mas ela acabou sendo considerada muito
agressiva pela gravadora, que
produziu outra versão para o mercado americano (e que acabou saindo aqui no Brasil), com uma montagem bem simplista
de helicópteros sobrevoando casas. A imagem também foi usada como backdrop do palco na tour que se seguiu
ao disco. E quem comprou o disco na
primeira semana de vendas nos Estados Unidos ganhou um ingresso para qualquer
show na turnê americana.
RECEPÇÃO
A
roupagem mais Pop e acessível de “The
New America” gerou grande controvérsia
entre os fãs e entre os próprios membros da banda. Do lado dos fãs, Fat Mike, líder do NOFX e grande fã do BR, falava abertamente nos shows de sua banda
na Warped Tour 2000 que o disco era “uma
bosta”. Já entre os membros do BR, enquanto Greg se justificava dizendo que
“algumas bandas tem medo de mudar e sair
da zona de conforto” e que “o Bad Religion e o Punk Rock sempre foram sobre
desafios”, Jay comparou o disco a uma “versão
do American Lesion (disco solo de Folk
Music de Graffin) com músicos
melhores.”
Encarte do CD (clique na foto para ampliar) |
Foto de divulgação da banda na época do disco |
Chega de papo! Vamos às músicas!
TRACKLIST
O
play, que tem pouco mais de 40 minutos
divididos em 13 faixas, abre com a
vigorosa e otimista “You’ve Got a Chance”
trazendo guitarras nervosas bem “na cara”, já destacando a produção bem límpida,
cheia e otimamente timbrada, além de alguns efeitos diferentes e uma outra
abordagem nas vozes de Greg.
Depois
temos “It’s a Long Way to the Promise Land”. Honesta, pórem mais alegrinha e cadenciada, conta com vários “ohhhhz n’ ahss”
no refrão e vários efeitos e filtros, como nunca se ouviu antes num som do BR. “Promised Land”, inclusive, chegou a ser cogitado para ser o título do álbum, mas a música, de fato,
não traz aquela força digna de uma faixa-título de disco do Bad Religion.
“Melodia
é a chave que vai te libertar!” este é o refrão da faixa 3, a esperançosa “A World Without Melody”, que traz uma
interessante introdução psicodélica de baixo e bateria e descamba para outro
punk honesto e melódico, bem “up” e cheio de floreios das guitarras de Brian
Baker, o que também se viu em muitos outros momentos do álbum.
capa do single New America |
Na
posição 4 está a faixa-título, primeiro
single e mais poderosa música do disco, “New America”, com seu refrão épico e clima de hino de futebol! A letra (que começa com Greg gritando “Jimmy”,
em referência ao vocalista da banda Punk inglesa Sham 69) é uma verdadeira intimação à mudança de paradigmas,
naquele esquema de “já que somos a nova América temos que começar agir como tal”.
Se a produção fosse mais roqueira, a cavalgada
de uma das guitarras no verso seria mais nítida e a música com certeza ganharia
um peso absurdo!
Apesar
do single não ter emplacado, “New
America” ganhou o único (e super
divertido) clipe do álbum, onde dois
meninos brincam de Punk Rock com bonequinhos
da banda! Como parte da promoção do
disco, o BR também apresentou a música ao vivo em um “late show” da TV
americana (assista AQUI).
Assista
ao divertido clipe de “New America”:
Em
seguida, temos “1000 Memories”, uma
das músicas mais subestimadas e
também uma das mais pessoais da
história da banda. Em sua letra, que
foi brilhantemente encaixada num Hardcore
Melódico típico do BR, Greg Graffin
pôs pra fora, da maneira mais escancarada possível, as dores de seu recente divórcio:
“Você era única, você era tudo. Nunca
separados, nunca ninguém entre nós. Mas um dia, quando você foi embora, você se
sentiu justificada e eu me senti mortificado!”
Greg gravando |
Uma curiosidade: na tour do disco, no show da Argentina,
quando tocaram essa música, algumas pessoas relataram que Greg estava com lágrimas nos olhos enquanto a cantava com raiva! No
vídeo do show não fica claro, mas é possível ver que o vocalista realmente
estava bem alterado! Mais sincero, impossível! E Punk e Hardcore sempre foram
sobre sinceridade! ;)
Depois
do “climão” da letra sobre divórcio, o BR amenizou as coisas com “A Streetkid Named Desire”, onde um
nostálgico Greg Graffin canta sobre sua adolescência como punk rocker em Los
Angeles. A música é, de fato, mais animada e pra cima, mas a super produção de
Rundgren, com muitos overdubs de guitarra e a enxurrada de harmonias nos
refrãos, diluiu todo o poder da música.
contra capa do CD |
“Whisper in Time” vem na faixa 7
carregando o estigma de ser a balada
do disco. A música é bem legal, mas parece que foi tirada da carreira solo Folk
de Greg Graffin. Brian Baker, com
seu background Hard Rocker (além do Minor Threat, ele também integrou o
farofento Junkyard antes do BR),
aproveitou e se destacou com solos cheios de feeling, não muito típicos em um disco
de Punk Rock.
E
já que estamos falando de feelings, “Believe It” talvez seja o momento mais
emocional do álbum, não pela música em si, que é, na real, bem fraquinha, mas pelo contexto de sua
criação. Greg e Jay, quando planejaram (e depois abortaram) a idéia de fazer o “disco
dos 20 anos do BR”, resolveram deixar as rusgas de lado e ligaram para Brett Gurewitz, convidando o
ex-guitarrista para participar do disco.
Bonequinhos do Bad Religion do clipe de New America |
Brett topou na hora, contanto
que pudesse também compor, além de tocar, e o resultado foi “Believe It”, a única música que Greg
não assinou sozinho no álbum. Já que a banda estava no Havaí, e Brett gravando
o disco do Rancid em Los Angeles na
época, o guitarrista gravou seu solo
em um dos intervalos da produção e enviou diretamente para Rundgren encaixá-lo
na música. Todos sabem que a partir dessa participação descompromissada acabou
rolando a volta do guitarrista para a banda,
mas esse assunto ficará para a próxima resenha!
Capa do single I Love My Computer |
Outra
tentativa de amaciar seu som e entrar nas paradas de sucesso foi o segundo
single “I Love My Computer”. A letra foi super bem sacada, já que Greg
ironizou, ainda no ano 2000, o distanciamento nas relações provocado pelo
advento do computador e da internet, apimentando o tema com insinuações de “sexo virtual”. “Eu amo meu computador, ele ta sempre a fim, (...) Ele nunca pede por
mais, podendo ser minha princesa ou minha puta. Nunca foi tão fácil! (...) Tudo
que tenho que fazer é dar um clique pra gente se unir da maneira mais desalmada
possível!” De tão Pop que era o acento da música, além de vários sons eletrônicos, pode-se ouvir algumas
camadas de teclado tocadas por
Graffin.
Assista
“I Love My Computer” ao vivo, na TV:
Mantendo
a dinâmica de equilibrar os climas de cada música, o play segue com a punk rocker “The Hopeless Housewife” e sua levada bem “Punk 77” que te convida ao pogo! A letra prega contra o marasmo, chamando os acomodados de “dona-de-casa
conformada”. Já o som, mesmo com a produção exagerada, empolga bastante, sendo
uma das melhores do disco, apesar de pouco explorada pela banda nos shows.
Foto do press release |
Outra
baladinha bonitinha com guitarras
mais limpas vem em seguida, com o otimismo de “There Will Be a Way”. Apesar de sua sensibilidade, a música soa
como um filler de fim de disco, assim
como a mediana “Let It Burn”, que,
apesar de ser outro convite punk à ação direta, e ter uma levada rápida com
harmonias bem construídas (e uma super
linha de baixo de Jay), não chega a empolgar. O baixo também é notado na
introdução da música, com Jay fazendo um solo diretamente influenciado pelo The Who!
No
final, temos a visceral “Don’t Sell Me Short”! Ela não é tão épica quanto outros encerramentos de disco do BR, mas
é direta, melódica, bem elaborada e ótima pra cantar junto, tanto que foi usada
pela banda para abrir os shows da turnê. Em suas versões europeia e japonesa, “The
New America” ainda contava com dois bônus tracks: o Hardcore maravilhoso “The Fast Life” e a popzinha “Queen of the 21st Century”. Além delas, a banda gravou as medianas “Lose as Directed” e “Pretenders”, que foram usadas como
B-Side nos singles.
TOUR
Outdoor do show de São Paulo |
A
“The New America Tour” teve 103 shows e durou de abril de 2000 até março de 2001. Nela, o Bad Religion foi convidado para abrir a
turnê americana do Blink 182,
tocando em grandes arenas, mostrando
para a molecada de onde o trio de San Diego tirou seu lado mais Punk.
Aqui
pra baixo, a perna sulamericana da
tour aconteceu em março de 2001 e contou
com seis apresentações, com um show
na Argentina, outro no Chile e quatro
gigs no Brasil (São Paulo dia 14, Curitiba dia 15, Rio dia 16 e Porto
Alegre dia 18). No Brasil, eles participaram do programa “Uá-Uá” da MTV, cujo
vídeo é encontrado em duas partes no YouTube (parte 1 e parte 2).
Assista
ao show completo do BR na Argentina:
Uma entrevista com o baixista Jay
Bentley ao portal Terra, durante a tour brasileira pode ser lida neste LINK.
FINAIS FELIZES
“New
America” marcou o fim da fase do Bad Religion na Atlantic Records, onde estava desde
1993, quando o grupo abriu mão de
sua independência e acabou experimentando seu maior sucesso comercial, se tornando uma banda popular e respeitada
não apenas no underground.
Bobby Schayer gravando The New America |
Também
foi o último disco e última tour do
gente-finíssima Bobby Schayer na bateria, que teve que se aposentar de
tocar profissionalmente devido à uma lesão
no ombro (provavelmente uma tendinite crônica). Essa condição pode ser
notada em qualquer vídeo ao vivo do grupo, já que Bobby claramente não levanta
seus braços acima dos ombros para atacar a bateria. Como o próprio Jay
Bentley admitiu, a pegada de Bobby,
que entrou no BR em 1991 e é um dos bateristas mais queridos pelos fãs, revolucionou o som da banda e levou
eles a outro patamar sonoro. Sua performance em “New America” certamente é seu ápice como músico.
Poster de divulgação do disco |
DEMOS
Sem
dúvida nenhuma, “The New America” é o disco do BR que mais teve demos
divulgadas no YouTube. Também deve ter sido o disco que o BR (leia-se Greg
Graffin), mais se preparou antes de começar a gravar, já que dois sets de demos
foram levados para o trabalho no estúdio. O primeiro tinha nove músicas gravadas
por Greg sozinho em seu home studio, e
o segundo tinha 12 sons gravados com a banda toda no estúdio, no Havaí.
Confira
abaixo todas as demos divulgadas de “The New America”:
Nota pessoal: “Lembro
que esse CD chegou em minhas mãos ainda em 2000, emprestado pelo baterista da
minha banda na época. Tocávamos alguns covers do BR, como “Do What You Want” e “Fuck
Armageddon”, e eu perguntei empolgado: “e aí, tá legal esse?" Ele me
respondeu; “pode ficar um tempão com o CD, porque é franquinho...” (risos)
Escute "The New America" na íntegra: