domingo, 23 de agosto de 2020

Bad Religion 14 - The Process of Belief (2002)

Nota: 9

“Com o embrião original ‘Gurewitz, Graffin e Bentley’ novamente reunido, o Bad Religion elevou o nível de contestação de seu som em volume e densidade. ‘The Process of Belief’ iguala e supera qualquer coisa que eles já fizeram até o momento, emocionalmente e tecnicamente, com muito tato. Cada uma das 14 faixas segue seu próprio caminho, personificando idéias de descontentamento e desmotivação, questionando a autoridade e a humanidade, tudo com muita propriedade e uma virtude refinada, indo muito além das ideias pré-concebidas da música Punk.” (Vinnie Apicella, no site da Epitaph Records)

Taí um resumo perfeito de “The Process of Belief”, o 12º disco de estúdio do Bad Religion, lançado em 2002, pela gravadora original da banda, a Epitaph Records. A história desse disco começou um ano antes, em 2001: após um hiato de sete anos, o guitarrista, fundador, compositor e dono da própria Epitaph Records, Brett Gurewitz, acertou sua volta para a banda e a retomada da parceria com o vocalista Greg Graffin na composição. Essa volta já havia sido ensaiada no disco anterior, “The New America”, de 2000, quando os dois compuseram juntos a faixa “Believe It”.

Brett Gurewitz
“Tenho passado mais tempo com meu velho amigo Mr. Brett, já que ele apareceu em alguns shows da tour do New America. Ele me disse que estava impressionado com a produção e a qualidade do som, e eu aproveitei para falar o que eu realmente estava pensando: que adoraria que ele voltasse para a banda”, revelou Greg. “Era o momento perfeito, já que estávamos no fim do contrato com a Sony/Atlantic e ele estava numa fase mais tranquila na Epitaph.” De acordo com o vocalista, o papo foi mais ou menos assim:

Greg: “Brett, você gostaria de escrever e gravar o próximo disco do Bad Religion e voltar pra banda que você sempre pertenceu?”

Brett: “Sim, e você e o Bad Religion gostariam de voltar para a Epitaph, de onde vocês nunca deveriam ter saído?”

Pronto! O “Bad Religion Clássico” estava de volta!

COMPOSIÇÃO

Antes mesmo de assinarem contratos e anunciarem oficialmente a retomada da parceria, Greg e Brett se trancaram em seus estúdios caseiros e começaram a compor, trocando arquivos de Pro-Tools e discutindo as idéias das músicas. Quando eles se encontraram pessoalmente foi apenas uma questão de decidir quais músicas usariam no disco e começar a trabalhar juntos nelas. Ficou muito claro que os dois tinham em mente fazer um disco clássico do Bad Religion, com músicas rápidas, melódicas, contestadoras e inteligentes!

Greg Graffin e Mr. Brett ao vivo
“Nós queríamos melhorar aquelas músicas o máximo possível, pois queríamos que o disco tivesse a nossa marca clássica e, tendo isso como objetivo, sabíamos que não íamos falhar”, disse Greg. “As músicas surgiram rapidamente, mas, quando algumas empacavam, ressaltávamos nossas melhores qualidades como compositores, com Brett dizendo que confiava muito em mim para cantar suas músicas e eu falando como as qualidades dele na produção, nos arranjos e na guitarra melhoravam as minhas músicas.”

Foi muita rasgação de seda mesmo! (rs)

NOVO BATERA

Mais ou menos na mesma época, em junho de 2001, o Bad Religion foi atrás de um novo baterista para substituir Bobby Schayer, que, após 10 anos na banda, havia lesionado seu ombro de maneira permanente, ficando impossibilitado de tocar profissionalmente.

A banda fez audições com cinco bateras. Entre eles, um jovem magrelo de 24 anos, mas com um currículo pesadíssimo, que incluía passagens por bandas como Suicidal Tendencies, Infectious Grooves e The Vandals, chamou a atenção!

O nome dele: Brooks Wackerman.

Segundo relatos, após tocarem apenas duas músicas juntos, a banda afirmou que ele era “o melhor batera que eles já ouviram tocar!” Brooks, por sua vez, aceitou prontamente o convite, sem hesitar!

GRAVAÇÃO

Contracapa
Imediatamente após recrutar Brooks, o Bad Religion foi para o Sound City Studios, em Los Angeles, para a gravação do novo álbum. Eventualmente, algumas partes acabaram registradas no famoso Westbeach Recorders, estúdio de propriedade de Brett onde a banda gravou quase todos os seus álbuns clássicos, e que não era utilizado por eles desde 1993, quando gravaram o fabuloso “Recipe For Hate”. A produção ficou por conta da própria dupla mastermind, com Brett mixando a maioria das músicas e algumas outras sendo feitas pelo tarimbado Jerry Finn (Rancid, Green Day, Pennywise, Blink 182).

Como o Pro-Tools estava em voga na época (e foi usado de cabo-a-rabo no disco), o som do novo Bad Religion reunido acabou ficando bem “digital” e moderno, até polido demais, o que tirou um pouco o punch das músicas (que ainda assim se sobressaíram pela qualidade das composições).

Os backing vocals, principalmente, uma das características mais marcantes do Bad Religion, deixaram de soar naturais pelas evidentes correções de afinação e dobras feitas pelo programa de computador. Curiosamente (e infelizmente), essa nova timbragem mais moderna e digitalmente maquiada atingida em “TPOB” acabou sendo a referência para todos os discos da banda que vieram depois dele.

TÍTULO E CAPA

O nome “The Process of Belief” (“o processo da crença”) veio da letra da música “Materialist”, de Greg Graffin, onde o vocalista versou sobre ser um materialista, no sentido de existir em um corpo composto por matéria física, que existe de verdade. “O nome também reflete o momento que vivíamos na época, onde confiávamos plenamente uns nos outros como uma banda para fazer o melhor disco que pudéssemos”, explicou o cantor.

Detalhe do encarte do CD (clique para ampliar)
A capa preta e branca, feita pela artista Mackie Osborne, reunia os principais elementos que representam o Bad Religion: uma ilustração representando a Religião no lado preto, e outra representando a Ciência (um desenho de um mecanismo de transmissão de energia elétrica, feito pelo famoso inventor Nikola Tesla em 1900) no lado branco. Já o famoso logo da banda foi trocado por um novo com uma tipologia mais suave, somente em letras minúsculas, trazendo um ar mais moderno.

Detalhe do encarte (clique para amplar)

LANÇAMENTO E RECEPÇÃO

A intenção inicial da banda era lançar o disco em outubro de 2001, mas a data acabou sendo postergada para 5 de fevereiro de 2002. Para não perder mais tempo, eles resolveram antecipar tudo e o lançamento acabou sendo dia 22 de janeiro de 2002.

Logo de cara, empurrado pela ansiedade dos fãs em frenesi pela volta de Mr. Brett, “TPOB” estreou em 49º lugar na parada Billboard 200, e em 1º lugar na Top Independent Albums, as maiores marcas da banda até então. O primeiro single, a hoje clássica “Sorrow”, que já tocava nas rádios americanas desde dezembro de 2001, acabou também entrando nas charts, o que não acontecia desde “A Walk”, em 1996.

Assista ao vídeo do Press-Kit de "TPOB": 


A crítica também recebeu o disco de braços abertos, pipocando reviews positivos em praticamente todas as mídias. “É como se fossem faixas perdidas do Suffer, do No Control e do Against The Grain, cravou o jornalista Jack Rabid no All Music. Já Mr. Brett chamou sua obra de “o disco supremo do Bad Religion”. O território perdido pelo fracasso comercial de seus dois discos anteriores, os irregulares “No Substance” e “The New America”, começava a ser tomado novamente, como indicavam as vendas: “TPOB” já vendeu 220 mil cópias até hoje!

Nessa época, Mr. Brett tinha “Epiphany” como sua música favorita composta por Greg Graffin no álbum. Já para o vocalista “The Defense” era a melhor faixa de Brett. E já que falamos das faixas, vamos para o Tracklist!

BR 2002: Brian, Jay, Greg, Brooks, Brett e Hetson
TRACKLIST

Se você quer ouvir um disco clássico do Bad Religion, com certeza sua mente imagina um álbum começando com pelo menos umas três músicas rápidas, fortes e cortantes! É o que “TPOB” entrega: a trinca inicial é a talvez a mais bombástica da carreira da banda, com “Supersonic”, “Prove It” e “Can’t Stop” não deixando pedra sobre pedra, em pouco mais de 4 minutos e meio de música! Não é a toa que a banda ainda toca as três músicas ao vivo até hoje, na mesma sequência do disco!

Supersonic”, composta por Brett, abre o play com um riff frenético de guitarra cheio de Fuzz e descamba para um Hardcore rápido e melódico, como só o BR sabe fazer! A letra provoca o modo de vida ansioso e urgente do mundo, onde tudo está funcionando numa velocidade supersônica. A faixa acabou sendo o quarto e último single lançado para promover o disco, no fim de 2002.

Já “Prove It” é uma composição bem característica de Greg Graffin, sendo um Punk Rock de riffs rápidos, frases cheias de palavras cantadas à velocidade da luz e uma letra contestando o fanatismo religioso.

E a trinca de abertura se completa com a velocíssima “Can’t Stop”, um Hardcore insano composto por Brett numa pegada bem oitentista, trazendo outra letra criticando o modo frenético de viver da sociedade moderna. A música também funciona como um cartão de visitas de Brooks Wackerman, mostrando que agora a banda tinha um baterista vigoroso e que gostava de tocar Hardcore rápido. Muito rápido!

Capa do single de "Broken"
Mostrando que o Bad Religion tinha aprendido a lição de sempre colocar uma música mais Pop em seus discos (o que acontece desde 1990, com “Digital Boy”) para poder figurar no mainstream do Rock, mas sem comprometer sua integridade com seus fãs underground, o play segue com a suavezinha “Broken”, uma semi-balada de Rock Alternativo, com refrão pegajoso e repetitivo e um solo de guitarra de Brian Baker entupido de Chorus (ou Tremolo?).

Apesar da sonoridade “feliz”, a letra escrita por Mr. Brett fala sobre quando o guitarrista foi condenado a seis meses de prisão por posse de drogas, mas conseguiu trocar a pena por um ano na reabilitação. “Quando voltei, uma pessoa amada disse que eu estava ‘acabado’, mas eu acho que justamente esse tipo de falha na vida nos faz mais humanos. A letra fala sobre isso”, justificou.

“Broken” foi o segundo single do álbum, e, além de ser bastante tocada ao vivo na tour do disco, ganhou um vídeoclipe simples e honesto, bem eficiente, gravado no mesmo dia e local do clipe de “Sorrow”, pela equipe da Mindfield and Co.

Assista ao vídeo de “Broken”:

Começando com um clássico “Ya-Hey!”, na faixa 5 temos a empolgada (e empolgante) “Destined For Nothing”, outro Punk Rock simples e direto cheio de coros vocais, composta por Graffin, com letra criticando as intuições sugestionadas pelas religiões. A já citada “Materialist” vem na sequência, com riffs cromáticos urgentes e uma linha de voz cheia de fôlego, com mil palavras cantadas por segundo por Greg, quase sem intervalo pra respirar entre os versos e o refrão!

A próxima é “Kyoto Now!”, uma crítica direta de Greg Graffin ao governo norte-americano por não assinar o Protocolo de Kyoto sobre a emissão de gases no planeta. Muito executada ao vivo, a faixa abre com um riff de música tradicional japonesa e descamba para outro Hardcore rápido e certeiro, com melodias lindas e uma construção harmônica bem elaborada, típica do vocalista.

CD Single de "Sorrow"
E aí o play chega no seu clássico supremo: “Sorrow”! Primeira música composta por Brett para o disco, essa pérola da carreira do Bad Religion conta uma letra inspiradíssima sobre a história bíblica de Jó, “o único homem bom de verdade na Terra, mas que foi abandonado por Deus numa aposta com o diabo”, de acordo com o guitarrista. Seu épico e (literalmente) explosivo refrão, “...and there will be Sorrow!”, está fadado a ser cantarolado eternamente a plenos pulmões por todos os fãs da banda em cada show que ela fizer até o seu fim!

E mesmo com toda essa aura de clássico, a construção de “Sorrow” é ridiculamente simples, tendo apenas quatro acordes (Dó, Ré, Mi menor e Sol), como em qualquer bom Punk Rock! Prova cabal que Brett estava incrivelmente inspirado quando a compôs, apesar de que uma de suas especialidades sempre foi fazer uns punk rock maravilhosos com poucas notas!

Como já foi mencionado, “Sorrow” foi o primeiro single do álbum e seu videoclipe é bem similar ao de “Broken” por ter sido gravado na mesma sessão e pela mesma equipe.

Assista ao clipe de “Sorrow”:

Equilibrando novamente o disco com uma necessária desacelerada, a balada hard rocker “Epiphany”, de Greg Graffin, surge em seguida com seu riff de baixo marcante (composto por Greg, mas melhorado pelo baixista Jay Bentley) e seu refrão forte e perfeito pra cantar junto nos shows! Brian Baker deve ter lembrado de seus tempos de “Hard Rock” no Junkyard ao executar o interessante riff de guitarra após o refrão!

Epiphany” é, de fato, diferente de tudo que o BR já tinha feito até então, e serviu como uma ótima oportunidade para os membros mostrarem que estavam em seu ápice como instrumentistas, além de dispostos a explorar outras possibilidades de se expressar, mas ainda dentro da esfera do Punk Rock. Pura evolução musical!

CD Single de "The Defense"
Dois sons de Brett vêm na sequência: a alegrinha e diluída, porém dotada de um riff bem sacado, “Evangeline” e depois a cadenciada “The Defense”, terceiro single do play, bastante executada ao vivo, porém sem trazer nada que justificasse tanta insistência da banda em apostar no som, já que é apenas uma composição mediana e que, num dado momento, fica até repetitiva. Com sua introdução de cítara, ela acabou até figurando na coletânea “Punk-O-Rama 7”, da própria Epitaph Records, mas com uma mixagem diferente do disco.

A próxima, “The Lie”, apesar da “letra-lição-de-moral” de Graffin, não passa de ser um filler, sendo a mais fraca do disco, mesmo entre as músicas que ficaram de fora do tracklist oficial. Ela é seguida por “You Don’t Belong”, de Mr. Brett, certamente inspirada na “The Kids Aren’t Alright”, do Offspring, já que a letra segue exatamente a mesma fórmula de citar personagens reais do passado da banda, com a diferença que, aqui, no caso do BR, a letra é otimista. No entanto, a música não tem o brilho, nem o gancho da música de Dexter Holland e Cia.

Fechando o tracklist oficial de “The Process of Belief”, vem a inspirada e subestimada (pela própria banda) “Bored and Extremely Dangerous”. Em sua letra, Graffin tentou entrar, de maneira dramática e poética, na mente de um dos atiradores do Massacre de Columbine: um estudante entediado, que sofria bullying e resolveu descontar sua raiva do mundo metralhando seus colegas de escola:


"Com nada de bom pra fazer, ninguém pra vir em casa,
concluo que posso descontar em vocês!
Eu tô extremamente de saco cheio desse mundo de sonhos idiotas!
Desilução! Eu não sou quem pareço ser!
E é claro que eu posso machucar, E fazer valer o meu direito de me armar,
Vingança! Se ao menos alguém me desse moral!"

O som é outro Hardcore rápido, com uma construção harmônica muito intricada, claramente composta no piano (como é de costume de Greg). A pausa estratégica no meio da música, com sons de vários relógios tocando o alarme ao mesmo tempo (ideia de Brett), fez com que a volta repentina dos versos parecesse o momento em que uma bomba-relógio explodisse, ou, o momento em que o garoto retratado na letra perdeu a paciência e resolveu cometer o atentado. Tenso!

Punk-O-Rama 8

Ao vivo, a banda inovou: a primeira parte da música era tocada apenas no violão (às vezes somente com Greg) e, depois da pausa com os sons dos relógios, a banda entrava quebrando tudo com as guitarras, baixo e bateria a toda velocidade! Pena que ela só foi tocada na tour do disco "New Maps of Hell", que só viria depois, entre 2007/2008.

Na edição japonesa, o álbum contou com a linda e épica “Shattered Faith” como bônus track. Com mais uma letra anti-religião composta por Greg, ela é constantemente citada nos fóruns da banda pela internet como uma das mais subestimadas do Bad Religion, tanto por não ter entrado no tracklist oficial do disco, como por nunca ter sido executada ao vivo. Realmente, uma judiação!

A banda também gravou a interessante “Who We Are”, de Mr. Brett, que acabou saindo como lado-B do single de “Broken”, e que só não entrou no tracklist, porque o guitarrista não ficou contente com a mixagem final. As duas acabaram figurando na “Punk-O-Rama 8”, um ano depois, em 2003.

CD Promo de "TPOB"
CLÁSSICO

De fato, quando decidiram fazer mais um álbum clássico em suas carreiras, motivados, principalmente, pela retomada da amizade e da parceria criativa, Greg Graffin e Brett Gurewitz não brincaram em serviço e entregaram o melhor e mais “sangue-no-zóio” disco do Bad Religion do novo milênio até os dias de hoje.

Apesar da produção exageradamente polida, “The Process of Belief” marcou o início da atual fase do Bad Religion com sua coleção de músicas fabulosas, com muitos momentos épicos e marcantes, e mostrou que, mesmo após 22 anos de estrada (à época), a banda ainda tinha muita lenha pra queimar, se mostrando muito sedenta para retomar seu lugar no trono da elite do Punk Rock mundial. O patamar estava novamente elevado!

TOUR

O BR saiu em tour para promover “TPOB” no dia seguinte de seu lançamento, em janeiro de 2002, ficando na estrada até setembro de 2003. O ponto alto do giro foi a participação como atração principal na Vans Warped Tour 2002, que durou de junho até agosto, rodando os Estados Unidos de costa à costa.

BR na Warped Tour 2002

Infelizmente, apesar de toda a repercussão mundial do disco, incluindo seu lançamento aqui no Brasil pela Sum Records, o BR não tocou na América do Sul nessa turnê, se limitando a rodar entre EUA (incluindo o Havaí) e Europa, com aquela passagem estratégica no Oriente para tocar no Japão, Austrália e Nova Zelândia.

Shape com a arte de "TPOB"

PUNK ROCK SONGS

A obrigação contratual do BR
Ainda em 2002, no dia 30 de abril, precisamente, foi lançada a coletânea "Punk Rock Songs (The Epic Years)". O disco, que encerrava as obrigações contratuais
 do Bad Religion com a Atlantic Records, era um apanhado de 26 faixas entre singles, gravações ao vivo e b-sides que a banda lançou de 1994 a 2000, período entre os discos "Stranger Than Fiction" e "The New America". Nenhum membro do BR se envolveu no lançamento e, curiosamente, ele não foi lançado nos Estados Unidos; apenas em mercados bem específicos e peculiares como Alemanha, Japão, Brasil, Malásia, Turquia, Rússia e Coréia do Sul.



Escute "The Process of Belief" na íntegra:

terça-feira, 14 de abril de 2020

Bad Religion 13 - The New America (2000)


Nota: 7

Quando você desce até o fundo do poço, o único caminho que resta é subir novamente! Talvez, inconscientemente influenciados pelos resultados pífios de seu disco anterior, “No Substance” (1998), o Bad Religion decidiu que era hora de dar uma renovada legal no seu som para o seu próximo esforço fonográfico. Dito isso, pode-se ter uma idéia de como “The New America”, o 11º álbum de estúdio dos californianos, ficou do jeito que ficou: pomposo, carregado demais na produção e com um acento Pop fortíssimo!

Também aconteceu de ser o último disco previsto no contrato com a Atlantic Records, e Greg Graffin e sua trupe aproveitaram bem as últimas “regalias” que estar assinado com uma major pode oferecer. Para produção, eles escolheram o old school Todd Rundgren, um tiozão famoso por emplacar alguns hits do Pop Rock dos Anos 70 (como “I Saw The Light”) e por produzir nomes como Badfinger, New York Dolls, Meat Loaf, entre outros.

Todd Rundgren e Greg Graffin no estúdio
Graffin provavelmente teve um grande dedo nessa escolha, já que ele sempre foi declaradamente super fã de Rundgren, e havia mandado seu disco solo “American Lesion” para que ele escutar antes de se acertarem para o disco do BR. “Ele fazia música Pop, mas de um jeito que você não ouve no rádio”, justificou o frontman, já entregando o direcionamento que o Bad Rleigion estava tomando ao fechar com um “produtor Pop”. “Muito da minha identidade musical na juventude esteve conectada com o jeito que ele se comportava.”



GRAVAÇÃO
Aproveitando os benefícios do “pacote gravadora major”, em setembro de 1999 a banda viajou para o Havaí, onde Rundgren morava, para seis semanas de gravação, com intervalos para surfe (Jay), curtição na ilha (Brian e Hetson) e ecoturismo (Graffin). Um galpão de um casal de idosos, nomeado no disco como ‘Victor’s Barn’, em Kauai, foi alugado para que a banda pudesse ensaiar e gravar algum material.
BR com Todd Rundgren no estúdio
Só que essa proximidade com o produtor, para uma banda Punk acostumada a fazer tudo por si mesma desde sempre, azedou o caldo. “Não sentia que estávamos chegando a algum lugar, assim como o Greg”, revelou, anos depois, o baixista Jay Bentley (sempre ele dando a real!). “Todd não gostou do Greg e isso deixou Greg muito puto, pois ele conheceu seu ídolo de perto e ele era um cuzão.” No entanto, quando publicou seu primeiro livro, em 2010, Graffin escreveu que ele e Rundgren são amigos apesar dos pesares.

Brian Baker trabalhando no Havaí
Além do clima pesado na gravação, Rundgren decidiu captar o disco todo direto no computador, usando o Pro-Tools, fato que desagradou o guitarrista Brian Baker, que nem se preocupou muito com seus timbres e guitarras, uma vez que “quando vai direto pro computador, pouco importa.”

Já Greg Graffin achou que Rundgren deu mais pitacos nas letras que o vocalista escreveu, com a sugestão de mudar o tom do discurso de “punk pessimista no future” para “punk otimista ativista”, o que trouxe uma atmosfera mais leve ao conteúdo do álbum. A banda também optou por mudar o esquema de produção e relação ao disco anterior, trazendo muitas demos prontas para trabalharem juntos no estúdio.

LANÇAMENTO
The New America” acabou sendo mixado e masterizado em Los Angeles, por Bob Clearmountain (que mixou “Born in the USA” do Bruce Springsteen), ficando pronto somente em fevereiro de 2000, para ser lançado em 24 de maio de 2000. Logo de cara, o disco entrou na parada da Billboard 200 na 88ª posição. Seria o disco de aniversário de 20 anos da banda, o primeiro no novo milênio, mas Greg e Jay optaram dizer que era “apenas mais um álbum”.

Capa original lançada na versão europeia
Foram feitas duas capas diferentes: a original era uma pintura do artista Joe Murray mostrando três crianças saudando a bandeira americana com armas nas mãos. Mas ela acabou sendo considerada muito agressiva pela gravadora, que produziu outra versão para o mercado americano (e que acabou saindo aqui no Brasil), com uma montagem bem simplista de helicópteros sobrevoando casas. A imagem também foi usada como backdrop do palco na tour que se seguiu ao disco.  E quem comprou o disco na primeira semana de vendas nos Estados Unidos ganhou um ingresso para qualquer show na turnê americana.

RECEPÇÃO
A roupagem mais Pop e acessível de “The New America” gerou grande controvérsia entre os fãs e entre os próprios membros da banda. Do lado dos fãs, Fat Mike, líder do NOFX e grande fã do BR, falava abertamente nos shows de sua banda na Warped Tour 2000 que o disco era “uma bosta”. Já entre os membros do BR, enquanto Greg se justificava dizendo que “algumas bandas tem medo de mudar e sair da zona de conforto” e que “o Bad Religion e o Punk Rock sempre foram sobre desafios”, Jay comparou o disco a uma “versão do American Lesion (disco solo de Folk Music de Graffin) com músicos melhores.

Encarte do CD (clique na foto para ampliar)
Foto de divulgação da banda na época do disco
Chega de papo! Vamos às músicas!

TRACKLIST
O play, que tem pouco mais de 40 minutos divididos em 13 faixas, abre com a vigorosa e otimista “You’ve Got a Chance” trazendo guitarras nervosas bem “na cara”, já destacando a produção bem límpida, cheia e otimamente timbrada, além de alguns efeitos diferentes e uma outra abordagem nas vozes de Greg.

Depois temos “It’s a Long Way to the Promise Land”. Honesta, pórem mais alegrinha e cadenciada, conta com vários “ohhhhz n’ ahss” no refrão e vários efeitos e filtros, como nunca se ouviu antes num som do BR. “Promised Land”, inclusive, chegou a ser cogitado para ser o título do álbum, mas a música, de fato, não traz aquela força digna de uma faixa-título de disco do Bad Religion.

“Melodia é a chave que vai te libertar!” este é o refrão da faixa 3, a esperançosa “A World Without Melody, que traz uma interessante introdução psicodélica de baixo e bateria e descamba para outro punk honesto e melódico, bem “up” e cheio de floreios das guitarras de Brian Baker, o que também se viu em muitos outros momentos do álbum.

capa do single New America
Na posição 4 está a faixa-título, primeiro single e mais poderosa música do disco, “New America”, com seu refrão épico e clima de hino de futebol! A letra (que começa com Greg gritando “Jimmy”, em referência ao vocalista da banda Punk inglesa Sham 69) é uma verdadeira intimação à mudança de paradigmas, naquele esquema de “já que somos a nova América temos que começar agir como tal”. Se a produção fosse mais roqueira, a cavalgada de uma das guitarras no verso seria mais nítida e a música com certeza ganharia um peso absurdo!

Apesar do single não ter emplacado, “New America” ganhou o único (e super divertido) clipe do álbum, onde dois meninos brincam de Punk Rock com bonequinhos da banda! Como parte da promoção do disco, o BR também apresentou a música ao vivo em um “late show” da TV americana (assista AQUI).

Assista ao divertido clipe de “New America”:

Em seguida, temos “1000 Memories”, uma das músicas mais subestimadas e também uma das mais pessoais da história da banda. Em sua letra, que foi brilhantemente encaixada num Hardcore Melódico típico do BR, Greg Graffin pôs pra fora, da maneira mais escancarada possível, as dores de seu recente divórcio: “Você era única, você era tudo. Nunca separados, nunca ninguém entre nós. Mas um dia, quando você foi embora, você se sentiu justificada e eu me senti mortificado!”

Greg gravando
Uma curiosidade: na tour do disco, no show da Argentina, quando tocaram essa música, algumas pessoas relataram que Greg estava com lágrimas nos olhos enquanto a cantava com raiva! No vídeo do show não fica claro, mas é possível ver que o vocalista realmente estava bem alterado! Mais sincero, impossível! E Punk e Hardcore sempre foram sobre sinceridade! ;)

Depois do “climão” da letra sobre divórcio, o BR amenizou as coisas com “A Streetkid Named Desire”, onde um nostálgico Greg Graffin canta sobre sua adolescência como punk rocker em Los Angeles. A música é, de fato, mais animada e pra cima, mas a super produção de Rundgren, com muitos overdubs de guitarra e a enxurrada de harmonias nos refrãos, diluiu todo o poder da música.

contra capa do CD
Whisper in Time” vem na faixa 7 carregando o estigma de ser a balada do disco. A música é bem legal, mas parece que foi tirada da carreira solo Folk de Greg Graffin. Brian Baker, com seu background Hard Rocker (além do Minor Threat, ele também integrou o farofento Junkyard antes do BR), aproveitou e se destacou com solos cheios de feeling, não muito típicos em um disco de Punk Rock.

E já que estamos falando de feelings, “Believe It” talvez seja o momento mais emocional do álbum, não pela música em si, que é, na real, bem fraquinha, mas pelo contexto de sua criação. Greg e Jay, quando planejaram (e depois abortaram) a idéia de fazer o “disco dos 20 anos do BR”, resolveram deixar as rusgas de lado e ligaram para Brett Gurewitz, convidando o ex-guitarrista para participar do disco.
Bonequinhos do Bad Religion do clipe de New America
Brett topou na hora, contanto que pudesse também compor, além de tocar, e o resultado foi “Believe It”, a única música que Greg não assinou sozinho no álbum. Já que a banda estava no Havaí, e Brett gravando o disco do Rancid em Los Angeles na época, o guitarrista gravou seu solo em um dos intervalos da produção e enviou diretamente para Rundgren encaixá-lo na música. Todos sabem que a partir dessa participação descompromissada acabou rolando a volta do guitarrista para a banda, mas esse assunto ficará para a próxima resenha!

Capa do single I Love My Computer
Outra tentativa de amaciar seu som e entrar nas paradas de sucesso foi o segundo single “I Love My Computer”. A letra foi super bem sacada, já que Greg ironizou, ainda no ano 2000, o distanciamento nas relações provocado pelo advento do computador e da internet, apimentando o tema com insinuações de “sexo virtual”. “Eu amo meu computador, ele ta sempre a fim, (...) Ele nunca pede por mais, podendo ser minha princesa ou minha puta. Nunca foi tão fácil! (...) Tudo que tenho que fazer é dar um clique pra gente se unir da maneira mais desalmada possível!” De tão Pop que era o acento da música, além de vários sons eletrônicos, pode-se ouvir algumas camadas de teclado tocadas por Graffin.

Assista “I Love My Computer” ao vivo, na TV:

Mantendo a dinâmica de equilibrar os climas de cada música, o play segue com a punk rockerThe Hopeless Housewife” e sua levada bem “Punk 77” que te convida ao pogo! A letra prega contra o marasmo, chamando os acomodados de “dona-de-casa conformada”. Já o som, mesmo com a produção exagerada, empolga bastante, sendo uma das melhores do disco, apesar de pouco explorada pela banda nos shows.

Foto do press release
Outra baladinha bonitinha com guitarras mais limpas vem em seguida, com o otimismo de “There Will Be a Way”. Apesar de sua sensibilidade, a música soa como um filler de fim de disco, assim como a mediana “Let It Burn”, que, apesar de ser outro convite punk à ação direta, e ter uma levada rápida com harmonias bem construídas (e uma super linha de baixo de Jay), não chega a empolgar. O baixo também é notado na introdução da música, com Jay fazendo um solo diretamente influenciado pelo The Who!

No final, temos a visceral “Don’t Sell Me Short”! Ela não é tão épica quanto outros encerramentos de disco do BR, mas é direta, melódica, bem elaborada e ótima pra cantar junto, tanto que foi usada pela banda para abrir os shows da turnê. Em suas versões europeia e japonesa, “The New America” ainda contava com dois bônus tracks: o Hardcore maravilhoso “The Fast Life” e a popzinha “Queen of the 21st Century”. Além delas, a banda gravou as medianas “Lose as Directed” e “Pretenders”, que foram usadas como B-Side nos singles.

TOUR
Outdoor do show de São Paulo
A “The New America Tour” teve 103 shows e durou de abril de 2000 até março de 2001. Nela, o Bad Religion foi convidado para abrir a turnê americana do Blink 182, tocando em grandes arenas, mostrando para a molecada de onde o trio de San Diego tirou seu lado mais Punk.

Aqui pra baixo, a perna sulamericana da tour aconteceu em março de 2001 e contou com seis apresentações, com um show na Argentina, outro no Chile e quatro gigs no Brasil (São Paulo dia 14, Curitiba dia 15, Rio dia 16 e Porto Alegre dia 18). No Brasil, eles participaram do programa “Uá-Uá” da MTV, cujo vídeo é encontrado em duas partes no YouTube (parte 1 e parte 2).

Assista ao show completo do BR na Argentina:

Uma entrevista com o baixista Jay Bentley ao portal Terra, durante a tour brasileira pode ser lida neste LINK.

FINAIS FELIZES
“New America” marcou o fim da fase do Bad Religion na Atlantic Records, onde estava desde 1993, quando o grupo abriu mão de sua independência e acabou experimentando seu maior sucesso comercial, se tornando uma banda popular e respeitada não apenas no underground.
Bobby Schayer gravando The New America
Também foi o último disco e última tour do gente-finíssima Bobby Schayer na bateria, que teve que se aposentar de tocar profissionalmente devido à uma lesão no ombro (provavelmente uma tendinite crônica). Essa condição pode ser notada em qualquer vídeo ao vivo do grupo, já que Bobby claramente não levanta seus braços acima dos ombros para atacar a bateria. Como o próprio Jay Bentley admitiu, a pegada de Bobby, que entrou no BR em 1991 e é um dos bateristas mais queridos pelos fãs, revolucionou o som da banda e levou eles a outro patamar sonoro. Sua performance em “New America” certamente é seu ápice como músico.

Poster de divulgação do disco
DEMOS
Sem dúvida nenhuma, “The New America” é o disco do BR que mais teve demos divulgadas no YouTube. Também deve ter sido o disco que o BR (leia-se Greg Graffin), mais se preparou antes de começar a gravar, já que dois sets de demos foram levados para o trabalho no estúdio. O primeiro tinha nove músicas gravadas por Greg sozinho em seu home studio, e o segundo tinha 12 sons gravados com a banda toda no estúdio, no Havaí.
Confira abaixo todas as demos divulgadas de “The New America”:

·                A World Without Melody

·                The Hopeless Housewife

·                New America

·                California (som inédito não incluso no disco)

·                The Fast Life

·                There Will Be a Way

·                A Streetkid Named Desire

·                1000 Memories

·                Whisper In Time

·                Believe It

Nota pessoal: “Lembro que esse CD chegou em minhas mãos ainda em 2000, emprestado pelo baterista da minha banda na época. Tocávamos alguns covers do BR, como “Do What You Want” e “Fuck Armageddon”, e eu perguntei empolgado: “e aí, tá legal esse?" Ele me respondeu; “pode ficar um tempão com o CD, porque é franquinho...” (risos)

Escute "The New America" na íntegra: