sexta-feira, 15 de julho de 2016

Bad Religion 11 - The Gray Race (1996)

Nota 8,5

"Eu entrei num modo de proteção! Ainda tinha a banda e queria manter ela viável. Dei o melhor de mim pra manter tudo nos trilhos, mas deu um puta trampo! Foi como estar em uma corrida sem ter todos os cilindros do carro funcionando.” Esta afirmação de Greg Graffin ao entrevistador Nic Harcourt, no programa Guitar Center Sessions, descreve exatamente a atitude “faca nos dentes” que o vocalista adotou para compor o 9º disco de estúdio do Bad Religion, o aclamado “The Gray Race”, de 1996.

Seu principal (e único) parceiro de composição banda, o guitarrista Brett Gurewitz, havia saído de maneira conturbada logo após a gravação do disco anterior, “Stranger Than Fiction”, em 1994, e o cantor se viu sozinho com toda a responsabilidade de “tocar o barco”, com todo o direcionamento musical da banda em suas mãos. “Antes eu compunha apenas metade das músicas de nossos discos e agora tinha que fazer tudo”, explicou. “Acabei fazendo quatro discos assim, dos quais me orgulho muito de pelo menos dois deles.” E “The Gray Race” certamente foi um deles!

Capa da coletânea"All Ages"
Um ano antes, em 1995, por questões contratuais, saiu a coletânea “All Ages”. Foi como uma “despedida amarga” da antiga gravadora da banda, a Epitaph, de propriedade do agora “desafeto” e ex-guitarrista Brett. Com 22 sons, “All Ages” cobre toda “fase-Epitaph” do Bad Religion, com músicas desde “How Could Hell Be Any Worse” (1982) até “Generator” (1992), e mais duas ao vivo gravadas na Suécia, já com o novo guitarrista Brian Baker (ex-Dag Nasty e Minor Threat) no lugar de Gurewitz. “Não houve problemas em trabalhar nessa coletânea e até participamos da produção”, minimizou Graffin.

Foi também em 1995, durante a turnê do disco anterior, que o vocalista compôs todo o material que estaria posteriormente em “The Gray Race”, sendo que ele tinha juntado, supostamente, 23 músicas (!!!) antes de entrar em estúdio, até lapidar as 15 que entraram no álbum. Ele trabalhou em seu home-studio em Ithaca (NY) em algumas demos e chamou o novo guitarrista Brain Baker e o batera Bobby Schayer para complementar o trabalho. “Isso fez uma puta diferença na qualidade do material”, revelou. “Sem Brett, me senti mais livre para explorar alguns elementos novos nas músicas.” O novo guitarrista também estava inspirado e colaborou com cerca de 40% da parte musical do disco (apesar de ter ganhado créditos em apenas quatro canções das 15 finais), que acabou sendo uma evolução natural do som da banda.

Baker, Hetson, Graffin, Schayer e Bentley no encarte do CD
“Esse álbum talvez tenha um pouco mais de emoção. Ele fala sobre a luta do homem numa sociedade que vive em uma corrida sem fim, intolerante e individualizada”, acrescentou o compositor. De fato, as letras do Bad Religion nunca foram tão politizadas e contestadoras como nesse disco, que abordou temas como a falta de compaixão na humanidade, superpopulação mundial e inconformismo com o sistema.

Gravado entre outubro e novembro de 1995, no Electric Lady Studios (montado por Jimi Hendrix), em Nova York, e lançado dia 27 de fevereiro de 1996 pela gravadora Atlantic Records, The Gray Race” conta com 15 faixas divididas em pouco mais de 38 minutos. A produção ficou a cargo de Ric Ocasek, ex-frontman do The Cars, e também produtor de bandas como Hole, No Doubt, Bad Brains e Weezer. “O timbres que usamos eram diferentes, assim como nossa abordagem na gravação. Tudo por influência do Ric. Foi muito rejuvenescedor, artisticamente falando”, contou Greg Graffin sobre a experiência.

K7 de The Gray Race
Também foi a primeira vez desde “How Could Hell be Any Worse” que a banda gravou as músicas com todos tocando juntos no estúdio. Para o guitarrista Greg Hetson, isso acabou deixando disco mais “na cara”. Já para o batera Bobby, gravar assim “foi mais desafiador”. As principais mudanças no som foram nas guitarras, que ficaram mais comprimidas e pesadas que nos discos anteriores, e no som da bateria, bem mais claro e definido. “Ficou mais pesado, melhor e mais cheio que o Stranger Than Fiction”, pontuou Greg. “Ficou bom pra tocar no rádio e bem mais audível, pois os graves ficaram bem definidos e os agudos mais cristalinos.”

Novamente, mesmo com toda a inspiração musical do Bad Religion, a arte da capa deixou a desejar ao contar apenas com fotos em preto e branco de rostos de alguns funcionários da Atlantic Records escolhidos aleatoriamente, remetendo ao título “A Raça Cinza”, numa tradução livre. Apesar da ideia interessante para fazer alusão o título do play, não havia nenhuma informação escrita, como o nome ou o logo da banda, ou mesmo o nome das músicas na contracapa; isso não chamou muito a atenção dos fãs que buscaram o CD nas lojas de discos. A ideia original era um desenho de um menino e homem em plena avenida Times Square, em Nova York, ao lado de um cervo que acabara de ser morto, mas essa arte acabou servido posteriormente como capa do single de “Punk Rock Song” (veja abaixo).
Bad Religion posando no Electric Lady Studios
Mesmo não fazendo o mesmo sucesso que o disco anterior, “The Gray Race” chegou à posição 56 nos charts da “Billboard 200”, graças ao videoclipe do single “A Walk” e a um comercial veiculado na MTV (?!?!) à época. No total, “TGR” vendeu cerca de 140 mil cópias nos Estados Unidos em seu ano do lançamento, chegou ao número 6 das paradas na Alemanha e ganhou um disco de ouro na Finlândia. Ainda para impulsionar o lançamento no continente europeu, principal mercado da banda, a gravadora Atlantic também elaborou o um EP especial, somente para o Reino Unido, com apenas as quatro músicas que se tornaram os singles do disco, “A Walk”, “Punk Rock Song”, “Streets of America” e a "Ten in 2010".

Assista ao vídeo de “A Walk”:

E paremos de lenga-lenga e vamos logo ao que interessa: as músicas! ;)

BR na revista brasileira Rock Brigade
Com um Sol menor (Gm) ressoando forte, o Bad Religion se manteve fiel à tradição de (quase) sempre começar um disco pela faixa-título, abrindo seu 9º disco com um hardcore melódico certeiro e direto. “The Gray Race”, a música, tem um riff simples e pegajoso (provavelmente composto por Brian Baker), que serve de base para toda a linha melódica da canção. Apesar de empolgante, o excesso de palavras no refrão (característica bem comum nas letras de Graffin) deixou a música difícil de ser cantada, tirando um pouco de seu brilho.

Mas é justamente esse “excesso de letras” que fez a canção ser escolhida como a faixa-título do álbum, já que a força por trás das palavras traz uma sensibilidade poucas vezes vista em uma banda Punk, como o próprio cantor explica: “Nós enxergamos o mundo ‘preto-no-branco’, ainda que tenhamos a capacidade de ver os tons de cinza no meio. Mas essa capacidade às vezes acaba atrapalhando. Ela atrapalha o nosso progresso, mas é justamente isso que nos faz mais humanos, mais sensíveis. Como nosso mundo não foi feito na base da compaixão, acho que é justamente isso o nosso maior dilema enquanto humanos.” Profundo, não? (rs)

Entrevista na Rock Brigade
Um riff cortante com guitarras dobradas inicia a faixa 2, “Them And Us”, outro hardcore melódico com refrão cheio de palavras que versa sobre a estereotipação das pessoas. Bastante tocada nos shows, o maior destaque do som é o coro do refrão, cheio dos já famosos e costumeiros “oozin’ ahs”, perfeito pra cantar junto quando você não sabe a letra.

Na posição 3 está o primeiro single e maior sucesso do álbum “A Walk”. Bastante tocada nas rádios de rock do Brasil no fim dos anos 90, a música é bem comercial e acessível, com poucos e certeiros acordes abertos, seguindo à risca a cartilha do Punk Rock. A letra, sobre inconformismo com o sistema, mostra uma maneira “elegante” de um professor universitário se revoltar: “E quem diabos é você pra me dizer o que fazer, você mal consegue amarrar seus sapatos!”, canta Greg Graffin antes de “sair por aí para caminhar e trilhar seu próprio caminho sozinho”.

Capa do single "A Walk"
Parallel” vem em seguida trazendo uma slide-guitar (tocada por Graffin) na lenta introdução, até cair num interessante hardcore melódico com uma letra sobre como nos achamos prepotentes o bastante para “dar pitaco” na vida dos outros, quando na verdade vivemos o mesmo tipo de vida da pessoa que estamos tentando ajudar. O refrão, apesar de ter muitas palavras novamente, tem um pegajoso backing vocal perfeito para cantar junto (“our lives are parallel”), porém a banda tocou pouquíssimas vezes a música ao vivo.

E se “A Walk” é o maior hit do disco, “Punk Rock Song” é o hino! Tocada em praticamente todos os shows desde então, a música, como o próprio nome entrega, é um punk rock mid-tempo ao melhor estilo do Bad Religion, com uma letra esperta super contestadora e um refrão pegajoso como chiclete. “Existe tanta miséria e tragédia no mundo que nós conseguimos identificar, mas não podemos consertar. Ao menos podemos oferecer uma música Punk, já que as pessoas são mais interessadas em comentar os problemas do que ir atrás de resolvê-los”, explicou Greg sobre a letra.

Encarte do single "Punk Rock Song" (clique para ampliar)
No fim da música, pode-se ouvir ao fundo o guitarrista Brain Baker gritando empolgado com o baterista, “Yes, Bobby Schayer, that’s the one!”. Também lançada como single, “Punk Rock Song” ganhou um simples videoclipe, onde a banda toca em uma pequena sala com uma gigante janela redonda ao fundo onde passam algumas imagens sem sentido. A música também ganhou uma versão em alemão que aparece em algumas edições especiais do CD.

Assista ao vídeo de “Punk Rock Song”:

Cartaz de show de 96, na Califórnia
Após esse começo forte de disco, com faixa-título e dois singles de sucesso, chegou a hora de alguns fillers que tiraram um pouco do brilho da obra. “Empty Causes” vem na faixa 6 e traz uma letra sobre pessoas superficialmente revolucionárias, que se dizem engajadas, mas que no fundo estão mais chapadas de “purple haze” (um tipo de maconha comum nos anos 60) e não têm nenhum conteúdo em seus protestos. Em seguida, a curta “Nobody Listens”, co-composta por Brian Baker, fala sobre como as pessoas não escutam mais ninguém no mundo moderno. “Ouvir não é mais necessário no mundo de hoje, onde as pessoas agem apenas por seus impulsos. Infelizmente, para pensar é preciso ouvir antes”, filosofou Graffin sobre a música.

“Olhe para os vivos e se pergunte por que temos pena dos mortos?” é o refrão de “Pity The Dead”, a faixa 8 do play, que tem uma letra que filosofa sobre o uma possível eterna paz do “outro lado”. Bastante tocada na turnê do disco, a música é um Punk Rock bem marcado perfeito para pogar.

Capa do single de "Streets of America"

Logo depois vem “Spirit Shine”, outro Punk Rock midtempo de coautoria de Brian Baker, com um interessante arranjo de guitarra e uma letra sobre como os conformados do sistema querem convencer todos a abraçar sua mediocridade com tanta convicção, que parecem “brilhar”! A música nunca havia sido tocada ao vivo até recentemente, e serviu para abrir os shows da última tour da banda no Brasil, em 2014.

Entrando na reta final do play, chega a vez do singleThe Streets of America”, uma baladinha pouco inspirada da banda, que acabou ganhando um mediano videoclipe que lembrou uma versão desértica do vídeo de “Struck a Nerve”. Dirigido por David Bragger, que também já havia comandado os vídeos de “Punk Rock Song” e “A Walk”, e filmado no deserto de Mojave, na Califórnia, a gravação do vídeo foi uma das piores experiências que a banda já teve, segundo Brian Baker, que também foi coautor da faixa. Mesmo assim, o vídeo acabou “anexado” ao CD do single, naquela época em que ainda existia CD-ROM.

Assista ao vídeo de “The Streets of America”:

Para espantar o sono provocado pela baladinha, a feroz hardcore “Ten in 2010” vem logo em seguida, com sua letra sobre o crescimento da população mundial, já que, segundo as projeções de Greg Graffin, em 2010 o mundo estaria com 10 bilhões de habitantes. Ele errou por pouco, mas pelo menos a banda acertou a mão na música, que também saiu como single e ganhou um clipe (dirigido por Francis Lawrence), mas que não teve muita veiculação, já que nem mesmo a banda apareceu nele.

Assista ao vídeo de “Ten in 2010”:

Na faixa 12 temos mais um filler bem xoxo, “Victory”, cuja a letra, segundo Greg Graffin, fala da “vitória do instinto sobre o intelecto humano”, daí a razão para tantas atrocidades no planeta. Em seguida vem “Drunk Sincerity”, um Punk Rock “simprão”, parecido com uma música irlandesa de bebedeira tocada rápido. A música também foi bastante tocada na tour do disco e tem uma letra bem poética sobre como caímos em “papo de bêbado”.

Letras no encarte do vinil (clique p/ ampliar)
Quase no final, temos o outro hino do disco, “Come Join Us”, que certamente deveria ter sido single (eita gravadora ruim de escolha!), mas ficou apenas restrita aos shows. A letra traz ironia no mote convidativo “junte-se a nós”, muito utilizado pelas igrejas pentecostais americanas para angariar fiéis, mas convida o ouvinte a se rebelar contra o sistema junto com a banda!

E para fechar com chave de ouro (seja lá qual for o simbolismo disso... rs), temos a belíssima e subestimada “Cease”. A letra traz uma bela poesia livre e a música acabou também aparecendo no primeiro disco solo de Greg Graffin, “American Lesion”, de 1997, numa maravilhosa versão de piano. O sucesso dessa versão foi tanto, que no primeiro DVD do Bad Religion, (Live at The Palladium, de 2004), Greg acabou repetindo a "dose pianística” tocando a faixa sentado no banquinho, emocionando os fãs presentes!

The Gray Race” dividiu opiniões, mas manteve o Bad Religion no topo, mesmo sem seu outro principal compositor, Mr. Brett, que na época afirmou que achou disco “pouco inspirado”. Outro feito do CD foi emplacar as músicas “Them and Us” e “Ten in 2010” na trilha sonora do game Crazy Taxi.

BR em seu 1º show no Rio de Janeiro
A “The Gray Race Tour” durou de fevereiro de 96 até fevereiro de 97, com 114 shows em 7 pernas, e trouxe a banda pela primeira vez ao Brasil, com shows em São Paulo (29/11/96), Rio (30/11/96) e Curitiba (01/12/96), no extinto festival Close-Up Planet, que também contou com Sex Pistols, Marky Ramone & The Intruders, Silverchair e Cypress Hill no line-up.

Capa do ao vivo "Tested"
"Apesar da receptividade da platéia, me decepcionei muito com aquele show, sobretudo com a atitude arrogante dos Sex Pistols. Eles nem sequer dirigiram a palavra aos outros grupos que dividiriam o mesmo palco e, o pior, desrespeitaram o público”, lembrou Greg Graffin posteriormente, em entrevista ao Estadão.

Tantos shows e tanta exposição também renderam o primeiro disco ao vivo da banda, “Tested”, lançado em 1997, com 24 músicas ao vivo, gravadas direto da mesa de som em diversos shows da tour e sem nenhum overdub. O disco ainda trouxe mais três (ótimas) músicas inéditas: “Dream of Unity” (que ganhou um clipe), “It's Reciprocal” e “Tested”, todas gravadas no home-studio de Greg Graffin.

Assista ao clipe de “Dream of Unity”:

Voltando ao disco “The Gray Race”, como de costume, no YouTube podemos encontrar versões demo e versões não-mixadas de seis músicas, as quais você pode conferir logo abaixo:

Escute o disco “The Gray Race”:


8 comentários:

  1. Muito bom mesmo seus comentário sobre a discografia. Alguma previsão para os outros discos? Ficamos no aguardo.

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    1. Obrigado pelo coment! Esse ano, 2020, postei resenha dos três discos seguintes! Dá uma olhada!

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  2. Melhor disco composto majoritariamente pelo Greg, deveria ter parado aí e só voltado em 2002, hahahaha, The Streets of america e Victory para mim são ótimas músicas sim, muito boas mesmo! Mas parabéns pela resenha!

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    1. Valeu! Esse disco foi o pico de produtividade do Greg Graffin como compositor!

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