quinta-feira, 10 de abril de 2014

Raul Seixas 11 - Por Quem os Sinos Dobram (1979)

Oi, eu sou o Salinas! Depois de ter gravado o que pensava ser seu último disco, Raul continua seu tratamento contra a pancreatite, e eis que ele sobrevive! Mas nunca mais seria o mesmo: a lenta decadência já havia começado, e ele não repetirá mais o sucesso de Gita e Há Dez Mil Anos Atrás. Nesta fase ele se separa de Tânia Menna Barreto (a qual assina ainda uma das faixas), e ainda arranja uma bela confusão, quando Hugo Amorrotu, um dos faixa-pretas argentinos que ele contratou como guarda-costas, é encontrado morto em seu apartamento.

O disco foi composto em parceria com o também argentino Oscar Rasmussen, que na época dividia apartamento com Raul. A salada de estilos continua, agora também com reggae, e claro, sobrou também pros militares, os grandes inimigos do Raul. Mas dá pra ver claramente que o disco não tem a mesma pegada que os anteriores. O público percebeu que o Raul não tava legal, e o disco fez pouco sucesso.

"Ide a Mim Dada" (Raul / Oscar)

O disco abre num dos poucos ritmos que Raul ainda não tinha usado: o reggae. Um desavisado vai pensar que Raul está "chamando o pessoal" pra vir ouvir o disco, etc. Não, ele está usando um fato da época pra dar outra cacetada na ditadura, como de costume: o ditador Idi Amin Dada, que deu um golpe de estado no Uganda e tocou o terror (literalmente) durante quase dez anos, acabava de ser derrubado do poder. Pois é, ele dançou... é a "dança do Ide a Mim"! E Raul queria o mesmo no Brasil: "Quem dança comigo a dança do Ide a mim / Vai se viciar, não vai querer mais sair".

"Diamante de Mendigo" (Raul / Oscar)

Agora uma baladinha estilo jovem guarda. Raul ficou longe de sua família por vários anos, apenas usufruindo a fama e achando que isso lhe seria suficiente. Não bastasse isso, já estava com sua terceira companheira, duas delas tendo lhe dado filhas, sendo que nenhum desses relacionamentos foi tranquilo. Será tarde demais para perceber o quanto a família lhe fez falta?

"A Ilha da Fantasia" (Raul / Oscar)

Outro daqueles rockzinhos 2/4 com cheiro de country, assinatura inconfundível do Raul. Ainda influenciado pela ideia da morte, seria pelo menos uma fuga deste país que, talvez, não tenha mais jeito: "Vamos escolher bem melhores condições / Longe desse triste carnaval de ilusões". Ou a morte, ou então a saída do Brasil, para nunca mais voltar. Doente ou não, triste ou alegre, o fato é que ele já estava de saco cheio dos milicos! Ou talvez ele estivesse falando da morte mesmo, pra largar essa vida vazia, de bebedeira, que no fundo ele sabia que não valia nada.

"Na Rodoviária" (Raul / Oscar)

Salada geral. Raul parece estar viajando no pó e na cachaça, como aliás era seu costume na época. Ele contrapõe elementos da cultura ocidental com a muito mais antiga oriental: oboé e flauta (instrumentos de orquestra) com o sino (que já existia na China há milênios), Cinderela com Aladim, Abre-te Sésamo com James Dean, Al Capone com Bruce Lee, argumentando que no fundo é tudo a mesma coisa, a cultura ocidental não é senão um eco da oriental, com seus mitos, medos e verdades ~absolutas~. E usa a imagem da vela incendiando tudo, citando ainda Violeta Parra (uma das primeiras compositoras "políticas") e Nero, sim, aquele que tocou fogo em Roma por capricho. Mas o quê que ele quis dizer com isso tudo? Só ele sabe, lá onde ele tá.

"Por Quem os Sinos Dobram" (Raul / Oscar)

Num ritmo triunfal, heróico, corajoso, Raul fala sobre a união como caminho para a Humanidade evoluir. Já na época a tendência individualista se impunha, as pessoas cada vez mais competitivas enxergando no outro apenas inimigos. E ao chegar em casa no fim do dia, "sabendo no fundo do peito que não era nada daquilo", não têm escolha a não ser se resignar, se convencer superficialmente. Enfim, uma crítica ao ego humano, que há milênios tantos tentaram apontar, e até hoje, sem sucesso. O título é uma referência ao livro de 1940 de Ernest Hemingway, que critica os absurdos e a violência da guerra desnecessária, e de onde veio a famosa frase: "não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti". Cada vez que alguém morre, cada um de nós morre um pouquinho enquanto Seres Humanos, transformando-nos, lentamente, de volta em bestas. Desgraçadamente, cada vez menos gente concorda com isso...

"O Segredo do Universo" (Raul / Oscar)

Raul, o profeta, o mestre, o guru espiritual de tantos, resolve fazer um rock, o primeiro pra valer há um bom tempo, pra dar a resposta que todos buscam incessantemente. O segredo está dentro do mambo! Preste bem atenção, nas notas, na célula rítmica, nos compassos. Sim, é ali que está o segredo! Em outros termos, Douglas Adams deu essa mesma resposta mais tarde, ainda mais resumida. Mas, brincadeiras à parte, o segredo está na consciência. As coisas apenas são o que são, cabe a nós parar de ficar conjeturando e começar a buscar a nossa felicidade, que só depende de nós mesmos. Se é que existe algo como um "segredo", é o que nos faz ficar presos à aparência das coisas, tentando explicá-las, buscando suas causas e consequências em vez de simplesmente desfrutá-las tais como são.

"Dá-lhe que Dá" (Raul / Oscar)

A esta altura, não há muita dúvida sobre o que ele diz. Claro, em 1979 a ditadura já não era a mesma, e já dava sinais que ia acabar mesmo. Mas, depois de 20 anos de tortura, "circulando" e aulas de OSPB, Raul profético já imaginava a merda que daria (ou não) largar toda uma geração cultural/politicamente reprimida no meio de uma democracia.

"Movido a Álcool" (Raul / Tânia)

Guisado de metais ao molho de baixo slap: essa é outra das minhas faixas favoritas! Raul critica o Pro-Álcool, que o governo criou para tentar fugir da crise do petróleo. Raul, o economista bêbado, criticando o "carro-centrismo" que hipnotizava o País desde JK, informa que a birita vai ficar mais cara, que no fim quem paga o pato é sempre o povo: "Por que que o posto anda comprando tanta cana / Se o estoque do boteco / Já está pra terminar". Mesmo que o álcool seja renovável e o petróleo não, isso não importa. Pra ele, é como se estivesse tirando dos poetas o direito de criar, já que para as suas letras (um produto ~derivado~ do álcool) só havia repressão do governo, enquanto o mesmo álcool podia empurrar carros sem problemas. Não havia Gurgel mais ~movido a álcool~ do que ele próprio!

"Réquiem para uma Flor" (Raul / Oscar)

Raul fecha o disco numa faixa poética, lamentosa, grave, resignada. Não somos senão "frutos do mundo", ou seja, influenciados pelo que nos rodeia, nossa época, nosso local, nossas pessoas. Vemos tudo que há de errado, mas por mais que se leia e estude, sempre estaremos "dentro da caixa". E assim não conseguimos questionar e mesmo entender plenamente o porquê de tudo isso. E em espanhol ainda, pra dar mais destaque: "Incapaces los hombres / Que hablam de todo / Y sufren callados"

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube.



E é isso! No próximo post continuaremos a sequência com Abre-te Sésamo. Até lá!


8 comentários:

  1. Cara, as citações desse post tão incríveis. Muita info dahora. Fueda, véi!

    ResponderExcluir
  2. Segundo minhas pesquisas, o Hemingway tomou a expressão de um escrito de 1764, de autor inglês que ele lia: John Donne.

    ResponderExcluir
  3. Sobre a primeira faixa, o Raul brinca com o nome do ditador: Idi Amin Dada. O trocadilho faz ele mudar a grafia assim, para que faça sentido em português: Ide a Mim, Dadá. - Vinde a Mim, Neném.

    Tb fiz uma pesquisa sobre a dos sinos:
    pelotascultural.blogspot.com.br/2014/06/raul-ano-69-por-quem-os-sinos-dobram.html

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Francisco, obrigado pelo link! De fato a mensagem da "Por Quem os Sinos Dobram" é imensa. É como se os sinos do funeral avisassem, "Cuidado, pense nos erros dele... olhe onde você vai parar!" Abraço!

      Excluir
  4. A frase em espanhol do Requiem é uma brincadeira do Rasmussen, que optou por recitá-la ele mesmo na gravação, com seu sotaque argentino inconfundível.

    A misteriosa comparação entre Nero e Violeta Parra (que incendiaram Roma com uma vela) pode vir de uma letra dela que diz:
    Qué dirá el Santo Padre, que vive en Roma,
    que le están degollando a su paloma?
    letras.mus.br/parra-violeta/1321843/

    ResponderExcluir
  5. Excelente post.
    excelentes comentários.
    Nem tenho nada a acrescentar... rsrrs

    ResponderExcluir
  6. O vídeo do mambo já era...

    ResponderExcluir