Nota 8,5
"Eu entrei num modo de proteção! Ainda tinha a banda e queria manter
ela viável. Dei o melhor de mim pra manter tudo nos trilhos, mas deu um puta trampo!
Foi como estar em uma corrida sem ter todos os cilindros do carro funcionando.”
Esta afirmação de Greg Graffin ao
entrevistador Nic Harcourt, no programa Guitar Center Sessions,
descreve exatamente a atitude “faca nos dentes” que o vocalista adotou para
compor o 9º disco de estúdio do Bad Religion, o aclamado “The Gray Race”, de 1996.
Seu principal (e único) parceiro
de composição banda, o guitarrista Brett
Gurewitz, havia saído de maneira conturbada logo após a gravação do disco anterior, “Stranger Than Fiction”, em 1994,
e o cantor se viu sozinho com toda a responsabilidade de “tocar o barco”, com
todo o direcionamento musical da banda em suas mãos. “Antes eu compunha apenas
metade das músicas de nossos discos e agora tinha que fazer tudo”, explicou.
“Acabei fazendo quatro discos assim, dos quais me orgulho muito de pelo menos
dois deles.” E “The Gray Race” certamente foi um deles!
Capa da coletânea"All Ages" |
Um ano antes, em 1995, por questões contratuais, saiu a
coletânea “All Ages”. Foi como uma “despedida amarga” da antiga gravadora da
banda, a Epitaph, de propriedade do
agora “desafeto” e ex-guitarrista Brett. Com 22 sons, “All Ages”
cobre toda “fase-Epitaph” do Bad
Religion, com músicas desde “How
Could Hell Be Any Worse” (1982) até “Generator”
(1992), e mais duas ao vivo gravadas
na Suécia, já com o novo guitarrista Brian
Baker (ex-Dag Nasty e Minor Threat) no lugar de Gurewitz.
“Não houve problemas em trabalhar nessa coletânea e até participamos da
produção”, minimizou Graffin.
Foi também em 1995, durante a
turnê do disco anterior, que o vocalista compôs todo o material que estaria posteriormente
em “The Gray Race”, sendo que ele tinha juntado, supostamente, 23 músicas (!!!) antes de entrar em
estúdio, até lapidar as 15 que entraram no álbum. Ele trabalhou em
seu home-studio em Ithaca (NY) em algumas demos e chamou o novo guitarrista Brain Baker e o batera Bobby Schayer para complementar o
trabalho. “Isso fez uma puta diferença na qualidade do material”, revelou. “Sem
Brett, me senti mais livre para explorar alguns elementos novos nas músicas.” O
novo guitarrista também estava inspirado e colaborou com cerca de 40% da parte musical do disco (apesar de
ter ganhado créditos em apenas quatro canções das 15 finais), que acabou sendo
uma evolução natural do som da banda.
Baker, Hetson, Graffin, Schayer e Bentley no encarte do CD |
“Esse álbum talvez tenha um pouco
mais de emoção. Ele fala sobre a luta do homem numa sociedade que vive em uma
corrida sem fim, intolerante e individualizada”, acrescentou o compositor. De
fato, as letras do Bad Religion
nunca foram tão politizadas e
contestadoras como nesse disco, que abordou temas como a falta de compaixão na humanidade, superpopulação mundial e inconformismo com o sistema.
Gravado entre outubro e novembro de 1995, no Electric Lady Studios (montado por Jimi
Hendrix), em Nova York, e lançado
dia 27 de fevereiro de 1996 pela
gravadora Atlantic Records, “The Gray Race” conta com 15 faixas divididas em pouco mais de 38 minutos. A produção ficou a cargo de
Ric Ocasek, ex-frontman do The Cars, e também produtor de bandas
como Hole, No Doubt, Bad Brains e Weezer. “O timbres que usamos eram
diferentes, assim como nossa abordagem na gravação. Tudo por influência do Ric.
Foi muito rejuvenescedor, artisticamente falando”, contou Greg Graffin sobre a
experiência.
K7 de The Gray Race |
Também foi a primeira vez desde “How Could Hell be Any Worse” que a banda gravou as músicas com todos tocando juntos no estúdio. Para o guitarrista Greg Hetson,
isso acabou deixando disco mais “na cara”. Já para o batera Bobby, gravar assim
“foi mais desafiador”. As principais mudanças no som foram nas guitarras, que ficaram mais comprimidas e pesadas que nos discos
anteriores, e no som da bateria, bem mais claro e definido. “Ficou mais pesado, melhor e mais cheio que o
Stranger Than Fiction”, pontuou Greg. “Ficou bom pra tocar no rádio e bem mais
audível, pois os graves ficaram bem definidos e os agudos mais cristalinos.”
Novamente, mesmo com toda a
inspiração musical do Bad Religion, a arte
da capa deixou a desejar ao
contar apenas com fotos em preto e
branco de rostos de alguns funcionários da Atlantic Records escolhidos
aleatoriamente, remetendo ao título “A Raça Cinza”, numa tradução livre. Apesar
da ideia interessante para fazer alusão o título do play, não havia nenhuma informação escrita, como o nome ou o logo da
banda, ou mesmo o nome das músicas na contracapa; isso não chamou muito a
atenção dos fãs que buscaram o CD nas lojas de discos. A ideia original era um desenho
de um menino e homem em plena avenida Times Square, em Nova York, ao lado de um cervo que acabara de ser
morto, mas essa arte acabou servido posteriormente como capa do single de “Punk Rock Song” (veja abaixo).
Bad Religion posando no Electric Lady Studios |
Mesmo não fazendo o mesmo sucesso
que o disco anterior, “The Gray Race” chegou à posição 56 nos charts da “Billboard 200”, graças ao videoclipe do
single “A Walk” e a um comercial veiculado na MTV (?!?!) à
época. No total, “TGR” vendeu cerca de 140
mil cópias nos Estados Unidos em
seu ano do lançamento, chegou ao número
6 das paradas na Alemanha e
ganhou um disco de ouro na Finlândia.
Ainda para impulsionar o lançamento no continente europeu, principal mercado da
banda, a gravadora Atlantic também elaborou o um EP especial, somente para o Reino
Unido, com apenas as quatro músicas que se tornaram os singles do disco, “A Walk”, “Punk Rock Song”, “Streets of
America” e a "Ten in 2010".
Assista ao vídeo de
“A Walk”:
E paremos de lenga-lenga e vamos
logo ao que interessa: as músicas! ;)
BR na revista brasileira Rock Brigade |
Com um Sol menor (Gm) ressoando
forte, o Bad Religion se manteve
fiel à tradição de (quase) sempre começar um disco pela faixa-título, abrindo seu 9º disco com um hardcore melódico
certeiro e direto. “The Gray Race”,
a música, tem um riff simples e
pegajoso (provavelmente composto por Brian Baker), que serve de base para toda
a linha melódica da canção. Apesar de empolgante, o excesso de palavras no
refrão (característica bem comum nas letras de Graffin) deixou a música difícil de ser cantada, tirando um
pouco de seu brilho.
Mas é justamente esse “excesso de letras” que fez a canção ser
escolhida como a faixa-título do álbum, já que a força por trás das palavras
traz uma sensibilidade poucas vezes
vista em uma banda Punk, como o
próprio cantor explica: “Nós enxergamos o
mundo ‘preto-no-branco’, ainda que tenhamos a capacidade de ver os tons de
cinza no meio. Mas essa capacidade às vezes acaba atrapalhando. Ela atrapalha o
nosso progresso, mas é justamente isso que nos faz mais humanos, mais
sensíveis. Como nosso mundo não foi feito na base da compaixão, acho que é
justamente isso o nosso maior dilema enquanto humanos.” Profundo, não? (rs)
Entrevista na Rock Brigade |
Um riff cortante com guitarras dobradas inicia a faixa 2, “Them And Us”, outro hardcore melódico
com refrão cheio de palavras que versa sobre a estereotipação das pessoas. Bastante tocada nos shows, o maior
destaque do som é o coro do refrão,
cheio dos já famosos e costumeiros “oozin’ ahs”, perfeito pra cantar junto
quando você não sabe a letra.
Na posição 3 está o primeiro
single e maior sucesso do álbum “A Walk”.
Bastante tocada nas rádios de rock do Brasil no fim dos anos 90, a música é bem
comercial e acessível, com poucos e
certeiros acordes abertos, seguindo à risca a cartilha do Punk Rock. A letra, sobre inconformismo com o sistema,
mostra uma maneira “elegante” de um professor universitário se revoltar: “E quem diabos é você pra me dizer o que
fazer, você mal consegue amarrar seus sapatos!”, canta Greg Graffin antes
de “sair por aí para caminhar e trilhar seu próprio caminho sozinho”.
Capa do single "A Walk" |
“Parallel” vem em seguida trazendo uma slide-guitar (tocada por Graffin) na lenta introdução, até cair num
interessante hardcore melódico com uma letra
sobre como nos achamos prepotentes o bastante para “dar pitaco” na vida dos
outros, quando na verdade vivemos o mesmo tipo de vida da pessoa que
estamos tentando ajudar. O refrão, apesar de ter muitas palavras novamente, tem
um pegajoso backing vocal perfeito para cantar junto (“our lives are parallel”), porém a banda tocou pouquíssimas vezes a
música ao vivo.
E se “A Walk” é o maior hit do
disco, “Punk Rock Song” é o hino! Tocada em praticamente todos os
shows desde então, a música, como o próprio nome entrega, é um punk rock mid-tempo ao melhor estilo do
Bad Religion, com uma letra esperta super contestadora e um refrão pegajoso como chiclete. “Existe tanta
miséria e tragédia no mundo que nós conseguimos identificar, mas não podemos
consertar. Ao menos podemos oferecer uma música Punk, já que as pessoas são mais
interessadas em comentar os problemas do que ir atrás de resolvê-los”, explicou
Greg sobre a letra.
Encarte do single "Punk Rock Song" (clique para ampliar) |
No fim da música, pode-se ouvir ao
fundo o guitarrista Brain Baker gritando empolgado com o baterista, “Yes, Bobby
Schayer, that’s the one!”. Também lançada como single, “Punk Rock Song” ganhou um simples videoclipe, onde a banda toca em uma pequena sala com uma gigante
janela redonda ao fundo onde passam algumas imagens sem sentido. A música também
ganhou uma versão em alemão que
aparece em algumas edições especiais do CD.
Assista ao vídeo de
“Punk Rock Song”:
Cartaz de show de 96, na Califórnia |
Após esse começo forte de disco,
com faixa-título e dois singles de sucesso, chegou a hora de alguns fillers que tiraram um pouco do brilho
da obra. “Empty Causes” vem na faixa
6 e traz uma letra sobre pessoas superficialmente
revolucionárias, que se dizem engajadas, mas que no fundo estão mais
chapadas de “purple haze” (um tipo de
maconha comum nos anos 60) e não têm nenhum conteúdo em seus protestos. Em
seguida, a curta “Nobody Listens”, co-composta
por Brian Baker, fala sobre como as pessoas não escutam mais ninguém no mundo
moderno. “Ouvir não é mais necessário no mundo de hoje, onde as pessoas agem
apenas por seus impulsos. Infelizmente, para pensar é preciso ouvir antes”,
filosofou Graffin sobre a música.
“Olhe para os vivos e se pergunte
por que temos pena dos mortos?” é o refrão de “Pity The Dead”, a faixa 8 do play, que tem uma letra que filosofa
sobre o uma possível eterna paz do “outro lado”. Bastante tocada na turnê do
disco, a música é um Punk Rock bem marcado perfeito
para pogar.
Capa do single de "Streets of America" |
Logo depois vem “Spirit Shine”, outro Punk Rock midtempo
de coautoria de Brian Baker, com um interessante arranjo de guitarra e uma letra sobre como os conformados do
sistema querem convencer todos a abraçar sua mediocridade com tanta convicção,
que parecem “brilhar”! A música nunca havia sido tocada ao vivo até
recentemente, e serviu para abrir os shows da última tour da banda no Brasil,
em 2014.
Entrando na reta final do play,
chega a vez do single “The Streets of America”, uma baladinha pouco inspirada da banda, que
acabou ganhando um mediano videoclipe
que lembrou uma versão desértica do vídeo de “Struck a Nerve”. Dirigido por David
Bragger, que também já havia comandado os vídeos de “Punk Rock Song” e “A Walk”,
e filmado no deserto de Mojave, na
Califórnia, a gravação do vídeo foi uma das piores experiências que a banda já teve, segundo Brian Baker, que
também foi coautor da faixa. Mesmo assim, o vídeo acabou “anexado” ao CD do
single, naquela época em que ainda existia CD-ROM.
Assista ao vídeo de
“The Streets of America”:
Para espantar o sono provocado
pela baladinha, a feroz hardcore “Ten in 2010” vem logo em seguida, com sua letra sobre o crescimento da população mundial, já que, segundo as projeções de
Greg Graffin, em 2010 o mundo
estaria com 10 bilhões de habitantes.
Ele errou por pouco, mas pelo menos a banda acertou a mão na música, que também
saiu como single e ganhou um clipe (dirigido por Francis Lawrence),
mas que não teve muita veiculação, já que nem mesmo a banda apareceu nele.
Assista ao vídeo de
“Ten in 2010”:
Na faixa 12 temos mais um filler bem xoxo, “Victory”, cuja a letra, segundo Greg Graffin, fala da “vitória do
instinto sobre o intelecto humano”, daí a razão para tantas atrocidades no
planeta. Em seguida vem “Drunk Sincerity”,
um Punk Rock “simprão”, parecido com uma música
irlandesa de bebedeira tocada rápido. A música também foi bastante tocada
na tour do disco e tem uma letra bem poética sobre como caímos em “papo de
bêbado”.
Letras no encarte do vinil (clique p/ ampliar) |
Quase no final, temos o outro hino do disco, “Come Join Us”, que certamente deveria ter sido single (eita
gravadora ruim de escolha!), mas ficou apenas restrita aos shows. A letra traz ironia no mote convidativo “junte-se a nós”, muito utilizado pelas igrejas
pentecostais americanas para angariar fiéis, mas convida o ouvinte a se rebelar contra o sistema junto com a banda!
E para fechar com chave de ouro
(seja lá qual for o simbolismo disso... rs), temos a belíssima e subestimada “Cease”. A letra traz uma bela poesia
livre e a música acabou também aparecendo no primeiro disco solo de Greg Graffin,
“American Lesion”, de 1997, numa
maravilhosa versão de piano. O
sucesso dessa versão foi tanto, que no primeiro DVD do Bad Religion, (Live at The Palladium, de 2004), Greg acabou repetindo a "dose pianística” tocando a
faixa sentado no banquinho, emocionando os fãs presentes!
“The Gray Race” dividiu opiniões, mas manteve o Bad Religion no topo, mesmo sem seu outro principal
compositor, Mr. Brett, que na época
afirmou que achou disco “pouco inspirado”.
Outro feito do CD foi emplacar as músicas “Them and Us” e “Ten in 2010” na
trilha sonora do game Crazy Taxi.
BR em seu 1º show no Rio de Janeiro |
A “The
Gray Race Tour” durou de fevereiro
de 96 até fevereiro de 97, com 114 shows em 7 pernas, e trouxe a banda pela
primeira vez ao Brasil, com shows em
São Paulo (29/11/96), Rio (30/11/96) e Curitiba (01/12/96), no extinto festival Close-Up Planet, que também contou com Sex Pistols, Marky Ramone & The Intruders, Silverchair e Cypress Hill
no line-up.
"Apesar da receptividade da
platéia, me decepcionei muito com aquele show, sobretudo com a atitude
arrogante dos Sex Pistols. Eles nem sequer dirigiram a palavra aos outros
grupos que dividiriam o mesmo palco e, o pior, desrespeitaram o público”,
lembrou Greg Graffin posteriormente, em entrevista ao Estadão.
Capa do ao vivo "Tested" |
Assista ao clipe de “Dream
of Unity”:
Voltando ao disco “The Gray Race”, como de costume, no
YouTube podemos encontrar versões demo
e versões não-mixadas de seis músicas, as quais você pode
conferir logo abaixo:
Escute o disco “The Gray Race”:
Muito bom mesmo seus comentário sobre a discografia. Alguma previsão para os outros discos? Ficamos no aguardo.
ResponderExcluirObrigado pelo coment! Esse ano, 2020, postei resenha dos três discos seguintes! Dá uma olhada!
ExcluirOtima resenha! parabens!
ResponderExcluirValeu mano!
ExcluirAdorei! Continue postando..
ResponderExcluirValeu Gabi!
ExcluirMelhor disco composto majoritariamente pelo Greg, deveria ter parado aí e só voltado em 2002, hahahaha, The Streets of america e Victory para mim são ótimas músicas sim, muito boas mesmo! Mas parabéns pela resenha!
ResponderExcluirValeu! Esse disco foi o pico de produtividade do Greg Graffin como compositor!
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