segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Bad Religion 8 - Generator (1992)

Nota: 9

Após ter varrido Estados Unidos e Europa na “Against The Grain Tour” nos primeiros meses de 1991, o Bad Religion finalmente estava se assumindo como “pai-criador” de um novo estilo de Punk Rock e de uma nova cena mundial, que se caracterizava principalmente por bandas que tocavam um som rápido e (muito) melódico.

E na condição de “leader not follower”, havia chegado a hora do Bad Religion dar um passo para além dos limites musicais que explorou profundamente em seus três discos anteriores, “Suffer” (1988), “No Control” (1989) e “Against The Grain” (1990), que inclusive já começavam a ser declaradamente (e descaradamente) copiados pela maioria das bandas punks da época. “Estava ficando chato”, disse o guitarrista Mr. Brett em entrevistas na época. “Era hora de mudar.”

Não que essas mudanças significassem algo tão drástico como eles fizeram no péssimo “Into The Unknown”, em 1983, mas eles decidiram deliberadamente, antes começar as gravações de seu 6º álbum de estúdio, dar uma “simplificada” no caldo, enxugar qualquer possível excesso e fazer um disco mais direto e, consequentemente, poderoso.

BR-92: Hetson (g), Bentley (b), Bobby (d), Brett (g) e Graffin (v)
A primeira mudança foi o método de gravação: com uma nova e maior locação para o seu estúdio Westbeach Recorders, Mr. Brett e os outros membros do BR puderam pela primeira vez tocar juntos na sala de gravação, optando por gravar o disco “ao vivo”, com todos tocando ao mesmo tempo, além de manterem Brett no comando da mesa de som, como engenheiro do álbum, e todos opinando na produção!

Encarte completo do K7 de Generator
A outra mudança foi no método de composição: em vez de ensaiarem e até mesmo testarem as músicas ao vivo antes de gravar (exceto por “Heaven is Falling”...), eles aprendiam as composições juntos no estúdio, por meio das demos trazidas por Brett e pelo vocalista Greg Graffin, por cerca de uma hora e logo já apertavam o ‘Rec.’, o que fez com que as versões registradas para a bolacha se tornassem as primeiras versões de cada música tocada pela banda! “Eu escutava o disco e dizia ‘porra, o que eu fiz nessa parte mesmo?’”, comentou o baixita Jay Bentley, na época, sobre o método que o levou a ter que ouvir seu próprio disco para aprender as músicas. “Mas eu realmente me diverti gravando esse disco.”

O resultado dos novos métodos de gravação, que levou apenas 10 dias para ser finalizada, em maio de 1991, ficou bem latente já no número de composições apresentadas: apenas 11 faixas em 30 minutos. Vitória! Já que ia na direção oposta dos 3 discos anteriores, que tinham entre 15 e 17 músicas cada, com aproximadamente o mesmo tempo de duração. E, ainda que isso signifique que as músicas novas ficaram um pouco mais longas, seus arranjos estavam, de fato, melhores e mais elaborados!

Contracapa do disco
Tudo estava lindo! O Bad Religion estava empolgadíssimo com seu novo disco, já acertando os detalhes do lançamento, quando as primeiras cópias que chegaram da fábrica ao escritório da gravadora Epitaph Records deixaram eles extremamente insatisfeitos com o material dos encartes e com a arte do pacote, em geral. Fazer tudo de novo era necessário, mas isso resultou em adiar o lançamento do disco para o próximo ano...

Para não perder a viagem (e o período de altas vendas de fim de ano), Mr. Brett (já falei que ele é dono da Epitaph, né? rs), muito esperto como sempre, acabou lançando a primeira coletânea do Bad Religion, simplesmente intitulada “80-85”. O disco, que chegou às lojas dia 12 de novembro de 1991, trazia na íntegra quase tudo que a banda lançou entre 1980 e 85: o primeiro EP autointitulado do BR lançado em 1981, o primeiro LP, How Could Hell Be Any Worse”, de 1982, o segundo EP “Back To The Known”, de 1985, e mais três versões de uma coletânea de 1980. Só o já citado disco de 1983, “Into The Unknown”, havia sido espertamente ignorado...

Escute a coletânea "80-85" logo abaixo:

E o atraso que poderia ter sido desastroso para o Bad Religion acabou jogando a favor, quando as encomendas de pré-venda de seu novo disco já haviam ultrapassado as pré-vendas dos discos anteriores. Só na Alemanha, 50 mil cópias já estavam previamente vendidas, tanto que a companhia de frete teve que alugar um avião exclusivo para levar a encomenda da Epitaph para lá, na época.

Arte completa do encarte do CD
E dez meses depois de gravado, “Generator”, 6º disco de estúdio do Bad Religion, foi finalmente lançado no dia 13 de março de 1992, pela Epitaph Records, já com 85 mil cópias vendidas em menos de um mês de comercialização, sendo o 2º disco do BR mais vendido até então, perdendo somente para “Against The Grain”, lançado dois anos antes (no Brasil, o play só foi lançado no fim dos Anos 90 pela Roadrunner Records).

A capa, até então responsável pelo atraso no lançamento, trazia apenas uma mão de uma estátua extraída de uma fotografia artística dos “The Douglas Brothers”, com o nome da banda e do disco escritos de maneira que formavam um arco e flecha. Nada tão legal quanto às artes apresentadas antes, mas uma amostra que a banda realmente estava tentando “algo diferente”, de fato.

Outra novidade que “Generator” trouxe, mas essa não-intencional, foi a adição do baterista Bobby Schayer ao time, no lugar de Pete Finestone. “Certamente a maior variedade de ritmos nas músicas novas se deve a ele”, declarou o baixista Jay Bentley na época sobre o novo membro. Finestone saiu do BR no início da tour do disco anterior, no comecinho de 1991, mas havia deixado gravado partes de bateria nas demos de duas músicas que acabaram em “Generator”: “Fertile Crescent” e “Heaven is Falling”, lançadas posteriormente em 2004, como bônus na edição re-masterizada do álbum.

Blusão oficial da "Generator Tour"
E “Generator” também ficou marcado por ser a pela primeira vez em que o BR não abria um disco com um “hardcore-voadora-com-os-dois-pés-no-peito”! Ao invés disso, eles entregaram logo de cara a belíssima e melódica faixa-título, um clássico absoluto da banda, tocado ao vivo até os dias de hoje (inclusive com uma nova introdução de tirar lágrimas!).

Composta por Mr. Brett na manjadíssima sequência de acordes “Am-F-C-G”, “Generator”, a música, contém as famosas partes de “música abstrata” já utilizadas pelo guitarrista anteriormente, mas elevadas a um patamar ainda mais experimental e livre: após os refrãos, cada membro toca literalmente o que quiser, gerando um curioso efeito de cacofonia, que logo é sobreposto pela melodia da música, tomando seu lugar de volta. Na letra, Brett também foi longe na “abstração”, simplesmente tecendo frases poéticas sem ligação entre si, tentando significar a “onipresença de Deus”, o “gerador” (“generator”, em Inglês”).

O hardcore de derrubar paredes ficou para a faixa 2, com a alta “Too Much to Ask”, composta pelo vocalista Greg Graffin, e que começa com uma introdução alegrinha, mas logo descamba ladeira abaixo a toda velocidade, com vários coros “oozin ahs”.

Letras no encarte do K7 (clique para ampliar)
Ela faz bem a ponte para outro clássico contido no disco: a contestadora e pessimista “No Direction”, também escrita pelo cantor, que utilizou acordes da escala menor para dar um clima tétrico à sua letra: “No Bad Religion song can make your life complete. Prepare for rejection you'll get no direction from me” (tradução: “Nenhuma música do BR pode fazer sua vida completa. Prepare-se para rejeição, você não vai obter nenhuma orientação de mim”). Era o recado de que “nenhum messias existe, pare de procurar” sendo dado de forma direta e sem as palavras científicas, outrora muito utilizadas pelo vocalista, que também é professor universitário. Nada poderia ser mais Bad Religion...

O disco segue com a punk-veloz “Tomorrow”, e logo em seguida cai na cadenciada “Two Babies in the Dark”, que discorre sobre os apuros da uma gravidez indesejada na adolescência. A música, que mostrou um lado musical mais obscuro, ou “dark”, do BR, foi inspirada na irmã adolescente de Brett, que engravidou na época, mas “ainda tinha medo de escuro” (!!!), segundo o guitarrista. A rápida “Heaven is Falling” vem em seguida e protestava contra a Guerra do Golfo, bem forte àquela época, encerrando o lado A do vinil.

O lado B abria com o 1º single do disco, a anti-nuclear “Atomic Garden”, que com seu riff de guitarra dobrado por um piano (!!!), acabou se tornando também o videoclipe do Bad Religion, em uma produção amadora e independente, filmada no galpão da própria Epitaph, pelo amigo da banda e diretor Gore Verbinsky (assista logo abaixo).


The Answer”, outra bem cadenciada, vem na sequência trazendo uma das letras mais contestadoras de Greg Graffin no BR, sobre a tão procurada “resposta” para as dúvidas de nossa existência (“Não me fale que você achou a resposta, pois logo vai aparecer outra pessoa dizendo a mesma coisa”), além de um “solo” de “oozin ahs” maravilhoso no final.

VHS Big Bang
Na reta final, temos as fillersFertile Crescent”, com seus versos entupidos de tanta palavra encaixada; a “tradicionalmente Bad Religion” “Chimaera”; e a altamente crítica aos telejornais da TV “Only Entertainment”, com sua levada surf, bem “californiana”, encerrando o CD com a vibe lá em cima!

Em geral, as 11 faixas de “Generator” deram um novo colorido à carreira e à discografia do Bad Religion, ampliando seu leque de opções na hora de compor, também provando que a banda sabia aparar as próprias arestas ao escolher fazer um disco com músicas mais simples e diretas.

Em 25 agosto de 1992, cerca de cinco meses depois do lançamento de “Generator”, o BR lançou seu 2º home vídeo, o VHS “Big Bang”, mas apenas na Europa (assista ele completo AQUI).  Assim como seu 1º VHS “Along The Way”, “Big Bang” foi produzido pela “Tribal Crew”, com imagens de 18 shows da “Against The Grain Tour 1991” no velho continente, totalizando 24 músicas ao vivo e algumas entrevistas, além do clipe de “Atomic Garden”. O lançamento antecedeu o sétimo trabalho de estúdio do BR, o disco “Recipe For Hate”, de 1993, que veremos na próxima resenha. Até lá!
 
Escute “Generator” logo abaixo:

*Bônus: versões demo de 8 músicas de “Generator” estão disponíveis no Youtube:

Clique sobre os títulos para ouvir:

- Inner Dream (não-lançada)

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Sérgio Sampaio 2: "Tem que Acontecer", 1976

"Um livro de poesia na gaveta não adianta nada, lugar de poesia é na calçada".

Foi exatamente essa frase que me fez parar e reparar na obra do Sérgio Sampaio. Essa pérola está na terceira faixa desse disco, "Tem que acontecer", lançado em 1976 pela Continental, e que, infelizmente, foi um fracasso de vendas. Triste demais, visto ser um disco maravilhoso, com canções incríveis, bem gravadas, bem produzidas, com participações especiais de gente do naipe de Altamiro Carrilho e Abel Ferreira.

Esse disco tem algumas das melhores composições do Sampaio. A já citada "Cada lugar na sua coisa" é uma pérola da MPB. "Que Loucura", "Velho Bandido" e a faixa título não perdem em nada, também. O LP é bem mais voltado pro samba, menos diverso que o anterior. Mas não é menos genial. Mais uma vez, infelizmente teve pouca divulgação, pouca repercussão, pouca mídia. A imprensa e os críticos praticamente jogaram o Sérgio pra escanteio. Sua vida desregrada de noitadas também não colaborou pra que o disco tivesse um desempenho melhor.





Mas paciência. Felizmente ele ganhou uma reedição em CD pela Warner, mais recentemente. Justamente esse disco que um dia lhe consagrou o título de "Maldito da MPB", e que também diferenciou Sampaio de tudo o que a MPB já havia produzido, não pela sonoridade, mas pela carga poética, pela forma como o cara construiu suas canções, pela maravilhosa união da música popular às histórias da vida de um brasileiro médio, sonhador e artista. A faixa introdutória já é um prenúncio de como o album vai se desenrolar. Muito samba, letras fortes, extremamente pessoais, biográficas, crônicas da vida de um jovem Sampaio:

01. Até outro dia
Sambinha na caixinha de fósforo, tamborim, agogô, bumbo, cavaquinho, e tudo que se tem direito. O violão mantém a base melódica, e Sampaio canta, melancólico, que quem manda nele é ele mesmo, ninguém mais. "Por isso eu quero pedir pra você se mandar até outro dia em outro lugar". Ai! de quem disser pra ele o quê ele deve fazer da própria vida. Uma filosofia bem próxima dos pensamentos do Raul Seixas, aliás. Uma samba que poderia ter saído de qualquer morro carioca, de qualquer bairro de periferia brasileira, mas com um tom singular, imperativo e com um leve toque de ironia (uma das especialidades do Sérgio).

02. Que loucura
Torquato Neto, em 1972
"Fui internado ontem, na cabine 103...". E depois de dizer que é um homem livre, que não será nunca comandado por ninguém, não será submisso, ele é aprisionado num hospício, acusado de ser maluco, doido mesmo, psicótico. E talvez estivesse, em pleno 76 de forte repressão militar. Ele diz que está "doente do peito... do coração", mas admite que está "maluco da ideia, guiando o carro na contramão". O som me lembra alguma coisa perto do foxtrote (ou foxtrot), numa das suas variações mais lentinhas, meio que "encaixada" numa levada mais swingada, bem mais prum sambinha. Se não me engano, um sax super choroso dá um tom bem melancólico pra canção. E no fim, uma gaitinha bem marota, substitui o sax, trazendo um clima bem mais animado.

(Há quem diga que ela foi feita em homenagem ao poeta Torquato Neto, já então morto... cometeu suicídio em 72...)

03. Cada lugar na sua coisa
Ai vem o  momento revelador. Na verdade, sua loucura é também a fonte da sua criatividade, do seu fazer artístico. E esse não pode ficar preso num hospício, nem em lugar nenhum. "Lugar de poesia é na calçada... lugar de música é no rádio... Lugar de samba enredo é no asfalto". O poder da arte e da comunicação, e a importância desses meios serem públicos, divulgados, espalhados, acessíveis. Uma peça brilhante que começa lá no alto, com flauta, violão, baixo e percussões (que aliás são incríveis e super detalhadas), e que se mantém. Essa flautinha cria um ambiente etéreo, que contrasta com a firmeza da batida dos outros instrumentos. A harmonia me lembra alguma coisa próxima ao flamenco, e escalas latinas, como a da rumba. Mas o ritmo, de novo, é o samba, que come solto no finzinho da canção, o momento mais emocionante, a explosão de sentimento, a voz do Sérgio Sampaio em vibrato, incrível! "Aonde a pé vai, se gasta a sola, lugar de samba enredo é na escola". Essa foi a música que me fez prestar atenção no Sampaio, me fez querer saber mais sobre o Kavernista misterioso, o cara do "bloco na rua". É, pra mim, uma das melhores coisas que ele já fez e também uma das melhores que a música popular brasileira já concebeu, na boa.

04. Cabras pastando
E é isso ai bicho, Sérgio Sampaio não é cobra, nem carneiro, nem cachorro, nem cordeiro. Herói ou bandido? Poeta e cabra? Talvez. Nesse "blues" (com muitas aspas) bem animado, só nos violões, o cara dá seu recado, diz quem é e quem não é, cada lugar na sua coisa. Debocha mas não nega suas origens. É uma letra muito bem sacada. O violão solo come solto, sem parar, sem descanso e contrasta muito bem com a melodia da voz. No geral, é uma canção mais simples que as outras, mas mesmo sim tem seu brilho próprio.

05. Velho bode
O bolerão come solto nessa faixa. Aquele violão de chorinho, cavaquinho no contraponto, um batuquezinho suave só pra sambizar (...sorry...) o bolero, abrasileirar o acento latino. A sanfona entra bem pra complementar a harmonia, com aquele timbre que me soa tão nostálgico, dramático.  Agora, me pergunto que bode é esse que ele tanto rejeita, que ele culpa por tudo de errado que se dá com ele, um estorvo... Que bicho é esse que tá incomodando o Sampaio? O Regime? A mídia? Uma velha namorada ou um "amigo" que vive pedindo grana emprestada? Sei não... rs


06. O que pintar, pintou
O clima volta a esquentar nessa faixa, um sambão digno de roda de morro num domingo carioca, churrasco, cerveja, festa e luxúria, afinal, "o que pintar, pintou! se a barra subir, eu subo, se a barra descer eu desço... se você disser que quer, eu digo que quero também...". Bom, deu pra sacar, né?

07. A luz e a semente
Melodias suaves de flautas e piano. Uma das canções mais bonitas do disco, adoro essa. A poética dessa música é simplesmente maravilhosa, a letra é incrível. Dá pra imaginar Sérgio caminhando de volta pra casa, depois de uma boa noitada de som, goró e prazeres da carne, enxergando os primeiros raios de sol do dia, sentindo aquele sentimento de "o dia está começando". Mesmo bêbado, vadio, vazio, sem mais nada pra beber, tropeçando pelas calçadas, desmemoriado, ele está renascendo, voltando a ser "menino" na luz do dia (a semente que vai brotar), diferente do "adulto" noturno. O mais interessante é que de fato as estruturas harmônicas e melódicas do som traduzem muito bem esse cenário matinal. Brilhante.

08. Quanto mais
Mais um sambinha, ainda mais maroto e swingado que os anteriores, com tudo que se tem direito, inclusive coral feminino cantando em harmonia, no melhor estilo "raiz". Nesse ponto não tem nada de novo ou muito original aqui, porém a letra justifica a necessidade de uma melodia ordinária, um tema musical bem popular. O lance aqui é : menos é mais (e melhor). "Quanto mais eu sofro mais coração me aparece...".


09. Tem de acontecer
A faixa título é apoteótica, tem ares de peça épica, extremamente dramática, com harmonias que lembram as escalas árabe-flamencas. Começa com um toque sutil de mistério, percussões "fantasmas", e uma explosão que leva pro primeiro verso. O conjunto de cordas, no refrão, acrescenta uma dramaticidade extra ao som, sem falar da flautinha. A letra fala basicamente da impotência de escolher ou manipular o destino dos outros, do desconforto que essa sensação gera, do desespero de querer ajudar, interferir de forma positiva, mas ser impedido pela lei da liberdade. "Mas não posso fazer nada, não sou Deus nem sou senhor...". Sérgio tenta estender mão, mas parece que a mulher abandonada não quer ou não aceita ajuda. Mais uma vez, tema e composição casam divinamente.


10. Quatro paredes
Melancólica, cantada apenas com o acompanhamento do violão (acredito que gravado pelo próprio Sérgio). O arranjo é muito rico, e mostra a habilidade do cara, e principalmente nas melodias maravilhosas da sua voz. Um segundo violão entra pra criar um contraponto mais grave e deixa o som ainda melhor. A letra é tensa... rs. Mas é muito linda. Acho que a mais bonita do disco todo, apesar de todo rancor, é super sensível.

11.  Filho do ovo
Essa é uma sacada marota sobre a vida, as idiossincrasias humanas, e a condição que nos torna todos iguais, apesar de diferentes. "Todo filme tem mocinho e bandido, tanto faz receber prêmio ou castigo. É um vasto capinzal, que alimenta todos os famintos". Genial. Mais um sambinha, o cara gostava mesmo do negócio. A novidade aqui tá no naipe de mateis (ou madeiras?) que entra no início. Interessante, dá uma sonoridade bem diferente dos outros sambas do disco. Os backings cantados em coro feminino permanecem, assim como tudo o mais, bumbo, cuíca, cavaco, enfim...

12. Velho bandido
E pra acabar... mais um samba! rs. Agora bem mais parecido com o que conhecemos popularmente como chorinho. Flautas em contraponto, violão de 7 cordas comendo solto nos graves, cavaco, pandeiro, e toda a turma da percussão brasileira. Arrisco dizer até que tem um bandolim. Sérgio deixa sua marca, finaliza sua mensagem, com mais uma letra cantada em primeira pessoa (como outras várias aqui, e todas sensacionais). Pra mim, essa tem a melhor letra, não só porque é muito bem construída, a métrica, a poesia e tudo mais, mas também porque parece uma espécie de profecia. "...sou feio, desidratado e infiel, bolinha de papel, que nunca vou ser réu dormindo, e descobri como um velho bandido que já tudo está perdido neste céu de zinco". E ainda "...e como eu fui o tal velho bandido, vou ficar matando rato pra comer, ançando rock pra viver, fazendo samba pra vender... sorrindo". Parece que Sérgio já sabia que seria "consagrado" como um maldito da MPB. É como se ele tivesse percebido que não havia lugar pra ele na indústria musical, não só no fim do anos 70, mas principalmente nos anos 80. O sonho de ter uma música sua gravada pelo conterrâneo Roberto Carlos, nunca se realizaria. E com essa faixa tragicômica (afinal o som é bem irônico) ele termina o disco.

(Na edição recente (relançamento em CD) o disco ainda conta com três faixas extras: "O teto da minha casa", "Ninguém vive por mim" e "História de boêmio (Um abraço em Nelson Gonçalves)". A primeira, uma canção rancheira, campestre, com uma gaitinha que é uma delícia e letra bem bucólica, mas não menos poética. A segunda lembra um pouco o que Sérgio gravou no disco anterior, sonzinho bem suingado, com um refrão lindo e uma letra bem genial, bem autobiográfica (pra variar, rs), gosto muito dessa faixa. E a derradeira, um sambão choroso com a cara de "Velho bandido", uma canção "irmã" dessa última.)

 É, minha gente, assim termina esse disco antológico. O segundo e penúltimo da sua carreira (pelo menos em vida). O disco seguinte, "Sinceramente", sairia somente seis anos depois, em 1982, e faria ainda menos sucesso (ou melhor, seria um fiasco maior). Mas esse é assunto pro próximo post. Lembrando que os títulos das músicas também são links pras letras. Por favor, comentem! =D

Até já!

*Disco na íntegra:


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Bad Religion 7 - Against The Grain (1990)


Nota: 9,5
Capa de "Against The Grain"
Após os marcantes e geniais “Suffer” (1988) e “No Control” (1989), discos que definiram uma nova estética para o Punk Rock e, consequentemente, ajudaram a criar uma nova cena nos Estados Unidos (principalmente na ensolarada Califórnia), o Bad Religion chegou a 1990 contabilizando um saldo mais que positivo, em termos de popularidade para uma banda de Punk Rock independente que ainda não havia saído do Underground.

A fase estava tão boa, que eles voltaram de sua última tour na Europa, no primeiro semestre do ano, com seu primeiro VHS na mala: o único e espontâneo “Along The Way”. Fruto de um trabalho de estudantes de cinema que tinham uma produtora independente, a Tribal Area, “Along The Way” traz 28 músicas ao vivo, com áudio registrado de um show em Bremen (Alemanha), intercaladas por entrevistas com a banda, sendo a mais legal, uma com o guitarrista Mr. Brett falando abertamente sobre seu vício em crack!

Clique AQUI para assistir o "Along The Way" completo no Youtube

VHS "Along The Way"
A grande “curiosidade” do vídeo, que foi lançado pela Epitaph Records (já falei que a gravadora é do guitarrista Brett, né? rs) dia 25 de agosto de 1990, são as várias “trocas de roupa” dos integrantes durante as músicas. Não que eles estivessem numa vibe de Madonna, mas a galera da produção gravou e editou imagens de 14 shows (!!!) diferentes e se esqueceu de pedir para que os integrantes usassem as mesmas roupas... O resultado ficou próximo do cômico, como quando o vocalista Greg Graffin começa uma música com uma camiseta azul, canta o refrão sem camisa e volta para o segundo verso com uma blusa de frio vermelha... (rs)

Voltando um pouco no tempo, ainda antes do lançamento do VHS, logo que o Bad Religion chegou da tour na Europa, em maio de 1990, eles já tinham um bom punhado de novas canções e nem hesitaram em entrar novamente no estúdio Westbeach Recorders (também do guitarrista Brett...), em Hollywood, para registrá-las para seu próximo LP. E eles saíram de lá com uma bolacha de pouco mais de 34 minutos de Punk Rock rápido e ainda mais melódico, divididos em 17 músicas que iam direto ao ponto, sob o provocativo título “Against The Grain(“contra a moda”, numa tradução livre).

O famoso "milho" no encarte do CD

Against The Grain”, o 5º full length do Bad Religion, chegou às lojas no dia 23 de novembro do mesmo ano, via Epitaph Records (aqui no Brasil, ele só foi lançado no fim dos Anos 90, em CD, pela Roadrunner Records) e, apesar de ter sido o primeiro disco da banda a atingir a marca de 100 mil cópias vendidas e conter seu primeiro “protótipo” de hit, a pop pegajosa (e muito legal)21st Century (Digital Boy)”, acabou não sendo o trabalho que fez o BR estourar no mainstream.

A arte da capa, que caiu como uma luva para o título, pode ter colaborado um pouco para esse “insucesso” do disco, já que o desenho lindão da “lavoura de mísseis” da artista plástica Joy Aoki (responsável por capas de outras bandas da Epitaph na época, como Offspring, NOFX e Down By Law), apesar de se sustentar por si só pela mensagem contida, não trazia nem o logo da banda, nem o nome do play, nem nada mais, itens que, por mais que “estragassem” a arte, certamente aumentariam o apelo do marketing da bolacha na prateleira das lojas.

Encarte do K7, com as "fotos produzidas" dos integrantes (clique para ampliar)
Ainda dentro do contexto “contra a moda”, o encarte trouxe pela primeira vez os integrantes em fotos individuais, mas devidamente “produzidos”, como se estivessem prestes a entrar numa passarela para desfilar (!!!). Uma sacada espertíssima e muito corajosa para uma banda inserida na cena Punk...

Outra novidade contida em “ATG” foi a colaboração do baixista Jay Bentley e do guitarrista Greg Hetson na composição. Desde a volta da banda em 1987, apenas Greg Graffin e Mr. Brett se arriscavam na criação, mas desta vez o baixista trouxe duas músicas: o petardo hardcore de 57 segundos “The Positive Aspect of Negative Thinking” (que tem até uma batida “thrash metal” no final) e a contestadora “Unacceptable”, composta em parceria com Hetson. As duas músicas foram mixadas por Karat Faye, ao contrário do resto do disco, que acabou finalizado por Eddie Schreyer, engenheiro de som parceiro do guitarrista Brett no Westbeach Recorders.

Arte original de "Against The Grain" decorando o hall de entrada da Epitaph
E se em “No Control” Brett era o mais inspirado na hora de compor, em “ATG” Greg Graffin dischavou, trazendo 9 músicas contra 6 do guitarrista. “É sobre como você desafia as estruturas da Ciência e da Arte para fazer progresso”, comentou o cantor sobre o conteúdo lírico do álbum, em entrevistas na época do lançamento. De fato, o “doutor” estava realmente inspirado quando escreveu letras como as de “God Song”, “Faith Alone” e “Get Off”.

Assim como a capa, a contracapa não trazia informações
Musicalmente, “Against The Grain” também mostrou o Bad Religion evoluindo dentro do estilo melódico de Punk Rock que havia inventado e desenvolvido, com Brett, Hetson e Jay tecendo linhas diferentes um do outro na mesma musica pela primeira vez, como em “Anesthesia(surrupiada pelo Offpsring quatro anos mais tarde, na música "Genocide", do Smash), por exemplo, ao invés de simplesmente se acompanharem na mesma base, como ocorreu em praticamente todo material anterior da banda. Finalmente o BR estava utilizando as vantagens de ter duas guitarras no time!

Nas “drums and percussion(como creditado no encarte do album), apesar de ainda bem “retão”, Pete Finestone manteve a precisão e a pegada forte que sempre apresentou, neste disco que foi seu último nas baquetas do Bad Religion, encerrando um ciclo de 3 álbuns com a mesma formação na banda.

Vinil amarelo de "Against The Grain"
Como já havia virado uma tradição o BR abrir seus discos com uma cacetada, “ATG” começa com Greg Graffin mandando um “... here’s a song with attitude(mas o começo da frase foi cortado na edição do disco...), seguido de Finestone contando “1, 2, 3, 4” pra descer o sarrafo em “Modern Man”. A música, um hardcore de poucos acordes, muita melodia e muitos coros de Oozin Ahs (como eles sempre chamaram os backing vocals nos encartes), começa com um solo simples, porém marcante, de Bret e cai na brilhante letra contestadora de Graffin sobre o way of life destrutivo do homem moderno, a quem ele chama de “traidor da evolução”.

O lado A do vinil segue a mil por hora com as rapidíssimas hardcores “Turn On The Light(com um solo de baixo), “Get Off” (com um solo de oozin ahs”), “Blenderhead” e a já citada “The Positive Aspect of Negative Thinking”, até cair na interessante “Antesthesia”, composta por Brett.

Poster oficial da tour de "Against The Grain"
Além de clássica na discografia da banda, “Anesthesia” é um caso a parte, tanto pelo quesito musical, com linhas de guitarra espertíssimas e uma quebrada de tempo maneira no final com algumas percurssões, como pela fantástica letra, com 3 metáforas embutidas (!!!), que conta a historia de um casal, que ora você acha que se envolve com assassinato e suicídio, ora que eles estão apenas usando heroína, além de uma outra metáfora passeando entre essas duas, onde a “Anesthesia”, alem de ser o nome da garota, é uma gíria para a droga, já usada por Brett, que considerou a canção uma de suas favoritas na banda.

Ainda no lado A, o play segue com “Flat Earth Society”, também de Brett, famosa por seu refrão simplório “Lie, Lie, Lie...” e por sempre estar no set list dos shows, até terminar na cadenciada e também clássica “Faith Alone”, de Greg, onde o cantor fez o nome da banda fazer muito jus a sua mensagem, com uma letra desconcertante de tão sincera e contestadora.

Depois de chutar a porta de novo na abertura do lado B com a veloz “Entropy”, temos a faixa-título com sua base solada, algo pouquíssimo usual no Punk Rock, e sua letra autoafirmativa panfletária “I maintain against the grain”. O “sprint na descida” segue com a alta (em termos de tom) “Operation Rescue”, que conta com backing vocals do Keith Morris, famoso por integrar bandas como Black Flag, Circle Jerks e Off!, colada com a melodiosa “God Song”, onde Greg mais uma vez bate forte nas ditas religiões que fazem o fiel vender até a casa pra pagar o dízimo...

Cartaz do 1º show da tour, no México
Então, mesmo depois de te dar 12 bordoadas na orelha, o BR ainda te entrega o já citado hit “21st Century (Digital Boy)”, composta por Brett sobre a família-padrão norte americana: “Sou uma criança do século 21, não sei ler, mas tenho muitos brinquedos, meu pai é um intelectual desmotivado de classe média e minha mãe é lesada de Rivotril”. Um clássico incontestável do Bad Religion com todos os méritos!

E essa letra ainda veio embalada numa base cheia de groove, que sempre causa o maior pula-pula nos shows da banda até hoje. Era tanto potencial Pop, que, quando o BR assinou contrato com uma gravadora major, mais tarde em 1994, uma das cláusulas do contrato os obrigava a regravar essa música pra lançá-la novamente com um clipe e tudo mais, como aconteceu no disco “Stranger Than Fiction”!

E ATG entra na reta final com a correta “Misery and Famine”, seguida da já citada “Unacceptable” e da “pogativa” “Quality or Quantity”, com sua alternância de ritmo entre o Punk 77 e o puro HC, acabando de vez com “Walk Away”, cheia de oozin ahs”.
Bad Religion, no México, durante o 1º show da tour

O disco, mesmo contando algumas das letras mais ácidas do Bad Religion, tinha tanto potencial melódico e pop em suas veias, que o tecladista Roy Bittain, da The E Street Band, banda de apoio de Bruce Springsteen, apareceu um dia na Epitaph para conversar com Brett e Jay, oferecendo uma maleta cheia de dinheiro para que eles regravassem “Against The Grain” com ele na produção, dizendo que assim eles estourariam! Jay acabou “educadamente expulsando” o maluco da reunião, sem dar nenhuma resposta à absurda proposta, para logo depois cair na risada junto com Brett, mal acreditando no que havia acabado de acontecer...
Apesar de tantas músicas brilhantes, “Against The Grain” manteve a máquina do Bad Religion rodando bem graças à força do hit 21st Century (Digital Boy)”, que fez a banda deixar de apenas “dividir” o palco com seus colegas da cena Punk americana, para a se tornar a “atração principal” na maioria das noites da tour, que novamente contou com um giro pela Europa, além dos Estados Unidos e México, e durou até 1992, quando eles lançaram “Generator”, o próximo disco a ser resenhado. Até lá! :)

Escute “Against The Grain” logo abaixo:



* Bônus: versões demo de 7 músicas de “Against The Grain” estão disponíveis no Youtube! :D

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