Nota: 9
Após ter varrido Estados Unidos e
Europa na “Against The Grain Tour” nos primeiros meses de 1991, o Bad Religion finalmente estava se
assumindo como “pai-criador” de um
novo estilo de Punk Rock e de uma
nova cena mundial, que se caracterizava principalmente por bandas que tocavam
um som rápido e (muito) melódico.
E na condição de “leader not follower”, havia chegado a
hora do Bad Religion dar um passo
para além dos limites musicais que explorou profundamente em seus três discos
anteriores, “Suffer” (1988), “No Control” (1989) e “Against The Grain” (1990), que
inclusive já começavam a ser declaradamente (e descaradamente) copiados pela maioria das bandas punks da
época. “Estava ficando chato”, disse o guitarrista Mr. Brett em entrevistas na época. “Era hora de mudar.”
Não que essas mudanças
significassem algo tão drástico como eles fizeram no péssimo “Into The Unknown”, em 1983, mas eles
decidiram deliberadamente, antes começar as gravações de seu 6º álbum de estúdio, dar uma
“simplificada” no caldo, enxugar qualquer possível excesso e fazer um disco
mais direto e, consequentemente, poderoso.
BR-92: Hetson (g), Bentley (b), Bobby (d), Brett (g) e Graffin (v) |
A primeira mudança foi o método
de gravação: com uma nova e maior locação para o seu estúdio Westbeach Recorders, Mr. Brett e os
outros membros do BR puderam pela primeira vez tocar juntos na sala de
gravação, optando por gravar o disco “ao vivo”, com todos tocando ao mesmo
tempo, além de manterem Brett no comando da mesa de som, como engenheiro do
álbum, e todos opinando na produção!
Encarte completo do K7 de Generator |
A outra mudança foi no método de composição:
em vez de ensaiarem e até mesmo testarem as músicas ao vivo antes de gravar (exceto por “Heaven is Falling”...),
eles aprendiam as composições juntos no estúdio, por meio das demos trazidas por Brett e pelo
vocalista Greg Graffin, por cerca de
uma hora e logo já apertavam o ‘Rec.’, o que fez com que as versões registradas
para a bolacha se tornassem as primeiras versões de cada música tocada pela
banda! “Eu escutava o disco e dizia ‘porra, o que eu fiz nessa parte mesmo?’”,
comentou o baixita Jay Bentley, na
época, sobre o método que o levou a ter que ouvir seu próprio disco para
aprender as músicas. “Mas eu realmente me diverti gravando esse disco.”
O resultado dos novos métodos de
gravação, que levou apenas 10 dias para ser finalizada, em maio de 1991, ficou
bem latente já no número de composições apresentadas: apenas 11 faixas em 30 minutos. Vitória! Já
que ia na direção oposta dos 3 discos anteriores, que tinham entre 15 e 17
músicas cada, com aproximadamente o mesmo tempo de duração. E, ainda que isso
signifique que as músicas novas ficaram um pouco mais longas, seus arranjos
estavam, de fato, melhores e mais elaborados!
Contracapa do disco |
Tudo estava lindo! O Bad Religion
estava empolgadíssimo com seu novo disco, já acertando os detalhes do
lançamento, quando as primeiras cópias que chegaram da fábrica ao escritório da
gravadora Epitaph Records deixaram eles
extremamente insatisfeitos com o material dos encartes e com a arte do pacote,
em geral. Fazer tudo de novo era necessário, mas isso resultou em adiar o lançamento do disco para o
próximo ano...
Para não perder a viagem (e o período de altas vendas de fim de ano),
Mr. Brett (já falei que ele é dono da
Epitaph, né? rs), muito esperto como sempre, acabou lançando a primeira coletânea do Bad Religion,
simplesmente intitulada “80-85”. O
disco, que chegou às lojas dia 12 de
novembro de 1991, trazia na íntegra quase tudo que a banda lançou
entre 1980 e 85: o primeiro EP autointitulado do BR lançado em 1981, o primeiro LP, “How Could Hell Be Any Worse”, de 1982, o segundo EP “Back To The Known”, de 1985, e mais
três versões de uma coletânea de 1980. Só o já citado disco de 1983, “Into The
Unknown”, havia sido espertamente ignorado...
Escute a coletânea "80-85" logo abaixo:
E o atraso que poderia ter sido desastroso para o Bad Religion acabou jogando a favor, quando as encomendas de pré-venda de seu novo disco já haviam ultrapassado as pré-vendas dos discos anteriores. Só na Alemanha, 50 mil cópias já estavam previamente vendidas, tanto que a companhia de frete teve que alugar um avião exclusivo para levar a encomenda da Epitaph para lá, na época.
Arte completa do encarte do CD |
E dez meses depois de gravado, “Generator”, 6º disco de estúdio do Bad
Religion, foi finalmente lançado no dia 13
de março de 1992, pela Epitaph
Records, já com 85 mil cópias vendidas em menos de um mês de
comercialização, sendo o 2º disco do BR mais vendido até então, perdendo
somente para “Against The Grain”, lançado dois anos antes (no Brasil, o play só foi lançado no fim dos Anos 90 pela Roadrunner Records).
A capa, até então responsável
pelo atraso no lançamento, trazia apenas uma mão de uma estátua extraída de uma
fotografia artística dos “The Douglas Brothers”, com o nome da banda e do disco escritos de
maneira que formavam um arco e flecha.
Nada tão legal quanto às artes apresentadas antes, mas uma amostra que a banda
realmente estava tentando “algo diferente”, de fato.
Outra novidade que “Generator” trouxe, mas essa não-intencional,
foi a adição do baterista Bobby Schayer
ao time, no lugar de Pete Finestone.
“Certamente a maior variedade de ritmos nas músicas novas se deve a ele”,
declarou o baixista Jay Bentley na época sobre o novo membro. Finestone saiu do
BR no início da tour do disco anterior, no comecinho de 1991, mas havia deixado
gravado partes de bateria nas demos de duas músicas que acabaram em
“Generator”: “Fertile Crescent” e “Heaven is Falling”,
lançadas posteriormente em 2004, como bônus na edição re-masterizada do álbum.
Blusão oficial da "Generator Tour" |
E “Generator” também ficou
marcado por ser a pela primeira vez em que o BR não abria um disco com um “hardcore-voadora-com-os-dois-pés-no-peito”!
Ao invés disso, eles entregaram logo de cara a belíssima e melódica faixa-título, um clássico absoluto da banda, tocado ao vivo até os dias de hoje (inclusive com uma nova introdução de tirar lágrimas!).
Composta por Mr. Brett na
manjadíssima sequência de acordes “Am-F-C-G”, “Generator”, a música, contém as famosas partes de “música abstrata” já utilizadas pelo
guitarrista anteriormente, mas elevadas a um patamar ainda mais experimental e
livre: após os refrãos, cada membro toca literalmente o que quiser, gerando um
curioso efeito de cacofonia, que logo é sobreposto pela melodia da música,
tomando seu lugar de volta. Na letra, Brett também foi longe na “abstração”,
simplesmente tecendo frases poéticas sem ligação entre si, tentando significar
a “onipresença de Deus”, o “gerador” (“generator”, em Inglês”).
O hardcore de derrubar paredes ficou para a faixa 2, com a alta “Too Much to Ask”, composta pelo vocalista Greg
Graffin, e que começa com uma introdução alegrinha, mas logo descamba ladeira
abaixo a toda velocidade, com vários coros “oozin ahs”.
Letras no encarte do K7 (clique para ampliar) |
Ela faz bem a
ponte para outro clássico contido no disco: a contestadora e pessimista “No Direction”, também escrita pelo
cantor, que utilizou acordes da escala menor para dar um clima tétrico à sua
letra: “No Bad Religion song can make
your life complete. Prepare for rejection you'll get no direction from me” (tradução: “Nenhuma música do BR pode fazer
sua vida completa. Prepare-se para rejeição, você não vai obter nenhuma orientação
de mim”). Era o recado de que “nenhum
messias existe, pare de procurar” sendo dado de forma direta e sem as
palavras científicas, outrora muito utilizadas pelo vocalista, que também é
professor universitário. Nada poderia ser mais Bad Religion...
O disco segue
com a punk-veloz “Tomorrow”, e logo em
seguida cai na cadenciada “Two Babies in the Dark”, que discorre sobre os apuros da uma gravidez indesejada na adolescência. A música, que mostrou um lado musical mais obscuro, ou “dark”,
do BR, foi inspirada na irmã adolescente de Brett, que engravidou na época, mas “ainda tinha medo de escuro” (!!!), segundo o
guitarrista. A rápida “Heaven is Falling” vem em seguida e protestava contra a Guerra do Golfo, bem forte àquela
época, encerrando o lado A do vinil.
O lado B abria com o 1º single do disco, a anti-nuclear “Atomic Garden”, que com seu riff de
guitarra dobrado por um piano (!!!), acabou se tornando também o 1º videoclipe do Bad Religion, em uma
produção amadora e independente, filmada no galpão da própria Epitaph, pelo
amigo da banda e diretor Gore Verbinsky (assista
logo abaixo).
“The Answer”, outra bem cadenciada, vem na sequência trazendo uma
das letras mais contestadoras de Greg Graffin no BR, sobre a tão procurada “resposta”
para as dúvidas de nossa existência (“Não
me fale que você achou a resposta, pois logo vai aparecer outra pessoa dizendo
a mesma coisa”), além de um “solo” de “oozin ahs” maravilhoso no final.
VHS Big Bang |
Na reta final,
temos as fillers “Fertile Crescent”, com seus versos entupidos de tanta
palavra encaixada; a “tradicionalmente
Bad Religion” “Chimaera”; e a altamente
crítica aos telejornais da TV “Only Entertainment”, com sua levada surf, bem “californiana”, encerrando o CD com
a vibe lá em cima!
Em geral, as 11 faixas de “Generator”
deram um novo colorido à carreira e à discografia do Bad Religion, ampliando seu leque de opções na hora de compor,
também provando que a banda sabia aparar as próprias arestas ao escolher fazer
um disco com músicas mais simples e diretas.
Em 25 agosto de 1992, cerca de cinco meses depois do lançamento de “Generator”,
o BR lançou seu 2º home vídeo, o VHS “Big Bang”, mas apenas na Europa (assista ele completo AQUI). Assim como seu 1º VHS
“Along The Way”, “Big Bang” foi produzido
pela “Tribal Crew”, com imagens de 18 shows da “Against The Grain Tour 1991” no
velho continente, totalizando 24 músicas ao vivo e algumas entrevistas, além do
clipe de “Atomic Garden”. O lançamento antecedeu o sétimo trabalho de estúdio
do BR, o disco “Recipe For Hate”, de
1993, que veremos na próxima resenha. Até lá!
Escute “Generator” logo abaixo:
*Bônus: versões demo de 8
músicas de “Generator” estão disponíveis no Youtube:
Clique sobre os títulos para ouvir:
- Chimaera