quinta-feira, 17 de abril de 2014

Raul Seixas 12 - Abre-te Sésamo (1980)

Oi, eu sou o Salinas! Depois do fracasso de Por Quem os Sinos Dobram, Raul deixou a WEA e voltou para a CBS, onde já tinha trabalhado como produtor. Lá encontrou o amigo Cláudio Roberto e gravou Abre-te Sésamo, com o qual recuperou um pouco da fama.

O disco contém dois hits, "Aluga-se" e "Rock das 'Aranha'" (no singular e entre aspas), e teve recepção um pouco melhor do público. Mas não muito.

Com a ditadura acabando, Raul volta ao ataque: várias cacetadas e críticas sociais (e as cores nacionais na capa, pra deixar claro pros milicos que no fundo, ele queria o ~bem do Braziw~), mas também com espaço para a introspecção e a consciência de que ele já não era o mesmo. Os tempos eram bicudos: apesar do conforto material, os problemas com a bebida continuavam. E apesar de estar já no quarto relacionamento (com Kika), acabou entrando no disco uma canção inspirada na ex Tânia, "Baby".

"Abre-te Sésamo" (Raul / Cláudio)

Mais uma vez Raul pensando nos destinos do País com sua música. A ditadura lentamente se acabava, a abertura já vinha a galope, mas os políticos-militares mostravam que eram os mesmos. "Ali-Babá e os 40 ladrões / Já não querem nada / com a Pátria Amada / e cada dia mais / enchendo meus botões". E ele, vendo a situação de penúria e "desnutrição" que desde sempre existe no País, apesar de tudo "é o primeiro dessa procissão" da esperança de um futuro melhor. Abre-te, Ditadura!

"Aluga-se" (Raul / Cláudio)

O grande clássico, que todo mundo adora cantar no karaokê! Foi regravada pelos Titãs e uma galerinha, uns caras aí e até pela filha dele. Essa é bem fácil, Raul critica o "puxa-saquismo" brasileiro em relação às gringolândias, em especial os EUA. Isso porque ele não viu a onda de privatizações nos anos 90...

"Anos 80" (Raul / Dedé Caiano)

Êta, essa levadinha country Raulseixística! Atacando até uma rumba lá no meio. Raul aposta todas as fichas na virada de década, desembestando na "charrete que perdeu o condutor" pra ver se a coisa vai logo de uma vez. E critica aquilo que tanto viu na década anterior, o mimimi por causa da repressão às letras ("É o juíz das 12 varas de caniço e samburá / Dando atestado que o compositor errou. / Gente afirmando não querendo afirmar nada, / Que o cantor cantou errado e que a censura concordou."), e principalmente à situação do País, que entra ano, sai ano, e não muda porra nenhuma: "Pobre país carregador dessa miséria / Dividida entre Ipanema e a empregada do patrão. / Varrendo lixo pra debaixo do tapete / Que é supostamente persa pra alegria do ladrão." Cara, verso sensacional! Em 4 linhas ele resume os três grandes problemas do Brasil: a abjeta desigualdade social, o maldito "jeitinho" e a supervalorização de aparências!

"Angela" (Raul / Cláudio)

Declaraçãozinha de amor jovem guarda, para as duas esposas: Ângela, de Cláudio, e Kika (que também era Angela), de Raul. Com indiretas sexuais, assim como foi com a Tânia. (Na real acho que era só do Cláudio pra Ângela mesmo... o Raul que quis botar a Kika na história só pra fazer uma média, já que tinha feito uma pra ex.)

"Conversa pra Boi Dormir" (Raul)

De novo Raul fala sobre a situação do país, que não anda nada boa. Lembra que lá atrás, desde "Jota Batista", pouco ou nada mudou. Googlei o "André Sedani" e acho que ele não existe, Raul deve estar torcendo pra que algum "André se dane", mas quem será André? Também parece alfinetar alguém em "Não tenho saco para ouvir artista / Comendo alpiste na mesma estação / Cantando regra com o rei na barriga / E só de preguiça não mudou o botão". Será Roberto Carlos, o Rei? (sabe-se hoje que ele apoiou a ditadura, mas será que Raul sabia disso já na época?) Outra evidência é a comparação com Nero, que "Com a mania de ser inventor (...) De tanto feitiço ele se enfeitiçou". E ainda o lance das cobras, "Falou que Deus não quis dar asa à cobra / Seria um bicho ameaçador / Mas tem uma peste delas avoando / Que o diabo fez, enquanto Deus marcou". Enfim, é outro daqueles episódios de briguinhas entre artistas, sempre muito classudas, mas... vamos combinar, desnecessárias.

UPDATE: Esse André citado é na verdade o André Midani, que na época era presidente do grupo Warner (concorrente da CBS), que apostava em nomes do rock brasileiro como Lulu Santos, Ultraje a Rigor, Titãs, Ira e Kid Abelha, entre outros. Raul deve estar aborrecido, com todo seu conhecimento musical, ter que aguentar essa "molecada" trazendo a nova onda. O choque de gerações, já na época...

"Minha Viola" (Raul Varella Seixas)

Esta foi composta pelo sêo Raulzão, o pai do Raulzito! Aqui não tem essa de significado secreto, o pai dele, coitado, não tinha nada a ver com isso. Ele era engenheiro na estrada de ferro, lá na Bahia, mas provavelmente tem origens no sertão: "Quando eu saí do meu sertão. Não tinha nada de meu. / A não ser esta viola que foi meu pai quem me deu." Mas na real, tem um toque autobiográfico, afinal Raul também saiu de seu sertão sem nada levar, só aquilo que ele é, sua "viola" ou sua musicalidade (que foi seu pai que lhe deu). E assim ele andou pelo País, cantando para ocultar sua tristeza (que ele já tinha detectado lá atrás, em Êta Vida, Ouro de Tolo e tantas outras), e sabendo que um dia morreria e que esse dia vinha cada vez mais perto: "Entrarei no céu contigo, quando minha hora chegar". Raul escolheu direitinho a homenagem pro paizão!

"Rock das 'Aranha'" (Raul / Cláudio)

Outra das minhas favoritas! Comecei a tocar baixo por causa do walking bass sensacional segurando nesse rockabilly. Aqui Raul põe pra fora seu lado machão (segundo Kika) e tira um sarro da diversidade sexual que, segundo ela, ele detestava. Será mesmo? Ou estará ele fazendo uma homenagem ao amor livre? Não sei, é melhor perguntar pro Raul chapadíssimo.

"O Conto do Sábio Chinês" (Raul)

Aqui Raul conta sobre uma famosa parábola do "sábio chinês" Chuang Tzu, que existiu de verdade. Ele sonhou que era uma borboleta, e ao acordar ficou sem saber se era um homem cujo sonho de ser uma borboleta tinha acabado de acabar, ou se pelo contrário, era uma borboleta cujo sonho de ser um homem tinha acabado de começar! (Uma leitura dessa fábula, mais "ocidental" e mecanicista, é que sabemos que uma reles borboleta não poderia jamais sonhar em ser gente, ao contrário da gente que, sendo "superior" à borboleta, é capaz de se imaginar na posição dela. Portanto, nós no mundo temos que ter consciência da nossa existência e dos nossos passos, e não viver como um animal. Mais ou menos o que Platão também disse, mais ou menos na mesma época do Chuang Tzu: "uma vida não questionada não merece ser vivida".) Mas na real, as fábulas e parábolas taoístas possuem um entendimento mais abstrato e complexo, e vão bem além das simples relações de causa e efeito que nós aqui no Oeste tanto valorizamos. Este é o Raul filosófico, desde bem antes de brigar com os milicos.

"Só pra Variar" (Raul / Cláudio / Kika)

Raul de novo acusando a pasmaceira da época dele. Em plena decadência da ditadura, ele queria mostrar pro galerê que tá liberando geral, bora aproveitar! Até mesmo encher a boca de cebola só pra sacanear o padre no confessionário, em plena vinda do Papa no Brasil! Mas o que ele quer mesmo, e aí é sacanagem das brabas, é "jogar no lixo a dentadura" (que todos já sabemos ser postiça) e fundar um partido novo!! Você já adivinhou quando ele vai fazer isso: com o fim da ditadura, claro!

"Baby" (Raul / Cláudio)

Letra polêmica. A novinha só tem 13 anos, mas com os hormônios à flor da pele. Tem quem veja pedofilia nessa letra, tem quem a use pra provar por a+b que o Raul é satanista e tudo que tem de ruim, etc... mas o fato é que ele compôs originalmente pra Tânia Menna Barreto (como ela mesma confirmou diversas vezes, até na internet), sobre um episódio que ela teve não aos treze, mas aos dez anos (ele trocou o número pra soar melhor na música). Ela chegou à puberdade, com todas as complicações que todos nós já passamos e conhecemos. O conflito entre a moral "assexuada" que a Igreja e a sociedade insistem em empurrar pra criança, deságua numa pororoca quando essa sexualidade começa a aflorar. Raul também já foi adolescente, e sabe de tudo isso: "Deus não é tão mau assim"! E não se incomode com os rubores e calores dessa fase, afinal "o inferno é o fogo do sol", ou seja, aquilo que a madre da escola reconhece como pecado, não é senão a beleza do seu próprio corpo desabrochando... é o chamado da natureza! Mas, ô muleque, respeita a novinha aí: "Quem manda é seu coração"!

"É Meu Pai" (Raul / Cláudio)

É a velhice chegando... Raul já tinha lembrado da viola do pai, agora de novo pede forças pra continuar. Tá sentido falta da família, cercado de ~amigos~ que só estão lá por conveniência, dependente de bebidas e drogas... tá feia a coisa.

"À Beira do Pantanal" (Raul / Cláudio)

Versão de uma canção da dupla Peter & Gordon, quase uma "dupla sertaneja à inglesa". Raul narra quando matou sua própria amada, numa de suas letras mais macabras. Quem será que ele matou? Não foi nem Edith, nem Glória, nem Tânia nem Kika, todas as suas mulheres até então. Ou será que ele estava "matando" a Tânia por causa da Kika? (e olha que depois da morte dele virou mó salseiro jurídico entre as esposas...) Ou será que ele estava matando a si mesmo? Outra que jamais saberemos...

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube.



E é isso!


9 comentários:

  1. Cara! Eu NUNCA tinha me ligado nas cores da capa!!! GENIAL!

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  2. O Profeta já sabia do "OBA OBA" das privatarias... Ele profetizou os anos 90.

    Belo post, Salleta. Cada vez melhor.

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  3. Hahahaha, esse vídeo comentando a censura no "Rock das 'Aranha"' é hilário, mas "homenagem ao "não contato" das coisas" não me convence não, rsrs.

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  4. e principalmente à situação do País, que entra ano, sai ano, e não muda porra Meu, seu comentário sobre os versos "Pobre país carregador dessa miséria / Dividida entre Ipanema e a empregada do patrão. / Varrendo lixo pra debaixo do tapete / Que é supostamente persa pra alegria do ladrão." ~ Em 4 linhas ele resume os três grandes problemas do Brasil ~ resume tudo! A música, o disco, a crítica Raulseixística.

    Muito bom o post!

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. André Sedane, acho que se refere a André Midani, executivo de gravadora, com o qual Raul, E acho que Sérgio Sampaio também, tiveram alguns perrengues.

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  7. Salinas, googlei (gostei, aprendi contigo!) pra ver sobre a letra de Baby. Hoje, acho que até o Raul desistiria de publicá-la com a sociedade tratando imbecilmente o politicamente (in)correto. Mas tua opinião vai ao encontro da minha: essa manipulação psicológica milenar católica, incutindo a culpa para garantir a submissão, hoje carregada nos genes, arraigada na alma. Muito sagaz o intrépido Raulzito.
    Parabéns pelo trabalho.

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  8. As questões existências estão sempre em foco na literatura musical de Raul com toda a sua verve poética de sua poesia marginal que mescla realidade po lítica com a vida social de nosso país. Pois ele era um conhecer metáfisico das coisas abstratas e crítico inteligente da realidade da vida. Enfim deixando uma obra incomparável e única

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