quinta-feira, 24 de abril de 2014

Raul Seixas 13 - Raul Seixas (1983)

Oi, eu sou o Salinas! Como se não bastassem os problemas de saúde, Raul já estava queimado com as gravadoras, pois há tempos seus discos não vendiam bem, e ficou 3 anos sem gravadora. Claro que sempre tinha um show aqui, um ali: de fome ninguém morre. Mas ele caiu no ostracismo. Foi só em 1983 que conseguiu um contato na Eldorado, através da Globo que lhe encomendou uma música para um especial, e que acabou sendo a famosa Carimbador Maluco, que lhe rendeu mais um apelido.

A ditadura está nas últimas, já é consenso que ela vai acabar, com o movimento Diretas-Já cada vez mais forte. Mas Raul sabe que isso por si só não resolve nada. As críticas sociais continuam, entremeadas com os costumeiros questionamentos filosóficos e poéticos. Mas tem também clássicos do rock, afinal já estava até com saudade deles (desde Raul Rock Seixas), tem também mais uma canção composta com o paizão Raul Varella, uma com Wilson Aragão e algumas parcerias com Cláudio Roberto. Kika Seixas, a atual companheira de Raul, também co-assina a maioria das faixas.

"D.D.I. (Discagem Direta Interestelar)" (Raul - Kika)

Raul começa o disco já com esse rock bacanudo e até meio pesado (não querendo usar, mas usando, as mesmas palavras de alguém). É uma das minhas faixas favoritas da obra do Raul! (aqui numa gravação preliminar caseira.) Inicialmente vão pensar que ele fala do Deus cristão, mas na real não tem divindade que goste do jeito que as coisas têm andado por aqui. Aí ele pega o orelhão e solta os cachorros na humanidade, que está "anarquizando a reputação dele" e prefere ficar "resmungando novena, terço e oração" em vez de agir. E explode com o questionamento mais foda da história: "O que que vocês querem exigir mais de mim / Se tudo o que eu faço vocês acham ruim?" Esse Deus humanizado com certeza foi inspiração, entre outros, pro sensacional USQ.

"Coisas do Coração" (Raul - Cláudio - Kika)

Outra declaraçãozinha marota de amor. Vamos com calma no "mastro da nossa bandeira se enterrar no chão", ok? A bandeira representa apenas a posse de um território, no caso uma união, estável e saudável (claro que no "famintos um do outro como canibais" é sexo, mas isso é só uma parte, de um todo muito maior). Seria a união dele com a Kika? Sentia-se finalmente feliz ao lado de uma companheira, um "nó que nunca se desfaz"? Eles não chegaram a se casar no papel, mas Raul provavelmente estava a fim de dar aquela ~iludida básica~, contando como será bom "quando" isso acontecer.

"Coração Noturno" (Raul - Kika - Raul Varella)

Outra das minhas favoritas. Raul notívago olha pela janela, de madrugada. A solidão, o silêncio, os ponteiros do relógio, a paz e tranquilidade que a Noite oferece para ajudar a nos clarear as ideias, e ao mesmo tempo a ânsia de antecipar o que virá no dia seguinte: "A frieza do relógio não compete com a quentura do meu coração". E quando finalmente o Astro-Rei inicia sua jornada, já é hora de se recolher aos aposentos, "guardar cada pedacinho de si pra si mesmo"e se despedir (em definitivo?), não com um boa-noite, mas com um "Bom-dia, Sol!"

"Não Fosse o Cabral" (Lewis - Versão: Raul)

Ok, os milicos já estão de saída, mas isso resolve alguma coisa? Raul descascou nessa faixa, escancarou a situação que já tava uma merda e não mudou nada: "Tudo aqui me falta, a taxa é muito alta". Claro que o problema está na "falta de cultura" da própria sociedade, que "cheira a fecaloma, canta La Paloma" (riminha tensa essa, hein), e achava que "ninguém chega à sua altura".  O pessoal tem essa mania de achar que a culpa é do ~contexto histórico~, a forma como o Braziw foi colonizado, e até certo ponto têm razão. O que não dá é pra ficar se escudando no que aconteceu lá atrás: "Que culpa tem Cabral?"

"Quero Mais" (Raul - Cláudio - Kika)

Faixa vencedora do selo EITA™ de safadeza, onde Raul divide os vocais com a gatona Wanderléa (na época né - aqui em um momento rock pauleira 80's com tecladinhos). No final, eles começam um bate-boca de mentirinha.

"Lua Cheia" (Raul)

Raul, cujo nome ao contrário é nada menos que ~Luar~ (*facepalm*), faz uma ode aos encantos, horrores, incertezas e contradições dessa que dá e toma, provoca e desilude, incendeia e congela, tudo ao mesmo tempo: a mulher.

"Carimbador Maluco" (Raul)

Aí a Globo pediu uma ~musiquinha aí~ pra dar uma força pro Raul, coitado, que tava meio baqueado... o cara aproveita que é ~pra criança~, e nasce o mito! Ele faz uma tremenda alegoria, nível Revolução dos Bichos. Em primeiro lugar esqueça as crianças. "Viajar pelo universo" é explorar o desconhecido, quem você é, de onde veio, pra onde vai. Claro que isso não é qualquer um, "tem que ser selado, registrado, carimbado, avaliado, rotulado, se quiser voar!", ou seja, você precisa já ser alguém, ter o seu valor (lembre-se, "antes de ler o livro que o Guru lhe deu você tem que escrever o seu"). A Lua, aqui, representa o oculto, o místico, o sombrio. Conhecimentos que têm um preço (isso Raul já sabia desde os tempos da Sociedade Alternativa): "Pra Lua a taxa é alta". Já o Sol representa a divindade máxima, a iluminação, e não dá pra chegar a ele sem antes saber ao menos quem você é e o que quer da vida: "Pro Sol, identidade". Mas no final, claro, tem que ter a porradinha política de sempre: "Mas ora vejam só, já estou gostando de vocês (...) boa viagem, até outra vez" ilustra o compadrio, a corrupção, o "eu tenho contatos", enfim a filha-da-putagem burrocrática que há muito tempo contamina a coisa pública brasileira, e que com a desculpa de "ser apenas para o seu bem", no fundo é só uma bola de ferro no seu pé.

"Segredo da Luz" (Raul - Kika)

Faixa lenta e poética, onde Raul compara a si mesmo e a humanidade às estrelas. Afinal, somos feitos dos mesmos átomos, não somos mais que ajuntamentos de matéria, mas diferente das estrelas somos capazes das maiores proezas, como explorar o desconhecido e descobrir a verdade sobre nós mesmos. O escuro não é senão a ausência de luz, "é quando os meus olhos não podem enxergar", e luz é o que mais temos dentro de nós!

"Aquela Coisa" (Raul - Cláudio - Kika)

Aqui a mensagem é simples e direta. Não se prenda no seu passado, nas bolas de ferro que colocaram não no seu pé, mas na sua cabeça, e pule de cabeça no futuro. Busque novas coisas, novos contatos, novas ações, novos aprendizados, mas não fique aí olhando pro teto, porque aí sim, "talvez alguma coisa muito nova possa lhe acontecer". Destaque pro naipe de metais, sensacional no pré-refrão.

"Eu Sou Eu, Nicurí É O Diabo" (Raul)

Aqui neste mambo, que depois cai meio que prum rock, Raul pode estar explicando pela última vez que suas músicas não têm nada a ver com satanismo ou qualquer coisa, jogando a culpa genericamente no nicuri. Ou talvez esteja respondendo a críticas sobre sua saúde e sua bebedeira. "Eu sou eu, sou assim e pronto, e se tô mal, se tô se envenenando, o problema é meu!" Por falar nisso, "que é de Jango"? Sim, ele pode estar falando do ex-presidente João Goulart, que foi deposto pelos milicos (e mais tarde, suspeitava-se, morreu envenenado, conforme descobriu-se recentemente). Esta música foi defendida por Lena Rios no Festival de 1972, quebrando o galho pro Raulzito safadjenho poder participar do mesmo festival com mais de uma canção. Ele entrou com Let Me Sing My Rock 'n Roll (aqui em outra gravação).

"Capim Guiné" (Raul - Wilson)

Aqui Raul faz um desabafo sobre a sua carreira. Tinha dado duro, buscado contatos, trabalhado até altas horas compondo, foi chamado de hippie, maconheiro, foi ridicularizado, desacreditado, torturado. Mas aí quando seus discos começam a fazer sucesso todos viram amigos, aparecem companheiros, parceiros, comparsas, cupinchas, aproveitadores querendo tirar uma lasquinha do Mestre. Na verdade a música é do Wilson Aragão, que mais tarde também deu explicações sobre a letra: seu pai teria perdido um sítio devido aos grileiros, e fez a música criticando todo o sistema de então: grileiros, policiais, políticos, banqueiros, etc. E Raul aproveitou pois ela se encaixava em sua própria situação. Mas é curioso ela sair neste momento: Raul pensava ter voltado ao topo? Quando na verdade estava apenas resistindo contra a decadência que, a essa altura, era lenta mas já irreversível.

"Babilina" (Davis - Vincent - Versão: Raul)

Agora uns rockabilly aí, pra descontrair, né... esta é a "versão brasileira" de uma porrada do Ronnie Self. Não tem relação com a loja de brinquedos na Geórgia. No original ele só tava falando da curtição na balada tungz tungz com a minazinha foda dele. Já o Raul, hehe... descobriu por que a mina dele ganhava tão bem: ela era profissional da noite, mulher da vida, garota de programa.

"So Glad You're Mine" (Arthur Crudup)

Ironia amarga do destino. Raul quis fazer uma última faixa fodona, homenageando ao vivo Arthur Crudup, o "Pai do Rock", que convenceu o jovem Elvis Presley a começar na música. Mas, passados 30 e poucos anos dá pra ver, só na voz dele falando, que a situação não tava nada boa... já em 1983 ele tava aguentando firme pirambeira abaixo. Apenas.

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar no Youtube pode quebrar o galho nas boas casas do ramo... hã, não, é o inverso...

E é isso!


4 comentários:

  1. E esse Carimbador Maluco viajandão, hein? rs

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  2. Se DDI foi inspiração para USQ, não sei.
    Mas que Raul já deu as caras é fato...

    http://www.umsabadoqualquer.com/category/raul-seixas/

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  3. E eis o meu álbum favorito. Raul maduro, poeta, tranquilo.

    Coisas do coração é uma das mais belas canções de amor da música brasileira.

    "a frieza do relógio não compete com a quentura do meu coração" uma das mais belas frases da obra Raulseixísticas.

    O final de Plunct Plact Zum ("Mas ora vejam só, já estou gostando de vocês (...) boa viagem, até outra vez") eu vejo como a personificação do burocrata - que ele representa na história - o cara que se apega tanto às coisas materiais, às burocracias, às regras, mas sente vontade de também "viajar"... sei lá.

    E Capim guine, o que dizer? A melhor de todas!

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  4. Ah, vale lembrar que "Não Fosse o Cabral" é versão de Slippin and Slidin, do Little Richard

    https://www.youtube.com/watch?v=vOQUNYz3KaM

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