Nota: 9,5
De volta após quase dois meses
sem um post, eis que chegamos no disco divisor
de águas da carreira do Bad Religion,
aquele que fez a banda finalmente romper a barreira do Underground e estourar (nas suas devidas proporções) no Mainstream: com vocês, o magnífico “Recipe For Hate”!
E, como já virou praticamente um
clichê, sempre que uma banda atinge o
topo, o ápice comercial, é chegada a hora dos problemas internos começarem! E, assim como aconteceu com nomes
como Raimundos, Sepultura, Iron Maiden, Metallica e (quase) qualquer outra
banda que tenha chegado “lá”, os problemas do Bad Religion começaram assim que “Recipe For Hate” (ou “receita para odiar”, numa tradução
livre), seu 7º disco de estúdio,
foi lançado, em 4 de junho de 1993,
pela Epitaph Records, gravadora
independente de propriedade do guitarrista e compositor da banda, Brett
Gurewitz (ou Mr. Brett).
Mas vamos voltar no tempo, para o
comecinho de 93, um pouco antes dessa “bomba explodir”, para entender o que se
sucedeu...
Letras no encarte da versão brasileira (clique para ampliar) |
Brett (à dir.) mixando o disco com Paul Du Gre |
Com o 'parceiro' Eddie Vedder, ao vivo |
O resultado desse
“descompromissado mergulho na experimentação com convidados ilustres” foi que,
pela primeira vez, o Bad Religion
figurou nas tão faladas paradas da Billboard,
com “Recipe For Hate” ficando 10 semanas
na chart “Heatseekers”, onde atingiu o número
14! E se no rádio tudo ia bem, na TV o negócio foi ainda melhor, com os
novíssimos clipes de “Struck a Nerve”
e “American Jesus”, o primeiro hit
da banda, passando sem parar, e em alta rotatividade, na MTV americana. Em termos de vendas, “Recipe For Hate” também fez o
BR bater todos os seus recordes, sendo que em setembro de 93, cerca de 3 meses
depois do lançamento, o disco já havia vendido mais de 180 mil cópias só nos EUA, superando todos os lançamentos
anteriores.
E foi aí que começaram os
problemas...
BR em 93, ainda com Brett (de óculos) |
Com as vendas de “RFH” aumentando
dia após dia, a Atlantic Records,
uma gravadora “major” (ou seja, uma empresa
multinacional), enxergou o potencial do BR e fez aquela “proposta
indecente” para ter a banda em seu catálogo. Brett, que era dono da Epitaph e, consequentemente, de todo o
catálogo da SUA banda, se doeu todo
e não gostou nada da ideia. Mas, como ele dividia a liderança da banda com Greg
Graffin (que já estava “afinzão” de
tentar algo diferente, com “cara de mainstream” e não mais de “independente”),
além dos outros 3 membros da banda (Jay
Bentrey mais o guitarrista Greg Hetson
e o batera Bobby Schayer)
votando a favor da saída, o Bad Religion acabou assinando o contrato com a Atlantic e, rapidamente, ainda em 93,
“Recipe For Hate” foi relançado pela
major, fazendo Brett, que na época
havia voltado com tudo ao vício do crack (!!!), se morder de raiva de seus
parceiros, porém, ainda sem tomar atitudes mais drásticas.
Contracapa da versão nacional da Paradoxx |
Olhando para o disco, começando
pela capa, tem-se a bela arte de Fred Hidalgo (que também foi o responsável pela capa de “Smash”, do Offspring)
com os dois cachorros raivosos,
vestindo seus ternos amassados depois de um dia sufocante de trabalho, com um
fundo de vermelho-calor mais sufocante ainda! Clássica e bem atraente para
embalar as 14 faixas em 37 minutos da “receita
para o odiar”!
Capa da versão em K7 |
Arte do single de "American Jesus" |
E então chega a faixa 3 e um
inexplicável groove cheio de energia e incrivelmente simples (eles tocam apenas 4 acordes repetidamente a
maior parte do som...) de puro Punk Rock te pega pelo estômago e te segura
pra nunca mais soltar! Foi assim comigo quando ouvi pela primeira vez “American Jesus” hit máster do disco e,
quiçá do Bad Religion!
O “Jesus Americano” foi a
quarta música escrita por Graffin e Brett em parceria
na banda, sendo que o cantor apenas contribuiu com as letras dos versos,
enquanto o guitarrista fez todo o resto. A letra ironizava o sentimento que
George Bush (o pai) tentou passar à nação americana, quando disse que eles
ganhariam a guerra do Golfo, porque “Deus estava do lado deles”. É como
ironizar aquele chavão nosso do “Deus é Brasileiro”! O clipe, produzido e
dirigido pelo amigo da banda Gore Verbinski, trazia mais amigos e alguns funcionários
da Epitaph perambulando vendados e carregando cruzes por Los Angeles, enquanto
a banda performava em um deserto não tão próximo a cidade Red Rock Canyon, na Califórnia.
Veja abaixo o clipe de American Jesus:
Na sequência, vem “Portrait of Authority”, mais uma interessante
música Punk cadenciada de Greg Graffin (como “Faith Alone”), mas, dessa vez, com letra atacando o autoritarismo: “Há busto de mármore me encarando/E ninguém se
atreveria a derrubar/E isso determina o que é certo e errado.” Em seguida,
“Man With a Mission” mostra todo o experimentalismo de Mr. Brett ao
misturar Punk com o Country e Folk, com direito a vocal “dupla sertaneja” e até
mesmo uma slide guitar, tocada pelo
convidado Greg Leisz. A letra é uma clássica do BR, criticando quem segue
falsos líderes às cegas por aí.
Cartaz promocional de RFH |
“Watch it Die”, de Graffin, vem na sequência, mostrando toda a paixão
do cantor pelo Folk de influência irlandesa, bem comum e enraizado na cultura
norte-americana. A levada feliz, e que poderia ser acompanhada muito bem por um
banjo (!), contrasta de maneira inteligente com a pessimista "letra apocalíptica fim do mundo”. Para ajudar, há ainda a participação do amigão
Eddie Vedder, do Pearl Jam, cantando a segunda estrofe da letra!
E já que Graffin se mostrou
pessimista, seu lado observador do cotidiano triste do mundo nos dias de hoje acabou
aflorando de vez, em forma de uma brilhante poesia, cheia de sentimento e
revolta, envolta por um Punk Rock certamente
composto no piano, na maravilhosa “Struck a Nerve” (tradução livre: “deu no
saco”): “Eu tento fechar meus olhos,
mas não consigo ignorar o estímulo. Se há um propósito pra vivermos aqui assim,
ele ainda permanece um segredo pra mim, então não me peça pra justificar minha
vida.” O clipe, dirigido por Darren Lavette, traz cores tristes e
blip-verts sem sentido.
Veja abaixo o clipe de Struck a Nerve:
Na faixa 9 está gravada “My Poor Friend Me”, uma das primeiras demos apresentadas para o disco (leia mais no fim do texto). Meio com
cara de filler, a música lembra algum
Hardcore dos primeiros discos da banda, mas, por estar com a produção mais
limpa, não soou tão agressiva. O trecho de piano que há na versão demo é
maravilhoso, mas inexplicavelmente foi limado da versão que saiu no disco (!!!). E já que o assunto é Hardcore, o Bad
Religion quis mostrar que ainda dominava a área com “Lookin’in”, que vem seguida. O som é todo feito em cima de um
esperto riff, a todo vapor, que a banda inclusive chegou usar como intro em algumas apresentações, e tem
uma letra do “doutor em Geologia” Graffin
sobre como a evolução humana é a também sua própria ruína.
Contracapa de single pirata de "American Jesus" |
E fechando as cortinas, temos aquela “lado B clássica”.
“Skyscraper”, a alegoria de Mr.
Brett sobre a história da Torre de Babel, onde Deus, mimado e com medo de
perder o poder, criou as diferentes línguas para o povo não se entender mais e
não poder construir a torre que alcançaria os céus... A sequência de acordes é
bem comum na música pop, soando como se os Beatles tentassem tocar um Hardcore
rápido! O coro de “Build me up” (tradução: “me construa”) no crescendo
final é épico!
Cartaz de show de 93, com o Green Day |
Escute “Recipe For Hate” na
íntegra:
BONUS: 3 demos de “Recipe For
Hate” estão disponíveis no YouTube, e duas delas são de músicas que não
entraram no álbum. Confira todas abaixo clicando sobre o título:
- Hole In The Ship (inédita)
- Wasting Oxygen (inédita)
Grato pelas informações.
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